terça-feira, 7 de novembro de 2023

O Trabalho, por Nuvem que Passa

Os textos a seguir foram apresentados numa série de palestras realizadas durante o ano de 1999 em alguns lugares do Brasil.

Tais palestras foram destinadas a grupos de pessoas que estavam realizando um trabalho, ainda em andamento, de pesquisa e prática sobre "Caminhos Iniciáticos" estudando tradições ancestrais diversas.

O ciclo de palestras do qual estes textos fazem parte objetivavam demonstrar que existiu num passado remoto, mais de 10.000 anos a julgar por certas pesquisas¹, uma civilização global, com um avanço ímpar, que desapareceu. 

O chamado "saber esotérico" seria a continuidade dos estudos sobre esta e outras realidades, empreendido por homens e mulheres em linhagens na maioria das vezes desconhecidas do grande público, homens e mulheres que mantiveram, em várias partes do mundo, acesa a chama em busca do autoconhecimento, em busca de respostas para perguntas tão importantes: quem eu sou, para onde vou e de onde venho.

Dentro dos paradigmas desse conhecimento existiria um núcleo da humanidade (chamado por Gurdjieff de círculo interior da humanidade) que nunca perdeu o SABER DAS IDADES, este núcleo esotérico é composto por homens e mulheres, que teriam a continuidade desse saber em suas práticas.

Muito pouco do que se fala sobre "mestres e mestras" hoje tem a ver com o que estamos falando aqui, aliás, a própria H.P. Blavatsky quando viu o que estavam fazendo com sua divulgação dos Mahatmas, dos Mestres e Mestras, declarou que preferiria nunca ter dito nada a ver tal deturpação.

Lembrando que tais homens e mulheres não são seres "desencarnados", mas mestres e mestras vivos, existindo no aqui e agora. 

Haveria uma outra esfera, de homens e mulheres que embora recebam de tempos em tempos acesso a este núcleo, não o têm por completo, ainda estão num processo de maturação, assim o conhecimento não lhes é completo, mas atuam de forma incisiva na tentativa de gerar um efeito na humanidade como um todo.

Enquadram-se também homens e mulheres que por um período de suas vidas tiveram contato com esses núcleos esotéricos, deles recebendo certas missões e depois voltando à esfera cotidiana, sendo que em alguns, como no caso do Sr. Gurdjieff, notamos que durante toda a vida há uma evidente busca de "um novo contato". 

Cremos que as religiões surgem aqui, vindas de fontes esotéricas, mas já algo imprecisas, como a linguagem humana o é, assim, na semente de toda grande religião existiriam grupos de pessoas que procuravam dar algum encaminhamento à massa humana.

Como estudaremos no decorrer deste trabalho não se trata apenas de um "encaminhamento moral" como é moda hoje acreditar, mas vai muito mais além, ritos e práticas mágicas coletivas surgiram para manter a humanidade alinhada com certos propósitos do organismo cósmico do qual fazemos parte. 

Muitos ritos e práticas mágicas, depois imitados e tidos por "ritos de adoração a Deuses e Deusas", surgiram, na realidade, como práticas de sintonização com certas energias, numa notável ação de grupos que observam e entendem a complexidade do organismo cósmico no qual estamos inseridos. 

Chegamos então no plano eXotérico, no qual o saber se manifesta e é interpretado como algo externo, hoje se tornou popular dizer que as pessoas do mundo estão no plano eXotérico, pelo rigor deste conhecimento que vamos aqui debater isto não é de todo real.

O Saber eXotérico é já algum saber, é o saber das filosofias, das ciências, da Arte e da Mística em seu aspecto manifesto. 

É alguém que ao menos começa a saber de si, portanto, como alegar que as pessoas estão no "eXoterismo" quando uma observação sincera e atenta mostra que grande parte da humanidade está alienada de si mesma?

Hora, tal saber não está acessível a todos, grande parte das pessoas do mundo contemporâneo vivem suas vidas roboticamente, bilhões de pessoas acordam, trabalham, se alimentam, jogam, assistem TV, fazem sexo e vão dormir sem nunca refletirem muito sobre o milagre da vida que realizam a cada instante, num mecanicismo total, estas pessoas não estão "vivendo", mas sobrevivendo e vão continuar assim se depender do interesse de certos grupos.

Grupos que tomam a religião e de “religare” a transformam em seu instrumento de dominação ideológica, grupos que tomam a ciência e de um instrumental de conhecimento da realidade e do progresso humano a tornam servil fornecedora de meios de destruição cada vez mais eficazes e instrumentos de controle, como nas estratégias de guerra psicológica. Grupos que fizeram dos guerreiros meros mercenários, a serviço do soldo mais alto.

Não é uma tarefa simples transformar estes temas em textos, porque no falar temos tons de voz, entonação, expressões faciais e corporais que a palavra não permite reproduzir totalmente. 

Neste ponto, talvez os poetas tenham mais sucesso em transmitir exatamente o que querem, a poesia dá uma elasticidade maior às palavras que a prosa, mas quiçá consiga algo de poesia em tais textos que seguem. 

Eles existem porque algumas pessoas tomaram várias notas durante as palestras e depois me enviaram cópias dessas notas, isto me levou a sistematizar tais notas nestes textos que também fazem parte do livro sobre Magia, Xamanismo e Bruxaria que estarei lançando em breve. 

É um convite à reflexão sobre temas diversos que inquietam a humanidade desde seu alvorecer para a consciência. 

Como verão no decorrer do texto insisto que tais reflexões não são respostas, mas um convite a melhorar a qualidade das perguntas feitas à ETERNIDADE. 

O Trabalho.


É por vezes bem arriscado tentar definir certos processos em palavras. As palavras têm limitações implícitas em sua própria constituição. Mas se nos lembrarmos disso, se compreendemos que palavras estão presas na memória e a memória é apenas o inventário de tudo o que vivemos, então, poderemos usar as palavras como ferramentas.


O Trabalho.


Quantas vezes tentamos definir o que é o trabalho sobre si mesmo? E quantas vezes deixamos de alcançar o resultado por não termos claro o que é esse si mesmo sobre o qual acreditamos poder trabalhar. Por razões como esta que todo trabalho efetivo começa com a observação de si mesmo. Sim, lembrar-se de si mesmo no inicio é isso.


Observar-se.


Meditar.


Observar como respira, onde você está.


Observar suas emoções, seus pensamentos.


Observar como eles surgem, o que os motiva.


Como é seu reagir frente às diversas situações que a vida oferece?


Observando-se a cada instante acabará criando um significado mais amplo para esse "si mesmo".  Se você não se observou nunca ou se não o fez por tempo suficiente as colocações que vêm a seguir não terão muito sentido. Este ensaio é destinado àqueles e àquelas que já caminharam um pouco na senda da auto-observação, estando assim cônscios de certas peculiaridades de nosso ser neste mundo. Este exercício é muito difícil de ser realizado pela maioria das pessoas porque elas se observam esperando algum resultado, depois de um tempo consideram que "já se observaram o bastante" e agora o que vai acontecer? "Pronto, já me observei e agora?" Essa é uma reação que ocorre muito neste tipo de exercício. Este tipo de abordagem é inútil nesse exercício. Observar-se sem julgamento e apenas observar-se, contemplar-se como é, sem analisar ou criticar.


Se você decidiu fazer um regime e ainda assim compra um doce na padaria, observe-se, sem traçar planos de regime, sem se reprovar, sem se justificar. Apenas observe-se no ato, no momento, o que sente, observe o que em você lhe leva a comer esse doce. Se alguém fuma, observe-se acendendo o cigarro, o corpo pedindo, como pede, a satisfação da fumaça, o fumar a cada momento, as reações de seu organismo. Cada momento seja ele como for. Quando estiver sem fôlego, arfante, tossindo, sinta isso, sinta seu organismo. Você vai ao banheiro, como se sente durante o que quer que vá lá fazer? Antes, durante e depois, será que percebes que já és outro durante esse processo?


Observar-se é isso (ver o texto "O começo de tudo: a auto-observação").


Um ponto que sempre me pedem é definir os objetivos do Trabalho e quais os métodos que ele usa para nesses objetivos chegar. Isto está bem de acordo com a cultura atual, envolvida em procedimentos, técnicas, etapas para se atingir algo.


Mas as metas do Trabalho não estão no mesmo plano de nossa compreensão ordinária. As reais metas do Trabalho estão além da esfera onde a mente usual opera. No nosso nível ordinário de consciência não há como compreender plenamente o Trabalho, assim toda definição, toda elaboração racional sobre o Trabalho, como esta que aqui está sendo tecida, vai ser sempre, na melhor das hipóteses, uma aproximação, um aludir, um apontar para algo que embora comece na nossa esfera do cotidiano tem como objetivo o adentrar em outras esferas da realidade. 


Quando começamos a tecer um tapete, por exemplo, sabemos qual é o resultado exato que pretendemos, assim temos que trabalhar, usar as combinações certas de cores para atingir o desenho que queremos e a usar o ponto adequado. Mas o Trabalho é como tecer um tapete com fios mágicos, fios que uma vez juntos na trama da tessitura provocarão um resultado novo e surpreendente além de toda nossa expectativa.


