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segunda-feira, 28 de abril de 2025

Intentar e Espreitar

- A intensidade, sendo um aspecto do intento, está co­nectada naturalmente ao brilho dos olhos dos feiticeiros. Para relembrar essas ilhas isoladas de percepção, os feiticeiros ne­cessitam apenas intentar o brilho particular de seus olhos associados com a localização à qual desejem regressar. Mas já ex­pliquei isso.

Devo ter parecido perplexo, Don Juan olhou-me com uma expressão séria. Abri minha boca duas ou três vezes para fazer perguntas, mas não consegui formular meus pensamentos.

— Porque a sua taxa de intensidade é maior do que o nor­mal — disse Don Juan —, em poucas horas um feiticeiro pode viver o equivalente a uma vida normal inteira. Seu ponto de aglutinação, mudando para uma posição não familiar, absorve mais energia do que o normal. Esse fluxo extra de energia é cha­mado intensidade.

Compreendi aquilo com perfeita clareza, e minha racio­nalidade titubeou sob o impacto da tremenda implicação. Don Juan fixou-me com seu olhar e então preveniu-me para me cui­dar de uma reação que afligia tipicamente os feiticeiros: um de­sejo frustrante de explicar a experiência da feitiçaria em termos coerentes, bem raciocinados.

— A experiência dos feiticeiros é tão bizarra — continuou Don Juan — que os feiticeiros a consideram um exercício inte­lectual, e usam-na para espreitar-se. Seu trunfo como esprei­tadores, entretanto, é que permanecem agudamente conscientes de que são os perceptores de que a percepção tem mais possi­bilidades do que a mente pode conceber.

Como único comentário, exprimi minha apreensão sobre as possibilidades bizarras da consciência humana.

— Para proteger-se daquela imensidade — disse Don Juan — os feiticeiros aprendem a manter uma mistura perfeita de implacabilidade, astúcia, paciência e doçura. Essas quatro bases estão inexplicavelmente interligadas. Os feiticeiros cultivam-nas intentando-as. Essas bases são, naturalmente, posições do ponto de aglutinação.

Continuou dizendo que qualquer ato executado por qual­quer feiticeiro era por definição governado por esses quatro princípios. Assim falando propriamente, cada ação de cada fei­ticeiro é deliberada em pensamento e realização, e tem a mis­tura específica dos quatro fundamentos da espreita.

— Os feiticeiros usam as quatro disposições da espreita como guias — continuou. — Trata-se de quatro estruturas men­tais diferentes, quatro mesclas distintas de intensidade que os feiticeiros podem usar para induzir seus pontos de aglutinação a se moverem a posições específicas.

Subitamente, Don Juan pareceu aborrecido. Perguntei-lhe se era a minha insistência em especular o que o preocupava.

— Estou apenas considerando como nossa racionalidade nos coloca entre uma pedra e um lugar rijo — retrucou. — Nossa tendência é ponderar, questionar, esclarecer. E não há como fazer isso na disciplina da feitiçaria. Ela é o ato de atin­gir o lugar do conhecimento silencioso, e o conhecimento si­lencioso não pode ser raciocinado. Pode ser apenas experi­mentado.

Ele sorriu, seus olhos brilhando como dois pontos de luz. Disse que os feiticeiros, num esforço para se protegerem do avassalador efeito do conhecimento silencioso, desenvolveram a arte de espreitar. A espreita move o ponto de aglutinação di­minuta mas firmemente, propiciando, desse modo, tempo aos feiticeiros e, portanto, a possibilidade de se escorarem.

— Na arte de espreitar — continuou Don Juan — há uma técnica que os feiticeiros usam muito: loucura controlada. Se­gundo eles, a loucura controlada é a única maneira que têm de lidar consigo mesmos, em seu estado de consciência e percep­ção expandidas, e com todos e tudo no mundo dos afazeres diários.

Don Juan explicou a loucura controlada como a arte do engano controlado ou a arte de fingir estar profundamente imerso na ação — fingindo tão bem que ninguém pudesse distingui-lo da coisa real. A loucura controlada não é um en­gano direto, mas um modo sofisticado, artístico, de estar se­parado de tudo permanecendo ao mesmo tempo uma parte de tudo.

— A loucura controlada é uma arte — continuou Don Juan. — Uma arte que causa muitas preocupações, e muito di­fícil para se aprender. Muitos feiticeiros não suportam isso, não porque haja alguma coisa inerentemente errada com a arte, mas porque é preciso muita energia para exercê-la.


O Poder do Silêncio, de Carlos Castaneda


sábado, 13 de janeiro de 2024

Disciplina - parte 4




"Os feiticeiros espreitam a si mesmos constantemente - comentou com uma voz reconfortadora, como se tentando acalmar-me com o tom de sua voz.

Desejei dizer que meu nervosismo tinha passado e que provavelmente havia sido causado pela falta de sono, mas ele não me permitiu dizer coisa alguma.

Assegurou-me de que já havia me ensinado tudo o que tinha para saber sobre espreitar, mas eu ainda não recuperara meu reconhecimento da profundeza da consciência intensificada, onde o tinha armazenado. Disse-lhe que seria a desagradável sensação de estar arrolhado. Parecia haver algo trancado em mim, algo que me fazia bater portas e chutar mesas, algo que me frustrava e me tornava irascível .

- Essa sensação de estar arrolhado é experimentada por todo o ser humano. É um lembrete da existência de nossa conexão com o intento. Para os feiticeiros essa sensação é ainda mais aguda, precisamente porque seu objetivo é sensibilizar seu elo de conexão até que possam fazê-lo funcionar à vontade.

