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sexta-feira, 11 de outubro de 2024

Bruxaria, Magia e Xamanismo - parte 3 - por Nuvem que Passa

Narrativa versus História

Um dos pontos que temos de rever quando vamos estudar em profundidade o que se esconde por trás dos conceitos de Xamanismo, Magia e Bruxaria é nosso próprio paradigma de historicidade.

Temos uma educação formal que nos provê ‘verdades’ prontas, que insinuam uma visão da História dentro de paradigmas que cada vez mais se provam não serem verdadeiros, que representam apenas a força dominante dos vencedores, que constroem sua versão dos fatos e condenam os derrotados a desaparecerem da própria História, provocando-lhes não só a morte e a destruição enquanto seres vivos, mas também apagando todas informações sobre estes deserdados da história.

A civilização que domina o mundo hoje, com seus juízos impostos pela bolsa de valores, com corporações atuando como novos senhores feudais a determinar os princípios sobre os quais devemos viver, com as religiões de massa, ao lado da mídia, em uma luta para impor padrões quanto ao pensar e agir da humanidade, isto é resultado de um processo histórico complexo, no qual grupos diversos atuaram conscientemente para não apenas vencer outros grupos, mas para estabelecer um domínio, quer escravizando em corpo ou alma, pela força das armas ou das religiões dogmáticas, quer matando grupos étnicos inteiros seguindo da destruição de todos os dados culturais desses povos.

Temos uma espécie de neodarwinismo social que nos obriga a crer que esta civilização, pelo fato de ter alcançado um surpreendente desenvolvimento tecnológico é o pináculo da evolução social humana.

Estamos presos de tal forma a estes paradigmas que pouco percebemos como várias das obras que se referem a Magia, a Bruxaria e ao Xamanismo o fazem descaracterizando tais artes, tais tradições de seus contextos, tentando ‘explicar’ ou ‘demonstrar’ que tais caminhos são ‘evoluídos’, caindo na armadilha de usar os critérios do dominador como instrumento de avaliação. O Xamanismo, a Magia e a Bruxaria tem seus próprios critérios cognitivos, são campos complexos em si mesmos.

Podemos fazer uma analogia com o que ocorre na Acupuntura. Ela funciona e muito bem. E a ciência ocidental tenta explicar que tal nódulo nervoso, ativado pela agulha faz isso e aquilo, mas não é real e nem necessária esta explicação, porque a Acupuntura já foi explicada em seus próprios termos há milhares de anos. O estudo dos meridianos, da energia tal qual ela se manifesta em suas polaridades Yin e Yang, como sedar e ativar, tudo isso já faz parte do corpo de conhecimento da Acupuntura.

Da mesma forma a Magia, o Xamanismo e a Bruxaria já tem suas próprias explicações do porquê funcionam, do porquê são reais, e toda tentativa de tentar limitar estes vastos campos com explicações limitadas oriundas de abordagens pseudocientíficas servirá apenas para criar confusão.

O Positivismo, e a Ciência que dele resultou, tem uma abordagem amarrada ao senso comum, tão limitada que é natural não conseguir sequer conceber a vastidão que existe por detrás dos conceitos de Magia, Xamanismo e Bruxaria.

Só agora com a Mecânica Quântica, com ramos sofisticados da Psicologia e outras áreas de vanguarda da ciência se torna possível estabelecer novamente um diálogo entre estes campos.

Portanto, vamos compreender que a Magia, o Xamanismo e a Bruxaria estão dentro de outro contexto cultural, são artes-ciências, oriundas de uma civilização ancestral que há milênios existiu. Depois de sua queda, a humanidade que restou regrediu a um estado de perda quase completa deste saber. Mas tal saber ficou guardado em irmandades durante a era na qual a tirania passou a assumir o controle sobre o mundo, escravizando outros, tornando tudo e todos meras ‘coisas’ a lhes servir. E assim, estas artes-ciências continuaram preservadas através das linhagens em seus grupos de praticantes e herdeiros.

Podemos compreender aqui que as torturas da Inquisição nunca foram destinadas ao ‘arrependimento’ dos ‘hereges’ mas a tentativa de extrair desses iniciados e iniciadas algo de sua arte-ciência. Com as migalhas extraídas nas câmaras de tortura, com fragmentos revelados por alguns, foi se formando o que geraria as ciências e as universidades da modernidade.

Este é um lado desconhecido da ‘história das ciências’ que poucos contam, o tanto do ‘saber’ oficial que foi ‘arrancado’ nas masmorras e câmaras de tortura, dos ‘hereges’.

É fato conhecido que mesmo Newton, Galileu e outros tantos ‘pais’ da ciência moderna tinham um ativo contato com o ‘ocultismo’, ‘hermetismo’, gnose e afins.

Assim sendo, para irmos ao estudo da Magia, do Xamanismo e da Bruxaria não devemos nos deixar impregnar por pseudo-histórias, por abordagens equivocadas do que foi o nosso passado, temos de ousar procurar os fatos na linha de acontecimentos. Existem aqueles que creem em outra linha de história, e creem não por concordância passiva, por mera aceitação, mas acreditam creem porque foram levados(as) a presenciar por si as evidências desta outra linha.