O Trabalho tal qual o consideramos aqui começa numa esfera, na esfera limitada e robótica na qual vivemos nossas vidas, mas nos leva a outra esfera, ao estar desperto e presente de fato (ver texto O Quarto Caminho, por P.D. Ouspensky). Embora não possa ser limitado, é possível dentro da amplitude na qual o Trabalho ocorre destacar alguns aspectos seus, para que façam sentido mesmo dentro dos limites ainda cartesianos que a mente linear opera. Mas não perca nunca isso de vista, não se esqueça: 


Falar sobre o Trabalho é apresentar um pálido esboço, chamar a atenção para alguns aspectos de um todo multifacetado e muito mais abrangente que a tosca descrição possível dentro da linguagem vulgar que usamos. O Trabalho é mais do que o açambarcado pelo falar. Aqui vale o velho aforismo:


"Se queres ver a estrela não te fixes no dedo que a aponta".


A história humana tal qual a estudamos na escola é uma tolice sem par. Alguns homens, sempre homens, indo e vindo, matando, pilhando, roubando, impondo seus caprichos sobre outros. Servos que destroem seus opressores e instalam um tipo de opressão ainda pior. Escravos que se tornam peões, que se tornam assalariados e continuam a servir. A implantação do modelo nascido e desenvolvido no mediterrâneo sobre todos os outros povos. Vimos isso como guerras de conquista, depois como "colonização" e agora o mesmo imperialismo é chamado globalização.


Mas não deixa um minuto de ser o que sempre foi.


Grupos em busca do poder, grupos que se aliam e brigam e voltam a se aliar. Grupos que dominam o poder das armas e grupos que dominam o poder religioso. Assim, matando, subjugando e convertendo os povos, vêm esses grupos se espalhando há séculos por todo o mundo e agora dominam-no completamente.


Pense que neste instante estão trabalhando em artefatos nucleares, outros tantos já prontos aguardam em silos e usinas de segurança duvidosa. Existem mentes brilhantes agora manipulando bactérias e vírus, tentando criar doenças que possam ser lançadas sobre populações específicas, doenças como armas. Contaminar o mundo e criar uma imunidade só nos grupos escolhidos.


Você é tão robotizado que nem sequer pensa nisso?


Que toda, TODA, a vida neste planeta está ameaçada completamente enquanto esses engenhos existirem?


Neste instante alguma mente brilhante foi desviada de seu curso e serve a indústria da guerra: mentes humanas pensando o meio mais letal e eficiente de matar outros seres humanos. Guerra química, guerra biológica, domínio psicológico das massas. 


Destruição.


Indústrias continuam rasgando a terra, poluindo ar e mar, esquecidos que nossos recursos naturais são finitos e a Terra é como um aquário no meio do grande espaço interestelar. Sim um aquário, a mesma limitação de um aquário. 


Pense nisso e pense com atenção, faz partes das coisas que te ensinaram a não pensar.


As árvores são organismos geradores de energia.


Cada ser árvore tem sua própria linha evolutiva e quando adultas geram um campo de energia que fortalece a vida como um todo. Árvores adultas geram energia e poderiam nos proteger de certos entes parasitas que têm muito poder sobre a humanidade há alguns milênios.


Nós somos partes da Vida.


Não tecemos a teia da vida, somos apenas um de seus fios na vasta trama. E somos afetados por tudo que fazemos à Terra.  Tudo que fazemos à Terra fazemos a nós mesmos. Mas somos escravos, embotados e tornados robôs apenas para servir. Nosso orgulho e arrogância nos mantém distantes de qualquer possibilidade de percebermos nossas limitações. Nosso medo nos mantém distante da autoconsciência. 


Não nascemos assim.


Os mecanismos sociais como a família, a escola e a religião cuidaram para que nos tornássemos assim. É nisto que hoje essas antigas instituições, que um dia já foram caminhos para a conquista da autonomia moral e intelectual, foram transformadas. Em vetores do estado sonambúlico no qual somos mantidos usando o mínimo de nossas habilidades. As criaturas mágicas que somos, os viajantes da eternidade transformados em produtores e consumidores de futilidades. A observação atenta de nós mesmos nos permite reconhecer algumas das facetas dessa condição de escravizados e assim daremos o primeiro passo para nossa liberdade.


O reconhecimento de nosso estado real. Pois a melhor forma de manter alguém prisioneiro é mantê-lo ignorante desse estado. Vale aqui um antigo conto oriental narrado por Gurdjieff.


Um homem, possuidor de muitos poderes, tinha um grande rebanho. Este rebanho era a fonte de sustento, status e poder desse homem, pois em sua sociedade pastoril o tamanho do rebanho era o sinal do poder de seu possuidor. Mas tal rebanho era também a fonte de preocupações do mesmo homem, pois os carneiros fugiam, tinha que pagar muitos empregados e muitas vezes era roubado. Certo dia teve a ideia da solução. Reuniu todas as ovelhas numa garganta. Colocou-se num lugar do qual todas podiam vê-lo e ouvi-lo. Usando seus poderes hipnóticos convenceu a todos que ele era o Deus supremo, o senhor, o bom pastor que as conduzia por pastos verdes e fartos, sombras tranquilas e água fresca. Sempre seria assim. Elas eram ovelhas e mesmo quando parecia que ele as tosquiava impiedosamente e que, ao final, quando vinha degolá-las aquilo nada mais era que a passagem ao paraíso, perderiam o pesado e pecaminoso corpo e entrariam em espírito num estado de glória, onde a grama era eternamente verde e boa, a água sempre fresca, e nenhum lobo ou leão da montanha poderia neste céu entrar. Disse-lhes que eram imortais e que não precisavam se preocupar com nada, só em comer e beber para a plenitude do pastor. Mas para isso elas deveriam estar sempre onde ele mandasse e jamais ir com outros, esses sim o mal e a perdição. Após sua prédica ele observou por alguns dias o rebanho. Ficou satisfeitíssimo com o resultado. Despediu todos os pastores, só deixando um de guarda para o caso de ladrões. Nunca mais precisou arrumar nem mesmo a cerca.


O conto dispensa comentários. Fala por si só.


Assim como as ovelhas, precisamos sair desse estado hipnótico que nos puseram para podermos ser donos de nossas próprias vidas. E só podemos começar observando-nos, atentamente. Com calma, sem predisposições, só observar-se. Para perceber que o que chamamos de "eu" é um agregado. Um conjunto de jeitos de emocionar-se e pensar que reunimos dentro de um mesmo saco e chamamos esse saco de "Eu".


Uma analogia.


Você pega peças e as reúne. Cria um carburador, caixa de marcha, tanque, motor, sistema elétrico e tudo o mais. Quando coloca a bateria e enche o tanque você pode usar esse todo para levá-lo de um lado para outro. Chama o todo de carro. É algo concreto, ali, um carro, de um certo modelo, de um certo estilo. Com o tempo você pode trocar pneus, peças, como as células estão se renovando em seu corpo. Como troca de ideias, de emoções. Mas ao final o carro acaba, bate, enferruja, e vai embora, desmontado. Sobrou algo do carro? Suas peças podem ir para outros carros, seu material pode ser fundido e reaproveitado, mas aquele carro, aquele que você, às vezes, até deu um nome para ele, com o qual viveu tantas histórias, cadê ele? Pode haver um motorista no carro, mas digamos que a maioria dos carros sejam carros de frota, cada dia um pega para dirigir. O carburador precisa de limpeza, mas o motorista da tarde não sabe que o da manhã detectou essa necessidade. E muitos motoristas dirigem esse carro. Podemos criar condições para que um dono verdadeiro surja nesse carro, mas antes temos que saber que isso é possível.


Saber que podemos ter um Eu real faz parte das coisas que nos negam fazendo acreditar que já as temos.


E o mais importante, esse Eu real, essa individualidade nada tem a ver com a abordagem segmentada, egoica e dissociada que temos hoje do termo "eu". Como o consumidor mediano se crê num mundo livre por poder escolher a marca do seu aspirador de pó e do seu remédio para a cardiopatia que o ataca. Note que aqui estamos muito distantes do espiritualismo do senso comum que acredita que há uma alma em torno da qual o ser se forma.


Estamos usando o exemplo do carro não apenas para compará-lo com o corpo, mas com os campos emocionais e mentais, com os vários componentes, os vários jeitos de ser e pensar que amarramos no mesmo fardo e chamamos "eu". Esta consciência não pode ser apenas intelectual. Não adianta você ler isso. Você precisa meditar, por muito tempo e atentamente para perceber isso.


Todas as escolas trabalham com exercícios para que essa percepção seja possível. Portanto, seguir lendo este Trabalho e o compreender indica que você já trabalhou o suficiente para compreender que o que chamamos "eu" é um agregado. Algumas escolas falam de muitos "egos", outras de muitas "personalidades" (ver o texto "A medusa interior, os eus e a auto-observação").


Personas, máscaras que usamos para nos comunicar com o mundo. Quem é esse nós que se comunica? Quem usa as máscaras? Há uma unidade, algo, alguém? Ou são só fluxos, que focados sob a lente do presente parecem ser algo, parecem ter unidade e existência própria, mas são apenas momentos num fluir constante?


