Mostrando postagens com marcador Intento. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Intento. Mostrar todas as postagens

terça-feira, 9 de janeiro de 2024

Disciplina - 1ª parte

«Segundo uma antiga história zen um aluno teria dito ao mestre Ichu: "Por favor, escreva-me algo com grande sabedoria". O mestre Ichu tomou de seu pincel e escreveu uma só palavra: "Atenção".

O aluno indagou: "É tudo?". O mestre escreveu então: "Atenção. Atenção".

O aluno ficou irritado. "Não me parece que seja profundo nem sutil." Em resposta, o mestre escreveu simplesmente: "Atenção. Atenção. Atenção". Frustrado, o aluno exigiu: "O que significa essa palavra 'atenção'?". E o mestre Ichu disse: "Atenção significa atenção".

Em lugar de 'atenção' poderíamos usar 'percepção consciente'. Atenção ou percepção consciente é o segredo da vida, o cerne da prática. Como o aluno nessa história, consideramos esse ensinamento uma decepção; é árido e desinteressante. Queremos algo excitante em nossa prática! A simples atenção entedia! Perguntamos: a prática é só isso? Quando os alunos aparecem para falar comigo, ouço queixas e mais queixas: o horário do retiro, o alimento, o serviço, eu mesma, e assim por diante. Mas as questões que as pessoas estão me trazendo não são mais relevantes ou importantes do que um evento "trivial" como esfolar um dedo. Como colocamos as nossas almofadas? Como escovamos os nossos dentes? Como varremos o chão ou fatiamos uma cenoura? Pensamos que estamos aqui para dar conta de questões "mais importantes", como os problemas que temos com nossos cônjuges, nossos trabalhos profissionais, nossa saúde etc.

Não queremos nos incomodar com as "pequenas" coisas, por exemplo como seguramos nossos talheres ou onde pomos a colher. Mesmo assim, são esses atos que constituem o estofo de nossa vida, de um momento a outro. Não é uma questão de importância; é uma questão de prestar atenção, de estar conscientemente perceptivo. Por quê? Porque cada momento da vida é absoluto em si. E isso é tudo o que existe. Não existe mais nada além deste momento presente; não existe passado, não existe futuro, não existe nada além disto. Por isso, quando não prestamos atenção a cada pequeno 'isto', perdemos tudo. E o conteúdo do 'isto' pode ser qualquer coisa. 'Isto' pode ser endireitar nossos colchonetes de praticar, fatiar uma cebola, visitar alguém que não desejamos visitar. Não importa o conteúdo do que seja o momento; cada momento é absoluto. É só isso que existe e que jamais existirá.

Se conseguíssemos prestar totalmente atenção, nunca ficaríamos contrariados. Se estamos contrariados, é axiomático que não estamos prestando atenção. Se perdemos não apenas um só momento, mas um momento depois do outro, estamos em apuros. Vamos supor que fui condenada a ser decapitada na guilhotina. Agora estou caminhando e subindo os degraus que levam ao cadafalso. Consigo manter minha atenção no momento? Consigo estar consciente de cada passo, passo a passo? Consigo colocar minha cabeça na guilhotina cuidadosamente para assim servir bem ao algoz? Se eu conseguir viver e morrer dessa maneira, não surgem quaisquer problemas. Nossos problemas aparecem quando subordinamos este momento a alguma outra coisa, a nossos pensamentos autocentrados: não é só este momento, mas o que 'eu quero'. Revestimos o momento com as nossas prioridades pessoais, o dia inteiro. E é assim que começamos a ter dificuldades.

Uma outra história antiga diz respeito a um grupo de ladrões que invade o estúdio de um mestre zen e lhe diz que iam decepá-lo. Ele comentou: "Por favor, aguardem até amanhã de manhã. Preciso concluir um certo trabalho". Assim, passou a noite completando o trabalho, bebendo chá e desfrutando. Escreveu um poema simples no qual comparava sua cabeça decepada a uma brisa primaveril e o entregou aos ladrões como um presente quando eles voltaram. O mestre entendia bem o que era praticar. Temos dificuldade em compreender essa história porque temos todos um imenso apego à nossa cabeça, que queremos que permaneça sobre nossos ombros. Não é nosso desejo particular que nossas cabeças sejam decepadas. Estamos determinados a que a vida prossiga do jeito como 'nós' queremos que prossiga. Quando isso não acontece, ficamos com raiva, confusos, deprimidos, ou de alguma forma contrariados. Não é ruim em si ter esses sentimentos, mas quem quer uma vida comandada por eles?

Quando a atenção ao momento presente é desviada para alguma versão de "Eu tenho de conseguir as coisas 'ao meu modo', cria-se uma distância entre nossa percepção consciente e a realidade tal como é, neste momento preciso. Nessa distância ou fosso despejamos todos os males de nossa vida. Criamos uma distância atrás da outra, em seqüência, o dia inteiro. A finalidade da prática é anular essas distâncias, é reduzir o tempo que passamos ausentes, prisioneiros de nosso sonho autocentrado. No entanto, cometemos um erro se pensamos que a solução está em que 'eu' presto atenção. Não é "EU varro chão", "EU fatio a cebola", "EU dirijo o carro". Embora essa prática seja necessária nos estágios preliminares, ela continua alimentando os pensamentos autocentrados ao denominar a pessoa como um "EU" para o qual a experiência está presente. Um jeito melhor de entender é a simples percepção consciente: apenas vivenciar, vivenciar, vivenciar. Na simples percepção consciente, não há distância, não há espaço para pensamentos autocentrados aparecerem.