Quando a pressão do seu elo de conexão é grande demais, os feiticeiros aliviam-na espreitando a si mesmos.

- Ainda acho que não compreendo o que quer dizer por espreitar - falei. - Mas em certo nível penso que sei exatamente o que quer dizer.

- Tentarei ajudar você a esclarecer o que sabe, então. Espreitar é um procedimento, um procedimento muito simples. Espreita é um comportamento especial que segue certos princípios. É um comportamento secreto, furtivo, enganoso, designado a provocar um choque. E quando você espreita a si mesmo, você choca a si mesmo, usando seu próprio comportamento de um modo implacável, astucioso.

Explicou que quando a consciência de um feiticeiro ficava enredada pelo peso de suas aquisições perceptivas, o que estava acontecendo comigo, o melhor, ou talvez nosso único remédio, era usar a ideia da morte para proporcionar esse choque de espreita.

- A ideia da morte é de importância fundamental na vida de um feiticeiro - continuou D. Juan. - Mostrei-lhe coisas inumeráveis a respeito da morte para convencê-lo de que o conhecimento de nosso fim pendente e inevitável é o que nos dá sobriedade. Nosso engano mais caro como homens comuns é não se importar com o senso de imortalidade. É como se acreditássemos que, se não pensássemos a respeito da morte, nos pudéssemos proteger dela.

- Precisa concordar D. Juan que não pensar sobre a morte protege-nos de nos preocuparmos a respeito.

- Sim, isto serve a tal propósito, mas tal propósito não tem valor para homens comuns e representa uma caricatura para os feiticeiros. Sem uma visão clara da morte, não há ordem, nem sobriedade, nem beleza. Os feiticeiros lutam para ganhar essa percepção crucial de modo a ajudá-los a perceber no nível mais profundo possível que não tem segurança sequer de que suas vidas continuarão além do momento. Essa percepção dá aos feiticeiros a coragem de serem pacientes e no entanto entrarem em ação, coragem de aquiescer sem serem estúpidos. Don Juan fixou seu olhar em mim, sorriu e balançou a cabeça.

- Sim - continuou -, a ideia da morte é a única coisa que pode dar coragem aos feiticeiros. Estranho, não é? Dá aos feiticeiros coragem de serem atenciosos sem serem vaidosos, e acima de tudo dá-lhes coragem de serem implacáveis sem serem convencidos.

Sorriu outra vez e cutucou-me. Disse-lhe que estava absolutamente aterrorizado pela ideia de minha morte, que pensava a respeito com frequência, mas que certamente isso não me dava a coragem ou me incentivava a entrar em ação. Apenas me tornava cínico ou fazia com que eu caísse em estado de profunda melancolia.

- Seu problema é muito simples - disse ele. - Você fica facilmente obcecado.

Estive lhe dizendo que os feiticeiros espreitam a si mesmos para quebrar o poder de suas objeções. Há muitas maneiras de espreitar a si mesmo. Se não deseja usar a idéia de sua morte, use os poemas que lê para mim para espreitar a si mesmo.

- Como disse ?

- Disse-lhe que há muitas razões pelas quais gosto de poema - retrucou ele. - O que eu faço é espreitar a mim mesmo com ele. Provoco um choque em mim mesmo com eles.

Escuto, e enquanto você lê, calo meu diálogo interno e deixo meu silêncio interior ganhar impulso. Então a combinação do poema e do silêncio desfecha o choque.

Explicou que os poetas anseiam inconscientemente pelo mundo dos feiticeiros. Por não serem feiticeiros no caminho do conhecimento, os anseios são tudo o que tem.

(...)

...este incessante morrer obstinado,

esta morte vivente,

que te retalha, oh Deus,

em tua rigorosa obra

nas rosas, nas pedras,

nos astros indomáveis e na carne que se queima,

como uma fogueira acesa por uma música,

um sonho,

um matiz que atinge o olho.

...e tu, tu próprio, talvez tenha morrido eternidades de eras aí fora,

sem que saibamos a respeito, nos refúgios , migalhas , cinzas de ti;

tu que ainda estás presente,

como um astro imitado por sua própria luz,

uma luz vazia sem astros

que nos alcança,

escondendo sua infinita catástrofe.

" Quando ouço as palavras - manifestou-se D. Juan quando terminei de ler -, sinto que aquele homem está vendo a essência das coisas e posso ver com ele. Não me importo sobre o que seja o poema. Importo-me apenas sobre o sentimento que os anseios do poeta (filósofo) trazem até mim. Empresto seus anseios, e com eles empresto a beleza. E me maravilho diante do fato de que ele, como um verdadeiro guerreiro, derrame-o sobre os receptores, os espectadores, retendo para si mesmo apenas sua ansiedade. Esse impuxo, esse choque de beleza, é espreitar."


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A arte de espreitar é aprender todas as peculiaridades de teu disfarce, e aprende-las tão bem que ninguém saiba que estás disfarçado. Para consegui-lo, necessitas ser desapiedado, astuto, paciente e gentil . Ser implacável não significa aspereza, a astúcia não significa crueldade, ser paciente não significa negligência e ser gentil não significa ser estúpido. Os guerreiros atuam com um propósito ulterior, que não tem nada a ver com o interesse pessoal. O homem comum atua apenas se há possibilida de de ganância. Os guerreiros não atuam por ganância e sim pelo espírito.

Citações extraídas do livro O Poder do Silêncio, de Carlos Castaneda.

Sinal de Fumaça

A Chave Secreta para o Empoderamento

Saúdo a Fonte Eterna em mim e em tudo. Estou atuando a partir do centro da verdade. Que todos os impedimentos sejam removidos. Imagem gerada...