Não passe apenas por essas questões, pense nelas, visualize, pare, respire e leia de novo esta página. Várias Escolas tocam nesse ponto. Percebemos o mundo à nossa volta. E quando níveis mais amplos de consciência são atingidos, algo permanece existindo. A psicologia ocidental em quase sua totalidade só se interessa pelos estados outros de consciência que não o usual quando estes são patológicos, isto é, não integrados no indivíduo. Esquizofrenia, psicoses, neuroses, este é o campo que tais escolas lidam.


Escolas como a junguiana e a transpessoal são exceções importantes, que embora de forma tímida, dão os primeiros passos no estudo dos níveis alterados de consciência nos quais ela não se fragmenta ou descompensa, mas se amplia. De uma forma primária ainda chamam tais estados de transe, muitas vezes considerando-os ocorrência fugidias, como acessos que vêm e vão.


Mas outras escolas de psicologia mais sofisticadas como a budhista compreendem que existem outros estados de consciência e podemos não apenas incidir neles mas ampliar a tal ponto nossa percepção que um novo mundo se descortina aos nossos olhos, ampliado por podermos perceber mais. Um desses estados é conhecido como o estado de Arhat. Após um trabalho disciplinado o ser passa a interagir de forma mais consciente com o meio e assim ao invés de estados ilusórios passa a perceber o mundo como ele de fato é, com seus fluxos e mutações. Costuma-se dizer que o Arhat vê a essência das coisas e não apenas a superfície.


Todo Trabalho é realizado em etapas.


Em relação a energia por exemplo, como veremos mais adiante, é importante em primeiro lugar poupar energia, pois precisamos de energia para começar o Trabalho sobre nós mesmos. Em segundo lugar, é o momento de recanalizar a energia, reconhecer que os focos nos quais a energia foi anteriormente aplicada eram determinados pelo sistema que nos criou, o qual tem seus próprios fins, bem distantes da autoconsciência e do equilíbrio.


Finalmente, em terceiro lugar, aprendemos a potencializar e ampliar nossa energia, liberando-a dos pontos onde estava bloqueada e aprendendo a ampliar ainda mais a energia que possuímos.


Veja que tal sequência não é arbitrária, mas estratégica.


Se você potencializa a energia enquanto ainda a tem focada em um nível equivocado como a ira por exemplo, vai passar a ter explosões de ira muito mais fortes, sendo ainda mais vítima do desequilíbrio.


Em Escolas estruturais vamos notar que há essa divisão. 


Essência e personalidade.


Essência a parte interna, personalidade aquilo que desenvolvemos sob influência do mundo. A essência é a parte que pode crescer, desenvolver-se e ir além. A personalidade também cresce, desenvolve-se mas não vai além. Ela é o agregado. Ela se dissolve quando o corpo se dissolve. Simultaneamente ou durando um pouco mais, mas acaba por se dissolver. Ao final da vida o corpo entra em profunda entropia e se dissolve. Isso é um fato, observável diariamente.


Mais uma vez são ideias que exigem meditação e não quero que as aceite como verdades, vamos só considerá-las como hipóteses de trabalho.


Pensemos juntos sobre uma vida. Desde o início biológico da vida (desculpe a redundância). Um óvulo e um espermatozoide se encontram. Após um período os núcleos de fundem. Cada uma daquelas células traz um material que passou por infinitas combinações até chegar ali.  Um homem, uma mulher, filhos de um homem e uma mulher, cada um deles filho de mais um casal que por sua vez... E assim vai para cada uma dessas células germinativas. Aquele material nuclear vai agora criar um novo ser.


Vindo das antigas eras aquele material veio se misturando e misturando e agora ali está. A célula-ovo vai se dividir, dividir, suas células vão se especializar, e da mesma célula-ovo teremos desde um ultra especializado neurônio até uma célula da pele, com grande poder de regeneração. Após um período de vida intrauterina nasce o ser.


Ele vai crescer e desenvolver sua habilidade de compreender o meio e de se fazer compreendido por ele. Todas as complexas fases de desenvolvimento da inteligência. Hoje sabemos que existem fases nesse desenvolvimento, onde pouco a pouco o ser vai se descentrando e aprendendo a relacionar-se com o meio. A criança limita o mundo a suas próprias relações, como um crente primitivo limita a divindade a um pai que o protege, abençoa ou castiga. A cada fase vai ampliando suas habilidades, abandonando um pensar pré-operatório e aprendendo a lidar com ideias mais complexas.


Raramente aprendemos a pensar, embora teoricamente a educação devesse nos conduzir à autonomia moral e intelectual. Nós saímos da escola dependentes da opinião de outros e raramente com nossas habilidades dedutivas, indutivas e analógicas desenvolvidas.


Vou dar um exemplo.


Uma criança na fase de alfabetização escreve /muinto/ em uma composição de texto. Via de regra o professor lê, risca em vermelho, diz que está errado e mostra que o ‘certo’ é /muito/. Assim a criança registra: "A autoridade diz que este é o certo, devo obedecer". Não há aprendizado, há apenas reforço da heteronomia.


Outra situação:


Ao invés de "corrigi-la’’ o professor deixa a criança com seu raciocínio, que não é "errado" pois ela escreveu conforme ouviu, houve um ato inteligente ali. Mas o professor pode então expor à criança a textos onde ela depare-se com /muito/ escrito na grafia vigente. Surgirá o questionamento. Nessa situação ideal, felizmente já presente em algumas poucas escolas, o professor poderá dizer:


- "Você escreveu do jeito que ouviu. Tudo bem. Mas a escrita social, aquela que as pessoas adotam e que você precisa usar para se fazer entender, nesta escrita é assim, /muito/."


Outro universo de resultados. A criança aprendeu que existe uma escrita social, que não é a CERTA mas a aceita convencionalmente por todos. Ela não reforçou sua heteronomia aceitando apenas a autoridade do professor, mas foi levada a perceber a necessidade de uma escrita convencionada para o contato em sociedade. Vai aprender sobre convenção.


A malha neural, as sinapses que se ativam nesse caso são muito mais amplas que as simples conexões "certo" e "errado" determinadas pela autoridade do professor. A maioria de nós não foi educada como no segundo caso. Portanto, tivemos reforçada a heteronomia e a crença em certos e errados absolutos. Não nos ensinaram a pensar, mas sobre o que pensar e como pensar. Nossa educação ainda foi impregnada dos mesmos valores que geraram a Inquisição e os regimes totalitários.


Portanto, antes de falarmos de transcendente temos que compreender que não atingimos nem mesmo o ápice do imanente. Temos que ter um desenvolvimento verdadeiro dessas nossas habilidades pensantes se queremos entrar em outros campos, em outros mundos e elaborá-los num todo coerente e equilibrado. Temos que nos descondicionar, ir além dos limites onde nos colocaram.


Os Xamãs consideram que não somos pensadores de fato, vivemos na periferia do pensar, ruminando alguns conceitos prontos que nos impuseram. Se queremos realmente ir a algum lugar temos que ir ao centro do pensar primeiro, compreender de fato o que é essa faculdade e o poderoso escudo que ela é para podermos enfrentar o desconhecido que nos envolve sem sucumbir a ele. Perceptualmente podemos dizer que estamos dentro deste (pequeno) círculo (do pensar).



Tudo o que percebemos está aí. Tudo com o que lidamos. Podemos chamá-lo de bolha de percepção. Existem muitos elementos dentro desta bolha. Mas nós só fomos estimulados a perceber alguns desses elementos. Chamamos a totalidade de nossa capacidade de perceber a realidade. Potencialmente, poderíamos perceber muito mais, mas estamos limitados. Vindas de fora influências das mais diversas sensibilizam o ente perceptivo no centro da esfera.


Mas a percepção acaba decodificando sempre de acordo com os itens que dispõe.


Assim um ser de outro mundo que, passa por nós em um campo, pode ser decodificado apenas como um vento estranho, uma presença que por alguma razão se faz perceptível de repente, é um vulto. Um ente das montanhas pode ser visto como um monstro, algo que nos assusta.  Um ente da terra, que muitos chamam de gnomo, vai ser visto em roupas de lenhador da Idade média, porque a percepção está presa em formas e padrões.


Decodificamos com base naquilo que temos já registrado. Apreender o mundo como xamã é apreender um novo conjunto de referenciais, os quais também estão dentro desta mesma bolha, mas nunca foram estimulados, nunca foram valorizados, por fazerem parte de outra descrição do mundo. Mas ainda aqui há um limite. Não estamos percebendo diretamente, estamos ainda decodificando. Assim podemos ver o ser de outro mundo com formas, mas ainda assim não é ele em si, é o resultado de uma interpretação.


Por esta razão os Xamãs perceberam que perceber a energia diretamente no seu estado natural, como ela flui no universo era a manobra a ser realizada para sairmos do terreno pantanoso da aparência e notar o que de fato estava em contato conosco.


Dizendo de outra forma: ao invés de usar uma forma para decodificar o que estamos percebendo, quer fosse a forma cotidiana, quer fosse a forma dos magistas, deveríamos ver diretamente a energia em sua condição original. Ir além das descrições de mundo que nos deram e perceber a energia diretamente.


Este é o longo e árduo treinamento que acredito ser o necessário para um trabalho real. Treinar ver a energia diretamente, como ela flui pelo universo. 


Meditar é o começo de tudo. 


Observar, sem interferir, observar. Tudo à sua volta. A si mesmo.


Com a prática constante você vai aprender a desgrudar a personalidade da essência.