Em alguns centros zen, os alunos são solicitados a se envolver em ações em câmera exageradamente lenta, por exemplo abaixando objetos e erguendo-os muito devagar. Essa atenção autoconsciente é diferente da simples percepção consciente, do apenas fazer o abaixa-levanta. A receita para se viver é simplesmente fazer o que estamos fazendo. Não estando autoconsciente do que faz; só fazendo. Quando ocorrem os pensamentos autocentrados, então erramos de bonde e aparece a distância. Essa distância ou fosso é o local de nascimento dos problemas e transtornos que nos atormentam.»

Charlotte Joko Beck - Nada de Especial - Vivendo Zen.

sábado, 30 de dezembro de 2023

Obviedades pouco óbvias

O segredo de um xamã e de um mago não é ter poder para atingir certos objetivos concretos.

O segredo consiste simplesmente em acumular, manter e recanalizar este poder.

Há em cada um de nós poder suficiente para produzirmos estados xamanísticos de consciência. Basta redistribuir tal poder.

Tal poder é nosso brilho da consciência. É a nossa semente. Nosso sêmen. Nossa essência.

Pode-se traduzir poder por estado interior. Poder é a capacidade de acessar certos estados interiores que nos levam a acumular mais poder, poder sobre nós mesmos.

É o poder que permite a manifestação externa, seja de um aliado ou de uma situação.

Isto parece tão óbvio que chega a ser uma tautologia, mas é como algo que está tão próximo de nossa visão que não percebemos.

Um xamã, um mago visa a conquista de si mesmo, do estado interior correto para a manifestação adequada.

A primeira das posições a ser conquistada em si é a implacabilidade, saber que um é igual a tudo.

Tal conquista reflete-se no brilho do olhar, os olhos do intento, reflexo do brilho da consciência no corpo do xamã.

Ao invocar ou evocar certas forças buscamos o estado interior adequado para a manifestação pretendida, ou seja, a posição do ponto de aglutinação para a manifestação concreta adequada.

A magia do xamã é tornar-se um poder em sintonia com outros poderes. Podemos chamar isso de ALINHAMENTO. Ou de ressonância.

A falha do aprendiz ou do iniciante é não ter a PACIÊNCIA (inclusive consigo mesmo) e a persistência para fixar o estado interior adequado. Ao ver que a manifestação não ocorre de pronto o aprendiz entra, as vezes, num estado de frustração que sabota sua intenção.

A conquista de si mesmo, o domínio de certos estados interiores, a fixação deliberada do ponto de aglutinação, é um processo que pede disciplina, controle, paciência e senso de oportunidade.

Sejam pacientes consigo mesmos, tenham bom-humor, a vitória é certa para quem não desiste: intento inflexível.

Lembremos que para um xamã-guerreiro a vitória ou a derrota é menos importante que dar o melhor de si mesmo.

A energia equilibrada produz uma efervescência tranqüila, alegre, como uma vibração em nosso corpo, ao longo de seu centro, que dá inteligência para resolver problemas e em si mesma um prazer que por sua natureza é desconhecido da maioria. Nessa energia prazerosa e tranqüila ouvimos a voz de ver, nosso mestre interior, o próprio sussurro do espírito em nós mesmos.

Observação:

A importância das palavras e do silêncio é algo que precisamos compreender dentro do ensinamento do xamanismo guerreiro.

Seu uso adequado segue a dualidade entre tensão e integridade, relaxamento e tensão, que existe na Tensegridade. O silêncio e a palavra são as forças duais da arte da espreita, a arte do relacionamento, que permite que possamos extrair energia e poder em nossas interações cotidianas pelo conhecimento de nós mesmos.

Formular o nosso intento a partir do silêncio interior torna o nosso comando o comando que emana da própria Águia ou Espírito.

Sabemos que as palavras são o instrumento de poder do espreitador, o nagual expressa isso em O Poder do Silêncio, conforme:

"Primeiro o nagual Elias explicou a Don Juan que o som e o significado das palavras eram de suprema importância para os espreitadores. As palavras eram usadas por eles como cha­ves para abrir tudo que estivesse fechado. Os espreitadores, por­tanto, tinham de afirmar seu objetivo antes de tentar alcançar. Mas não podiam revelar seu alvo verdadeiro no início, de modo que deviam verbalizar as palavras com cuidado para esconder a intenção principal".

Até aqui as palavras do nagual Carlos Castaneda. É bom dizer que quando cito o nagual o faço dentro do espírito de respeito e admiração pelo mesmo e não por algum tipo de vaidade intelectual ou ostentação teórica.

As palavras daquele texto me foram vertidas dentro de um determinado estado interior, um alinhamento do meu poder com outro poder. Por mim mesmo ou em meu estado usual de consciência não as teria conseguido formular. E, contudo, aquele poder não era diferente daquilo mesmo que SOU. Refiro-me aqui a totalidade do ser, aspectos da consciência que qualquer um de nós pode acessar. Por exemplo, alguém que fosse adepto do espiritismo acreditaria estar mediunizando uma entidade, psicografando um texto. Não se trata disso. Como pessoas e poderes individuais estamos conectados a poderes muito mais vastos que nós mesmos, mas não temos consciência disso e não acreditamos que isso seja possível. Mas é.


Sagrado Feminino: Kali.

Justamente hoje (08/03//2024) é interessante lembrar de um arquétipo do feminino que é fundamental, não só pela sincronicidade que está rola...