Somos uma essência perceptiva.


Percebemos.


Entretanto percebemos algo que decodificamos.


Interagimos com algo que nos faz conscientes.


Assim há algo sendo percebido, mas o que nos aparece, a nossa consciência, não é o que é percebido, pois já foi adaptado ao nosso condicionamento social. A tradição que estou estudando em vários de seus caminhos, propõe uma linha de procedimentos para voltarmos a perceber a energia diretamente.


Em primeiro lugar abandonar a falsa dualidade corpo-mente. Há uma dualidade mas essa dualidade se expressa entre o corpo físico e o que poderíamos chamar de corpo de energia. Mente, emoções, tudo isto está dentro do campo do corpo físico. O corpo é uma vasta teia de sistemas inter-relacionados. Para os xamãs, em nossas células de todo o corpo, e não apenas no cérebro, estão todas as lembranças que temos, as emoções que sentimos.


A outra parte da dualidade seria o corpo de energia, nosso ser luminoso, que tem existência mas não massa. Podemos dizer que o corpo físico é nosso corpo orgânico e o corpo de energia é nosso corpo inorgânico. Assim como o corpo físico nasce e precisa ser alimentado e cuidado para crescer, treinado para desenvolver plenamente suas habilidades, também o corpo energético precisa dos mesmos cuidados. A diferença é que o corpo energético plenamente desenvolvido pode continuar mesmo depois da dissolução do corpo físico.


Este ponto fundamental mostra a importância que os xamãs deram a este tema. Por observação direta eles viram que a vida e a consciência estavam emaranhadas, entretanto num certo momento forças tremendas tomavam de volta algo que haviam nos dado no começo de tudo:


A consciência.


A consciência é dada a cada ser, do vírus ao ser humano, no momento da fecundação (no caso deste último) para ser enriquecida pelo ato de estar vivo. Depois, num certo momento, ela era tomada de volta. A descoberta revolucionária dos xamãs foi perceber que a energia vital não era tomada junto. Apenas estava tão enredada na consciência que acabava se desfazendo quando a consciência voltava para sua fonte.


Foi então que os xamãs descobriram algo realmente determinante. O ente perceptivo existe durante a vida por identificar-se e projetar-se na consciência. Mas pode, paulatinamente, desenvolver a consciência de si mesmo. Como diria G., todo choque é um dó em si mesmo, e todo dó contém em si uma oitava.


Assim o ente perceptivo, que reage à consciência enriquecendo-a através das experiências vividas, pode ao final ser consciente de si, abrir mão da consciência recebida da Fonte e ainda assim manter sua força vital e sua individualidade o suficiente para aceitar uma outra conscientização, vinda da mesma Fonte.


Deixaria de ser um ser orgânico, se tornaria um ser inorgânico.


Para os xamãs este seria o próximo passo evolutivo possível ao ser humano. 


Uma mutação de faixas de consciência.


A consciência humana, mesmo em seus aspectos mais poderosos e amplos, desconhecidos totalmente pelas pessoas hoje, seria abandonada e outra possibilidade de consciência seria atingida, um outro nível de realização.


Dois caminhos surgiram a partir desta percepção.


Em outro caminho o ser transmigra com sua essência perceptiva para o corpo de energia e continua existindo após a morte do corpo físico.


Mas tal manobra se revela limitada com o passar das eras.


Mas há outro caminho, muito mais ousado.


Entrar num estado de consciência plena e incendiar-se de dentro para fora.  Um caminho trilhado pelos que entenderam essa possibilidade e, assim, ao final da vida, abandonam totalmente a consciência tanto do mundo cotidiano, como de tudo aquilo que podemos chamar de transcendente, espiritual ou qualquer nome que se dê aos mundos que nos circundam, mas podem ser acessados em outros estados que temos como potenciais dentro de nós mesmos.


Devolver a consciência para a Fonte, mas juntar a fisicalidade do corpo orgânico ao corpo inorgânico.


Transferir a energia vital para o corpo de energia enquanto ela ainda está plena, íntegra.


E tomar emprestado outro tipo de consciência, assim como ganhamos essa ao nascermos.


Note que no primeiro caso a energia vital continua se dissipando junto com a morte do corpo, no segundo não.


Essa manobra permite que algo aconteça. Surge então um novo ser. Um ser que poderá continuar por bilhares de anos a viagem que é nossa vida. Como tal estado é impossível de ser descrito vamos apenas citá-lo como meta e vamos nos envolver nos meios para atingi-lo.


Para podermos vislumbrar o Infinito que nos envolve temos que ter equilíbrio. Se a bolha dentro da qual existimos se rompe de uma vez podemos nos diluir antes de termos criado um eixo real e assim ficaremos vagando por sensações indefinidas. Há um velho símbolo para o trabalho sobre nós mesmos.


Dividir a bolha.


                                

Em uma metade rearranjamos tudo o que somos enquanto entes presentes nesse mundo. Em uma metade reorganizamos nossa vida e nossa forma de lidar com o mundo, dentro de parâmetros estratégicos, focados e fortalecedores.


Mas substituímos alguns itens.


Como, por exemplo, podemos deixar de reagir a nossa importância pessoal e a nossa arrogância e ficarmos mais sensíveis ao fato de que somos mortais e efêmeros. E o outro lado da bolha fica vazio. Sem preconceitos, nada. Vazio e silencioso para a partir dele podermos vislumbrar o Infinito. Assim veremos o outro mundo como outro mundo, não apenas uma projeção do que aqui vivemos.


Não reduziremos o Infinito aos nossos limites. Você já deve ter visto aquelas gravuras de realidade virtual. As mais populares são as feitas pela "N. E. Thing Enterprises". Na maioria delas, você vê um quadro com muitas cores e formas desconexas, mas quando você envesga os olhos do jeito certo, a mágica acontece e um desenho tridimensional salta, literalmente, aos olhos.


O truque é conseguir envesgar os olhos, isto é, conseguir que cada olho veja de certa forma, separadamente, assim o efeito acontece. Para uma pessoa que não consegue ver dessa forma pode ser difícil acreditar que exista o que os outros estão falando naquela página, para ela um amontoado de cores em padrões simétricos. Alguém muito desconfiado poderia afirmar que nada do que estão dizendo existe, que é tudo uma farsa, uma armação dos que dizem estar vendo algo. Parece bobo esse raciocínio, no entanto fazemos isso vezes sem conta em nossa vida. 


Por não conseguirmos perceber o que os(as) Xamãs percebem apenas negamos. Por não termos condições de ver as outras realidades que existem simultâneas com a nossa, devido ao fato de não termos sido treinados na maneira adequada de olhar, de perceber, passamos a dizer que qualquer outra experiência que extrapola nosso limitado senso comum é falsa. Confusos e arrogantes trocamos os termos e onde deveríamos dizer:


"Não compreendo", 


dizemos: 


"Não acredito".


Outros esperam que os que vêem lhes digam o que há na gravura. Aí podem dizer que estão vendo, quando na realidade não estão. Há os que vão na última página e decoram o que deve estar em cada gravura. E há sempre os que após não conseguirem desistem e dizem que aquilo é coisa para quem não tem o que fazer.


É interessante observar as diversas reações das pessoas frente a este fato. Durante muito tempo levei livros desses para festas, na época em que ainda eram novidade e fiquei observando as reações. E notei que frente ao Trabalho as pessoas se portam de forma similar. Bem poucas têm disciplina para insistir, insistir e procurar novas formas, confessar que não conseguem, insistir de novo. Humildade para aprender. Muitos desistem, outros tentam enganar, apenas para não admitir que não entendem nada.


E se formos sinceros a primeira sensação de quem realmente se observa é a percepção de que ignora, de que desconhece, pois robôs em seu estado natural nada sabem, apenas processam dados por outros impostos. A arrogância é uma das melhores trancas que colocaram nas modernas correntes com as quais nos limitam. E a vaidade o resistente cadeado. Existem alguns temas que aceitamos sem a devida análise.


Um deles é a ideia de que os seres humanos são especiais, a parte de toda a criação, o ápice e a razão de ser do cosmos. Tal ideia nos coloca em condições bastante desfavoráveis. Sim, pois tais delírios megalomaníacos nos impedem de perceber nossa real condição e deixamos de lutar e trabalhar por coisas que poderíamos ter, como uma alma e imortalidade, por julgarmos já as possuir.


Este é o ponto no qual fica mais clara a diferença entre as Escolas ligadas ao Trabalho e aquelas que embora busquem algo maior ainda estão presas ao paradigma da época. Faz parte do paradigma desta época dotar o ser humano de uma alma imortal. Assim todos os ditos "ocultismos" e "esoterismos" da moda partem deste princípio.


E consideram que as grandes revelações esotéricas estão no falar sobre outros mundos, ou contar sobre cosmogênese, antropogênese, citando antigos textos mas sem entender a chave que transformaria a letra morta em informação viva. Ao lado da ideia de um deus antropomórfico, a imagem e semelhança do homem criado, são as ideias que mais distanciam do Trabalho.


Estes textos foram feitos para aqueles que já passaram por estas fases e de fato compreenderam que não temos uma alma imortal, mas podemos criá-la. Aliás, é este o principal Trabalho de cada escola ligada à Tradição. Fornecer os meios para que cada ser gere em si a alma para buscar a imortalidade. Para evitar quaisquer confusões religiosas preferimos adotar a designação: "Corpo de energia", principalmente pelo fato de ser exato esse termo.


É um corpo, mas de energia.


Tenho estudado com atenção e praticado algumas tradições. Taoísmo, Budhismo, a linhagem apresentada por Gurdjieff e o Xamanismo Tolteca. Em todas essas linhagens encontro as mesmas ideias. Atualmente tive acesso a taoístas que me mostraram ser o Taoismo profundo também possuidor dessas mesmas idéias. E em escolas como Teosofia e rosacrucianismo pude encontrar aspectos das mesmas ideias, mas transformadas pelo contato com as influências mecânicas do cotidiano, entretanto as ideias bases estão lá.


Eu vou usar no decorrer deste trabalho a terminologia de duas escolas. A escola Gurdjeffiana e a Escola Tolteca.


Sou, entretanto, consciente que tais escolas, especialmente a Gurdjieffiana já foi muito deturpada e mecanizada, pois era um trabalho para um tempo-espaço específico. Mas certas idéias que ela traz são válidas ainda hoje (e ainda hoje podem se encontrar grupos sérios ligados ao Trabalho de G.).


Assim ficará mais claro esse trabalho aos que já estudam tais caminhos, embora os termos usados possam ser compreendidos por outros estudiosos também. Este não é um trabalho de introdução, volto a repetir. É dedicado àqueles que tenham estudado e, o mais importante, praticado tais caminhos por algum tempo. Nada substitui a experiência. O viver. É uma exposição sobre as impressões que tive ao trilhar tais caminhos. Não é também achismo, é um relato de viagem, daquilo que na minha jornada percebi. Uma jornada na qual ainda me encontro, a cada inspirar e expirar e no espaço entre.


O começo de todo o Trabalho é através da auto-observação. A partir da observação de si mesmo, aquele que estuda começa a perceber que o mundo tal qual o vemos é fruto de uma descrição da realidade, com a qual concordamos, sem nunca perceber profundamente as implicações profundas dessa concordância. É um passo fundamental compreender que o mundo tal qual o conhecemos não é a realidade final, mas uma descrição que nos foi dada e com a qual concordamos. Vivemos a cumprir compromissos com os quais nada temos a ver, resgatamos acordos feitos por outros.


Segundo os Xamãs nosso centro energético responsável pela nossa capacidade de tomar decisões (o chamado ponto V da Tensegridade) foi enfraquecido e assim, como não temos energia para tomar decisões criamos os organismos sociais, as instituições, que decidem tudo por nós. Aquele que se liga ao Trabalho vai em primeiro lugar recuperar sua capacidade de fazer.


Este é outro ponto polêmico.


O fato de que no estado natural não somos capazes de fazer, que tudo acontece em nossas vidas, é rejeitado com tal veemência que em tal rejeição mostra, a meu ver, a verdade neste argumento. Mais uma vez só a observação apurada de si poderá demonstrar que durante nossa vida as coisas acontecem, raramente agimos, raramente fazemos.


Reagir não é agir.


Estar presente no aqui e agora é a condição básica para agir. E quanto do dia estamos realmente presentes? Faça o teste. Observe-se. Você está aqui e agora, lendo este texto. Qual sua postura, onde está sua mente, o que sente? A ilusão da mente é apontada em muitas escolas como o Zen, onde há um célebre diálogo no qual o aprendiz vai ao mestre e diz:


"Mestre me ajude a acalmar minha mente".

O mestre responde: "Ache sua mente e a traga aqui para mim que a apaziguarei".

"Mestre, não acho minha mente." 

O mestre sorri: "Viu, já a apaziguei".


Como está sua respiração? 

Não tente controlá-la só senti-la.

Que sons chegam aos seus ouvidos?

Quais suas percepções táteis, olfativas, gustativas?


O ramo zen do budismo tem exercícios interessantes onde em atos simples, como cuidar de um jardim ou limpar uma casa, cada mínimo momento, cada gesto, é um exercício da presença. É este o exercício, sair do pântano das divagações e voltar a focar-se aqui e agora, onde de fato estamos.


Se você começar a praticar tais exercícios de estar aqui e agora, perceberá que consegue manter por alguns instantes sua atenção no momento e em si, mas depois de alguns instantes você divaga e se dilui.


Não há um momento mais importante do que outro. Cada instante é pleno de significação. Fomos alimentados de um vício, o que buscamos está sempre no futuro, um dia vai chegar e perdemos nessa ilusão a única realidade: O tempo presente. O aqui e agora!


Como já disse parto do princípio que você seja já um(a) praticante desses exercícios, assim notado terá que por vezes durante um dia todo temos minutos de presença e a maior parte do tempo passamos diluídos. E aqui temos um critério válido para avaliar nosso progresso no Trabalho. Quanto mais tempo estamos aqui e agora, presentes, mais estamos de fato sendo e não apenas existindo.


E o trabalho é o trabalho sobre o Ser.


O Ser é dinâmico.


Uma das coisas que nos impede de descobrirmos nosso ser verdadeiro é nossa história pessoal. Um conjunto de lembranças que possuímos somadas a imagem que o meio nos levou a construir de nós mesmos. Existe um filme no qual um agente de uma organização sabe muito sobre a mesma, mas quer se afastar. Assim fazem uma lavagem cerebral nele, levam-no a esquecer todo seu passado, "implantam" uma nova história para sua vida e o mandam para outro lugar onde ele vive feliz e mais ou menos tranqüilo com as "memórias" nele implantadas. Vale pensar sobre isso. Me parece uma analogia terrível para nossas vidas.


O caminho dos xamãs Toltecas apresenta uma forma de lidar com o Trabalho que considero genial. Há três tarefas básicas aqui para poder lidar com a história pessoal e diminuir seu poder sobre nós.


A primeira delas é ter a morte como conselheira. Enquanto nos considerarmos seres imortais não saberemos transformar nosso tempo aqui em poder. Um ser imortal tem todo o tempo do mundo. Não precisa se esforçar, não precisa trabalhar arduamente. Fará em outra vida aquilo que não fizer agora. Assim só a ideia de que a morte é nossa companheira de estrada e que a qualquer instante pode nos tocar e acabar com tudo dá aos nossos atos o poder que faz de nosso viver um tempo mágico. Esse conceito vai totalmente contra os modernos conceitos "new age" que afirmam ser a morte apenas uma passagem, um trocar de roupas, como um mergulho num lago frio e depois tudo continua.  Isso pode levar a uma vulgarização do instante. Cada instante é único e conta muito.


O segundo procedimento é perder a importância pessoal e aqui temos um dos maiores desafios para nós contemporâneos, estimulados a ser arrogantes e prepotentes como forma de se defender e se colocar no jogo social. É um grande momento quando se percebe que a importância pessoal é a autopiedade disfarçada. Sim, só a pena de si mesmo levaria o ser humano a criar a imagem de importância que tem sobre si, para se defender do nada que sabe ser frente ao Todo.


Assumir a responsabilidade pelos atos é o terceiro ponto. Quando assumimos que estamos sós neste vasto mundo e que podemos morrer a qualquer instante, não há tempo para hesitações. Nos tornamos donos de nossas decisões e esse é o poder que de fato temos. Quando tomamos uma decisão ela tem que ser final. Cada momento é resolvido em si mesmo.  Isto leva a um desdobramento interessante. 


Fomos criados para agir em busca de alguma recompensa. Isto gera dependência de recompensas. Quando percebemos que podemos acabar a qualquer instante, um novo estado de ser pode surgir. 


Agir por agir, atuar sem esperar recompensas além do próprio prazer de agir é uma nova forma de encarar as situações que gera uma nova energia a quem assim procede. Todas essas linhas de ação não são princípios, regras ou comportamentos ditados por razões morais.


São comportamentos estratégicos que permitem a percepção se libertar das amarras do senso comum da época, economizar e recanalizar a energia que antes estava sendo utilizada para manter o estado de consciência padrão da civilização dominante.


Lembrar-se de si mesmo e não identificar-se, dizem os adeptos do 4º Caminho. Estar no mundo mas não ser dele, dizem os Sufis. Só na prática é possível entender tais conceitos, só na prática cotidiana, constante e árdua eles se mostram em todo seu valor, abrindo novas reservas de energia aos que assim procedem. E é tal energia que vai permitir ao Trabalho ter sequência. Pois este é outro ponto fundamental.


Somos a energia que temos, e só podemos realizar se temos energia para isto.


E como a energia está inicialmente diluída em nossos condicionamentos e limitações só trabalhando os nossos estilos de agir, sentir e pensar libertando-os de seus desequilíbrios poderemos ter energia para ativar outros níveis de percepção que nos permitam ter acesso ao Trabalho.


E só começando pela auto-observação podemos detectar tais drenos de energia.


Existe uma frase colocada por G. que choca os incautos e tenho certeza será um segundo filtro neste nosso tratado, afastando definitivamente dele aqueles de ‘estômago’ mais fraco: "O verdadeiro trabalho é contra Deus".


Como já disse, anteriormente, que este estudo é para aqueles(as) que já estão avançados em seus estudos, então, vamos nos aprofundar nessa colocação. A Natureza trouxe o ser humano até este ponto e aqui o mantém pois é nesse estado que o ser humano serve aos propósitos naturais. O ser humano, tal qual toda a vida orgânica, tem um papel a desempenhar no esquema da natureza e assim sendo nosso organismo foi desenvolvido até o ponto em que possa tal mister realizar.


Deus²


Este termo tem um peso enorme em nossa cultura. Em nome de deus todo ditador diz estar agindo e pede sua benção e proteção antes de se lançar ao extermínio de milhões. Em nome de deus personalidades admiráveis de nossa história realizaram obras de grande alcance no minimizar os problemas humanos. Assim o termo deus é usado indistintamente para justificar desde os atos mais sublimes até as mais profundas atrocidades. Num estudo sério, olhando para nossa história conhecida de forma consciente perceberemos que mais atrocidades foram cometidas em nome de deus que em nome do diabo.


Para as escolas que estamos estudando a crença em um deus antropomórfico, criado à imagem e semelhança do homem, um pai, um pastor é uma questão muito séria. Sim, pois muitos colocam sua energia pessoal e única neste conceito vazio. Quando você é criança tem sempre um adulto por perto, sempre alguém que vai lhe socorrer em caso de necessidade, ou mesmo que seu choro ou grito seja apenas manha. Assim criamos a ideia que sempre alguém vem nos salvar.


Quando crescemos, descobrimos que nem sempre há alguém ao nosso lado para nos salvar, para nos socorrer. E então surge uma carência enorme, um vazio que na maioria das vezes é suprido com o "papai do céu", com o "mestre", com o "partido", enfim, sempre arrumamos alguma coisa para colocar nesse papel de nosso salvador.


É muito difícil que alguém naturalmente assuma sua condição de ser solitário sem buscar tais muletas. Diariamente as pessoas são confrontadas com as falácias de suas crenças, momentos nos quais fica evidente que estão sós e que não há este ente protetor. Ônibus de crentes voltando de seus cultos, cantando "ungidos" com o espírito de deus e que desabam numa ribanceira ou batem matando a maioria dos que ali estão. Assim, incapazes de lidar com tais evidências criou-se a ideia de que deus testa seus fiéis. Os faz sofrer miseravelmente, mas depois recompensa os que servilmente tudo aceitaram, com um céu de eterna beatitude. Note que a crença num paraíso posterior, numa recompensa em outro mundo é um dos aspectos chaves da maioria dos cultos a deus. Frente as incongruências que a realidade apresenta, frente ao fato de que muitas vezes o incontrolável da existência é muito mais evidente que as pretensas crenças num deus onipresente atuando a favor dos "eleitos", é importante a ideia de que a verdadeira recompensa está além, noutros mundos, obviamente não investigáveis. Repare que uma das grandes forças para tal idéia de deus vem de sua "palavra viva". E o que é essa palavra viva de deus, algum lugar misterioso onde essa presença se faz ouvir por todos que ali cheguem, sem nenhum veículo? Não, um livro, um livro escrito por seres humanos e usado por muitos impérios no decorrer da história para justificar seu próprio poder .


Este tema é muito amplo e exige uma profunda capacidade de reavaliar o que nos obrigaram a aceitar. O coloco aqui como "teste iniciático". Quem não entender que estamos indo contra o conceito usual e não contra a noção de algo transcendente que permeia a existência vai ficar chocado e se retirar.

 

É um tema muito delicado pois está sedimentado em camadas profundas de nossa psique e choca profundamente quando abordado pela primeira vez. Mesmo aqueles capazes de investigar com clareza muitos campos se sentem algo temerosos ao adentrar tal campo de questionamento. Por isso nos dedicaremos nesse capítulo a um estudo desta questão, nada que represente uma opinião final, mas pistas através das quais poderá você que pensa permitir-se avaliar este que é um dos paradigmas básicos da cultura contemporânea.


Blavatsky quando explicava o termo Teosofia sempre insistia que o "Teo " ao qual ela se referia não era um ser, uma entidade antropomórfica, que criou o céu e a terra, descansou no sétimo dia e depois ficou alcoviteiramente a vigiar e a julgar os seres humanos, servindo de avalista aos despropósitos, daqueles que se auto-intitulavam seus legítimos representantes, realizados em nome de deus. A Inquisição, Hitler e tantos outros sempre agiram em nome de deus. Mas quando entramos nas chamadas linhas espiritualistas o que dizem? Deus é amor. Deus é um princípio , uma energia que criou o céu e a terra e tudo que neles há. Esse papel criador é também questionado. Aliás, a própria Blavatsky chama atenção para isto. Ela liga o "Teos" a Tein, movimento, manifestação.


Aos estudiosos fica claro que o próprio termo usado pelos maçons: "Arquiteto do Universo" indica que tal força arquiteta, mas quem cria são outras hierarquias. No plano que estamos estudando é interessante notar que existe uma diferença entre os que creem num deus criador e a abordagem de muitos ramos que falam da existência  emanar da não existência. É muito importante entender esta questão. É totalmente diferente falar de uma entidade que cria um mundo e de uma força, uma presença da qual o mundo emana.


Um conceito antropomórfico de deus, como os dos povos simples do Egito ou da Babilônia, que acreditavam que as estátuas, expressando princípios cósmicos, símbolos sofisticados para os iniciados nos mistérios, eram elas em si a imagem de deuses e deusas os quais iriam por eles interceder. Algo similar seria pegar um livro de receita de bolo, ficar a lê-lo sem conseguir os ingredientes, sem executar o ato de preparar o bolo, ficar apenas falando sobre e acreditar que no final o bolo vai surgir. Todos os livros sagrados eram manuais onde os iniciados deixaram seu conhecimento expresso em símbolos, mas traduzidos apenas na letra que mata perderam o espírito. Em muitas cosmogonias é representado o Todo por um dragão que em certo momento bota um ovo e desse ovo surge o mundo.


Note você que está acompanhando com atenção ao aqui exposto que não estamos caindo na negação de algo mais amplo, algo maior, um inefável poder. Estamos questionando esse deus antropomórfico criado à imagem e semelhança do ser humano, com suas limitações e medos, sua agressividade e falhas. É interessante notar que para a maioria das pessoas cultas e informadas o monoteísmo é uma evolução nobre do pensamento humano.


Os "pobres e ignorantes" primitivos viam a divindade em tudo, em toda parte e a identificavam de acordo com sua manifestação, na chuva, no trovão, na terra ou nas montanhas, viam eles aspectos da divindade, do todo.


Então vem o monoteísmo e diz que só existe um deus, um antropomórfico deus que é externo a tudo, que dirige o mundo de fora, que exige adoração, que castiga, que pune, que tem uma vontade curiosamente conivente com os poderosos de plantão. A Natureza é criação, não mais parte “dele”, e nós somos criaturas, logo não mais parte direta. Assim a exploração do mundo e de um ser humano pelo outro se torna justificável. Haverá um paraíso nos esperando, continuem a destruir o mundo, é essa a última consequência da ética protestante que impulsiona o capitalismo. E o mundo cada vez mais à beira da destruição. E isto é considerado evolução. 


À medida que compreendermos os jogos de poder nos quais os poderosos estão envolvidos fica também mais claro o papel desse deus antropomórfico. E, então, compreendemos que o Trabalho é libertar-se. Tornar-se, de fato, capaz de agir e não apenas reagir impulsionado, impulsionada, por esta pilha de programações atávicas que recebemos. E para começar esta vasta jornada a observação de si, no cotidiano, a cada instante é o caminho recomendado. Perceber-se a cada momento, para descobrirmos quem de fato somos e onde estamos e, então, sobre estas bases reais começar o Trabalho.


Notas


¹ Ver, por exemplo, o trabalho do Dr. Sam Osmanagich, pesquisador bósnio, especializado em pirâmides, estruturas que estão espalhadas por todo o planeta, fator indicador de uma sociedade global, algumas delas com mais de 10 mil anos, construídas com uma tecnologia impensável para aquela época dentro dos paradigmas da ciência acadêmica atual. Um dos achados arqueológicos importantes do Dr, Sam Osmanagich é a pirâmide do sol na Bósnia: https://www.youtube.com/watch?v=oHAUQSuSBIc&t=8s


² No livro Fogo Interior, no capítulo relativo ao Molde do Homem, vemos uma abordagem interessante de Don Juan sobre a palavra deus: “Afinal, nós seres humanos somos na realidade bem pouco; somos, em essência, um ponto de aglutinação fixo em certa posição. Nosso inimigo e ao mesmo tempo nosso amigo é nosso diálogo interno, nosso inventário. Seja um guerreiro; desligue seu diálogo interno; faça seu inventário e depois atire-o fora. Os novos videntes fazem apurados inventários e depois riem deles. Sem o inventário, o ponto de aglutinação torna-se livre. Dom Juan lembrou-me de que havia falado bastante sobre um dos aspectos mais inflexíveis de nosso inventário: nossa ideia de Deus. Esse aspecto, disse, é como uma cola poderosa que prende o ponto de aglutinação à sua posição original. Se eu pretendesse aglutinar outro mundo verdadeiro com outra grande faixa de emanações, tinha de dar um passo obrigatório a fim de afrouxar todos os laços do meu ponto de aglutinação.






A medusa interior, os eus e a auto-observação



Um "eu" é uma entidade definida em nós, com uma parte intelectual, uma parte emocional e uma parte motora. Os Eus vivem em nossa casa interior e nos controlam incessantemente.

Os "eus" moram em diferentes subdivisões dos centros. Temos várias personalidades diferentes e cada uma delas está composta por um grupo de eus.

O "eu", digamos, Fantasia cria a Falsa Personalidade, fazendo-nos crer que temos um só Eu real. A falsa personalidade é puro fingimento. Uma das piores forma de mentir é o fingimento. Todo homen 1,2 e 3 finge ser o que não é. Essas mentiras vem da fantasia sobre o si mesmo, do eu digamos Fantasia. As mentiras obscurecem a Essência, porque a Essência, só pode crescer mediante a Verdade. Um homem deve deixar de enganar-se a si mesmo antes que possa começar a compreender a verdade. O homem deve se livrar da mentira.

Temos milhares de pequenos "eus" em nós, mas devido aos obstáculos a consciência, não os vemos e seguimos acreditando que há um só Eu, que sempre atua e sente da mesma maneira. Este é o "eu", digamos, Fantasia, este "eu" nos impede de mudar.

Cada pequeno "eu" tem uma parte pensante, uma parte emocional e uma parte motora. Seu centro de gravidade pode estar na esfera dos pensamentos, das emoções ou dos movimentos. Observar o centro de gravidade de um pequeno "eu" já é um grande progresso.

Cada pequeno "eu" é uma entidade que se passa por nós e fala pelo intermédio dos centros, chamando-se a si mesmo de Eu. Todos os nossos pensamentos, nossos estados de ânimo, nossos sentimentos, nossas ações, nossas palavras, nossos gestos, nossos movimentos, nossos humores provêm de diferentes tipos de "eus" em nós. Não temos uma individualidade real, ou melhor, não temos um CENTRO DE GRAVIDADE PERMANENTE.

Inicialmente, é mais fácil observar aos "eus" que atuam emprestando-nos certos pensamentos. Observe que está pensando, de certa maneira, a respeito de uma pessoa. Este é um "eu" que está pensando, mas você crê que é você mesmo. Ou digamos que está pensando sobre sua vida; é outro "eu" e você acha que é você mesmo. Quando uma pessoa não vê esse ardil constantemente repetido, toma todos esses pensamentos como ela mesma, neste ponto passou a ser mecânica.

Não vê que algo está pensando por ela, mas ouve os pensamentos desses "eus" como se fosse ela que os estivesse pensando.

Quando começamos a observar verdadeiramente nossos pensamentos, costumamos notar certos pensamentos que são indesejáveis, com relação a outras pessoas ou com relação a nós mesmos. Pois bem, se pensamos que esses pensamentos são nossos, se nos identificamos com eles, se concordamos com eles, concedemos poder a eles, fazemos com que eles tenham poder sobre nós e assim fortalecemos os "eus" que estão por trás deles. Observar é também dissolver os "eus" mecânicos.

A Tradição nos ensina a praticar a separação interior, que para observarmos um eu temos que nos separar dele. Mas se tomamos tudo que passa em nossos pensamentos como nós mesmos, não poderemos separar-nos. Como pode "eu" separar-se de "eu"?

No que concerne à esfera das emoções, existem muitos eus que produzem alterações em nossos estados emocionais, do mesmo modo que certos "eus" transmitem pensamentos à nossa mente, outros "eus" transmitem sentimentos à nossa esfera das emoções.

Alguns desses Eus costumam esgotar-nos, fazer-nos perder a confiança em nós mesmos, deprimir-nos, desalentar-nos, etc. Se ao menos pudéssemos auto-recordar-nos sempre, esses eus não teriam poder sobre nós uma vez que lembraríamos de suas atuações passadas. Mas como concedemos tanto poder a eles, nem nos ocorre observá-los; entram e saem de nossa parte emocional como se essa lhes pertencesse.

Ainda que seja difícil observar diretamente esses "eus", podemos descobrir sua presença ao notar que se abaixa o nível ou há uma súbita perda de força (energia). Se não estamos bastante alertas, esses eus podem nos possuir OS CENTROS e então levaremos dias no sono que eles nos causam.

É preciso aprender a andar muito cuidadosamente dentro de nós mesmos. É inútil discutir com os "eus" desagradáveis. Por isso, a prática da separação interior é tão importante. Basta perder a guarda por um instante, em uma situação difícil, para permitir a entrada em cena deste tipo de "eus" que nada mais são que MÁSCARAS, que usamos para suportar a realidade. É preciso aprender a separar-nos desses "eus" negativos, primeiro na esfera dos pensamentos e logo na esfera das emoções e motora através da técnica de não identificação interior.

O Trabalho se inicia pela auto-observação e é um sistema que provém do Círculo Consciente da Humanidade, isto é, daqueles que lutaram a batalha contra os "eus" e alcançaram a sublime meta de conhecer a SI mesmo.

Quando alguém começa a auto-observar-se seriamente, desde o ponto de vista de que não é Um, mas sim Muitos, inicia de verdade o trabalho sobre si. E como resultado disso teremos que dividir-nos em observador e observado.

O lado observador relaciona-se com a fração de Essência ou Consciência liberada sob as influências do Trabalho interior . O lado observado vem a ser todo esse desfile de pensamentos, sentimentos, desejos, preocupações, estados emocionais, paixões, etc., provenientes de toda essa multiplicidade que levamos dentro de nós por força da simples lei do ACASO.

Indubitavelmente, quando essa divisão não acontece, continuamos identificados com todos os processos dos muitos "eus". Quem toma todos os seus processos psicológicos como funcionalismo de um "eu" único, individual e permanente, encontra-se tão identificado com todos os seus erros, os tem tão unidos a si mesmo que perde, por tal motivo, a capacidade de separá-los de sua psique. Então qualquer mudança será quase impossível.

Através desse trabalho psicológico, temos que chegar a ser cada vez mais conscientes de nós mesmos, de todas as nossas contradições e conflitos íntimos.

É sabido que quando alguém está a ponto de morrer, como por exemplo, quando alguém está se afogando, vê toda sua vida com todas suas contradições passar diante de si. No aspecto psicológico ocorre algo semelhante. Temos que ver tudo que há em volta de nós mesmos nesta vida, antes de morrer psicologicamente. É muito importante compreender o significado psicológico de muitas coisas.

É preciso reconhecer e aceitar os vários aspectos existentes em nós mesmos. Através da auto-observação, da divisão em observador e observado, sob a influência do trabalho psicológico, vamos nos liberando de tantas idéias fantasiosas sobre nós mesmos, de tantas virtudes e méritos que não possuímos em absoluto. Então é que nos convertemos de verdade em crianças e compreendemos o que significam as palavras iniciais do Sermão da Montanha. Deixamos então de sentir-nos grandes e teremos uma compreensão inteiramente nova de nós mesmos, um sentimento inteiramente novo e pensamentos inteiramente novos.

Deixamos de ser a pessoa que havíamos imaginado ser, durante toda nossa vida. Qual o maior perigo que corremos à medida que envelhecemos? É o de cristalizar na idéia que temos de nós mesmos, de acreditar cada vez mais na fantasia que temos sobre nós mesmos. Se valorizamos corretamente o trabalho psicológico, a divisão em observador e observado logo esse perigo não será tão grande. Somos criaturas tão minúsculas e desagradáveis que é preciso um prolongado trabalho de auto-observação para ver como somos ridículos em nossa vaidade e em nosso orgulho.

Depois de passar um bom tempo neste trabalho, as pessoas se tornam mais simples a respeito de si mesmas e em relação aos outros. Porque começam a se observar em lugar de imaginar que são o que acreditam ser. Vêem que o abismo que existe entre o que imaginam ter sido e o que são é muito profundo. Quando isto sucede, por meio da constante auto-observação, toda sua relação consigo mesmas começa a mudar. Tudo aquilo sobre o qual fundamentava seus valores, suas diversas formas de sentir-se superior aos outros, sua falsa caridade almejando o céu, suas caretas, suas ambições de poder , seu preconceito, sua mentira interior, suas crenças, etc, as bases psicológicas sobre as quais descansava, tudo isso desaparece. Terá uma bela experiência, pois não terá mais que manter e conservar aquela máscara de pessoa inventada da qual é escravo. Se tornará simples como crianças de novo, porem conscientes.

Quando um homem ou uma mulher começa a observar-se seriamente, dentro da atmosfera do Trabalho , sentindo que o trabalho o conduzirá a um novo nível de Ser além do nível do saber, experimentará pouco a pouco uma mudança real e significativa em sua vida.

Mas se tenta fazê-lo sem estar respaldado pela influência B e C, toda sua observação será inútil e o levará simplesmente às querelas, argumentos e emoções negativas. Tentamos todos estudar algo que é muito grande e devemos compreender que somos muito pequenos. E neste entendimento devemos nos dedicar a aprender despojados de nossos "eus" e suas velhas cantigas.

Flávio


O começo de tudo: a auto-observação

Se olhar para si mesmo fosse algo comum o ser humano não teria necessidade de escolas esotéricas, mestres, gurus ou terapeutas. E olhar para si mesmo para poder se conhecer só é possível devido a presença de algo que nos tira de nossa própria presença: o outro. Sartre disse que o inferno é o outro. O dono do inferno é Satã, que significa o adversário, o outro. Assim o outro é Satã, parafraseando Sartre. Inferno e Satã são apenas metáforas para a consciência adormecida ou identificada. É pelo enfrentamento estratégico e implacável com o outro que percebemos a nós mesmos e notamos que o outro é um espelho de nós mesmos. Isso é observar-se, perceber no outro um espelho de si. É preciso fazê-lo sempre, o tempo todo e sem fim. Esse é o caminho. Olhar para si mesmo sem julgar ou justificar e olhar para o outro da mesma maneira, vendo as manobras do ego aqui e lá, é um exercício de implacabilidade e espreita de si.

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....TUDO QUE AS MINHAS TENTATIVAS DE LEMBRANÇA DE SI
ME MOSTRARAM, ME
CONVENCEU BEM CEDO DE QUE EU ESTAVA
DIANTE DE UM PROBLEMA NOVO
COM QUE A CIÊNCIA E A FILOSOFIA NÃO TINHAM SE DEPARADO...
P.D. Ouspensky

Todo o trabalho deriva do homem que começa a observar-se. A auto-observação é que nos permite mudar interiormente. Não devemos confundir o observar com o conhecer. Falando superficialmente, podemos dizer que alguém sabe, por exemplo, que está sentado em uma cadeira, mas isto não quer dizer que a está observando. Falando mais profundamente, talvez uma pessoa saiba que está em um estado negativo, mas isto não quer dizer que o está observando.

A auto-observação é um ato de atenção dirigida para dentro, para o que está acontecendo na pessoa. A atenção deve ser ativa, isto é, dirigida. No caso, por exemplo, de uma pessoa a quem se tem antipatia, é possível notar os pensamentos que se acumulam na mente, o coro de vozes que falam dentro de nós, o que estão dizendo, as emoções desagradáveis que surgem, etc. Também notamos que estamos tratando interiormente muito mal à pessoa a quem temos antipatia. Para ver tudo isso é necessária uma atenção dirigida.

A atenção vem do lado observante, os pensamentos as emoções e os movimentos pertencem ao lado observado, isto é, há que dividir-nos em dois, observador e observado. O lado do observador é interior ao lado observado, ou está por cima dele; mas seu poder de consciência independente varia, porque a qualquer momento poderá ficar submerso.

Nesse caso ficará completamente identificado com o estado negativo. Aí a pessoa não observa o estado, porque ela mesma é o estado. Cabe dizer que o fato de ser negativo é conhecido, mas não é observado.

Muitas vezes também se confunde o pensar com o observar. Pensar e observar são bem diferentes. Um homem pode pensar todo dia a respeito de sua pessoa e não auto-observar-se sequer por um momento. Observar nossos pensamentos não é a mesma coisa que pensar. O Quarto Caminho ensina que o homem deve observar tudo nele, sempre como se não fosse ele, mas sim outro. Isto significa que ele deve chegar a dizer:

"O que está fazendo esse eu?"

E não "o que eu estou fazendo?" Então vê os pensamentos que se sucedem, as emoções, as comédias privadas, os dramas pessoais, as elaboradas mentiras, as desculpas e justificativas, os discursos, que passam sucessivamente. No instante seguinte, cai outra vez no sono e desempenha seu papel em todos eles, isto é, atua na comédia que compôs e crê que é verdadeira.

É preciso que um homem seja capaz de dizer: "isto não sou eu", a todas as peças e canções estabelecidas, a todas as representações que se sucedem nele, a todas as vozes que toma pela sua. Sabe-se que, às vezes, antes de dormir, ouvimos fortes vozes na cabeça. São os eus que estão falando. Durante o dia, passam o tempo todo falando, só que os tomamos por Eu, por nós mesmos.

Quando você encontra-se em um estado desagradável e auto-observa-se durante alguns minutos, notará grupos diferentes de eus desagradáveis que tentam, um após o outro, ocupar-se da situação e tirar proveito dela. Isto se deve a que os eus negativos vivem sendo negativos. Sua vida consiste em pensar negativamente ou sentir negativamente, isto é, em proporcionar-lhe pensamentos negativos e sentimentos negativos. Deleitam-se em fazê-lo porque para eles assim é a vida.

No trabalho sobre si, é preciso observar sinceramente quando se goza dos estados negativos, em especial quando se goza secretamente deles. Se um homem sente prazer sendo negativo, sejam quais forem as formas de ser negativo, e são muitas, não poderá separar-se delas. Não é possível separar-se de algo pelo qual sente-se um afeto secreto. Em realidade, o que ocorre é que a pessoa identifica-se com os eus negativos por meio de um afeto secreto e assim sente seu gozo, porque seja qual for a coisa com a qual uma pessoa identifique-se, converte-se nela.

É preciso observar a fala interior (VERBALIZAÇÃO) e o lugar de onde provém. A fala interior automática é a semente de muitos estados desagradáveis futuros e também da fala exterior equivocada.

Existe a prática do Silêncio Interior. Não se trata de impedir que algo penetre na mente, mas pratica-se o silêncio interior com relação a algo que já está na mente e do qual deve-se ter percepção, mas é preciso não tocá-lo com a língua interior, com o discurso interior, ou seja, não usar a verbalização. A fala interior sempre se ocupa dos estados negativos e forja muitas frases desagradáveis que, de súbito, acham expressão na fala exterior, talvez muito tempo depois.

A fala interior mecânica produz confusão interior, é feita de diferentes formas de mentiras, de meias verdades ou de verdades que se relacionam entre si de modo incorreto, com algo que se agregou ou se omitiu. Em outras palavras, é mentir para si mesmo.

Tudo isso pertence à purificação da vida emocional. Mecanicamente, só simpatizamos com nós mesmos e temos antipatia ou ódio daqueles que não simpatizam conosco. Não é possível o desenvolvimento interior, a menos que as emoções deixem de fundamentar-se unicamente na auto-simpatia (AUTO-IDENTIFICAÇÃO). Talvez uma pessoa se dê conta que diz coisas que, se as recebesse, não as toleraria. Dentro de nós mesmos, todos os outros são impotentes. Podemos arrastar uma pessoa para nossa caverna secreta e fazer com ela o que quisermos. Podemos ser naturalmente corteses mas, neste trabalho, cujo propósito é purificar e organizar a vida interior, isto não basta. O que realmente conta é a maneira como os homens se comportam interna e invisivelmente uns com os outros.

Todo ensinamento esotérico, desde a mais remota Antigüidade, refere-se ao conhecimento de si. O trabalho psicológico aplica-se à nossa realidade invisível, na qual moramos psicologicamente; refere-se à conquista de si, ao domínio de si. Mas uma das maiores dificuldades é justamente, imaginarmos que nos vemos e nos conhecemos integralmente, e isto nos impede de compreender o que significa verdadeiramente a auto-observação e o que quer dizer começar a conhecer-se a si mesmo.

Só quem compreende plenamente a dificuldade de despertar pode compreender a necessidade de um prolongado e árduo trabalho sobre si, com o fim de despertar. VEJAMOS BEM, PROLONGADO TRABALHO SOBRE SI.

Neste trabalho, é preciso dissolver a fantasia e a imaginação negativa. A fantasia pode satisfazer todos os centros, de modo que o homem fica satisfeito com o imaginário em lugar do real. O poder da fantasia mantém os homens hipnotizados, porque o homem sonha que está desperto ou a ponto de despertar. Contudo, geralmente passa-se muito tempo neste trabalho antes que uma pessoa comece a observar sua fantasia. E é difícil observá-la, porque quando a observamos, ela se detém, isto é, tão logo chega a atenção dirigida, a fantasia cessa. Nosso estado de hipnose impede toda observação real e direta. Imaginamos que somos pessoas respeitáveis e agradáveis, e não podemos ver através da bruma de nossa fantasia que não o somos em absoluto.

Por isso é imperativo conhecer o modo correto para trabalhar o que se observa, por enquanto estamos apenas estudando o básico do sistema, e comprovando em nós que assim é, mas muito cuidado para não cair na armadilha de acharmos que podemos realizar um trabalho de auto-observação correta para alcançar a consciência de SI sem ajuda e sem preparo. Já foi dito aqui "nesta lista" que neste caminho sem vontade é impossível evoluir e que sem ajuda é igualmente impossível evoluir. Será que tem alguém aqui que pode dizer que desenvolveu a vontade plenamente? Vamos então criar as condições para que a vontade se desenvolva em nós, ainda é muito cedo para tentar saltos maiores que as pernas, é bem melhor um passo seguro de cada vez que dar um salto para o desconhecido e bater com a cara no muro. temos muita coisa para conversar sobre o sistema, oportunamente veremos as técnicas para criarmos um observador eficiente. Por hora é solicitado a auto-observação como forma de constatar em si a veracidade do que dizemos aqui sobre os muitos "eus", centros, funções, estados de presença, consciência, compartimentos, amortecedores, emoções negativas, sono, vigília, observação de si, consideração interior, identificação, 4c, Gurdjieff, evolução possível, abordagem do sistema, contexto, aqui agora etc, para que possamos partir para algo mais profundo se realmente a nossa vontade para isso se prestar.

Flávio

Autodomínio

Quando verdadeiramente convencido verás que não é preciso a ninguém convencer. O convencimento do outro é uma violência. Isso fez da polític...