Somos ‘sócios’ de uma visão de mundo.

Estamos em uma prisão perceptiva que em última instância é mantida porque aceitamos que seja assim. Esse nosso incrível poder de dar realidade ao que cremos ser verdadeiro é subestimado em nós.

Somos a somatória de nossas crenças, nem sempre as que verbalizamos e as que fingimos adotar, somos a manifestação do que interiormente cremos.

A força de nossa crença é tremenda, não é à toa que diferentes grupos competem e tentam a todo momento estipular o que é real e o que não é real para a humanidade. Sempre com o propósito subliminar de manter sua descrição de mundo em vigor.

A História de fato, mas não oficial, conta ter a humanidade atual surgido de uma fase após uma profunda queda. Sem pecados aqui, sem castigos ou leituras assim. Uma queda causada por eventos impessoais, quando todo nosso planeta ingressou em um ‘eclipse’. Em uma sombra onde ficamos isolados de um tipo de energia que vem do centro da Galáxia (ver texto sobre Hunab Ku), da singularidade, que tragando tudo a sua volta gera a forma espiral dessa galáxia, na periferia da qual vivemos.

E neste eclipse, como em um inverno, a energia favorecida no planeta propiciou um tipo de gente ambiciosa, insegura, determinada a impor a todos seu modo de vida para assim se sentirem seguras. “Um só deus, um só senhor, uma só fé” e tudo que isto representa (por exemplo, o projeto imperialista e o conceito de guerras eternas).

E a Bruxaria, a Magia e o Xamanismo passaram a ser perseguidos e temidos, pois são caminhos de liberdade. Quem pretende tornar o mundo um vasto curral de escravos, animais e humanos, e deles fazer uso como ‘coisas’ não aprecia que existam homens e mulheres que não lhe são acessíveis, nem por suas manipulações e nem mesmo com o uso da sua pretensa força política, econômica e militar.

As Eras de perseguição se tornaram cada vez mais intensas, o braço que se forma sobre o Império Romano, depois com a Igreja Romana, é ávido em destruir todos os sinais da antiga civilização planetária, da qual as diversas tribos sabiam um dia ter feito parte.

O sentido da antiga civilização planetária não tem nada a ver com a atual. Hoje temos dispositivos como celulares e computadores que nos dão a impressão de um homo sapiens ‘evoluído’ porque podemos entrar em sintonia com outras pessoas, em diferentes tempos e espaço.

Toda essa tecnologia é um simulacro, como um ciborgue que amplia de certa forma suas habilidades naturais. Porém, somos mais que isso. Na ancestral civilização planetária, a sintonia era por outros meios. Cada corpo humano é por si só um gerador e captador de ondas, assim entravam em plena sintonia com outras pessoas de todos os cantos deste mundo, e também de outros.

A Internet não acessa outros mundos. Então para entendermos como viviam estes povos antes desse momento de queda, de desconexão, temos que usar muito nossa intuição, para evitar falsear a percepção com os preconceitos ‘históricos’ (anacronismos) que herdamos dos condicionamentos que nos impuseram. Foi uma queda que levou toda uma civilização planetária a se esfacelar, mas que mantém, apesar do trabalho violento dos grupos dominantes em ocultar todas as evidências, alguns sinais desta época anterior de amplo conhecimento.

As pirâmides no Egito, as três mais antigas e principais no planalto de Gizé, juntamente à esfinge, Angkor no Camboja, Menires, Dolmens e câmaras em Carnac, França. Os grandes desenhos nas Ilhas Britânicas e ruínas encontradas no mar ao redor do Japão. Todos estes e mais lugares que nem se sabem existir, estão alinhados de tal forma que agora não apontam exatamente para nada significativo, apesar do fato de estarem sempre alinhados de alguma forma com os equinócios e os solstícios.

Mas se levarmos em consideração a precessão dos equinócios, fenômeno astronômico que desloca o eixo da terra em relação a elíptica das estrelas a nossa volta, e se fizermos os ajustes, estes marcos ancestrais todos se alinham a uma rede que os relaciona. Quando monumentos de um canto da terra se alinham com suas constelações significativas, monumentos ancestrais em outras partes do globo fazem o mesmo.

Os astroarqueólogos são aqueles que usam o conhecimento astronômico para entender melhor a complexidade dessas ancestrais culturas, sobre as quais cada vez mais ouvimos falar. Culturas muito mais sofisticadas que a atual ‘cultura’ tecnológica que nos domina e nos faz extensões biológicas das máquinas, além de nos enganar negando-nos a magia. Promovendo simulacros estereotipados de vida e prazer. E impondo a ideia que o “homem das cavernas” era algum bruto insosso, o qual evoluiu através de mutações até que surgissem culturas como a egípcia, a chinesa e as civilizações nas terras hoje chamadas de América.

Assim promovem a ideia que esta civilização dominante é a mais evoluída que aqui já existiu e que suas respostas ao desafio de estarmos vivos são as melhores já dadas.

Em vez de ensinarmos as novas gerações a buscarem respostas, a perguntarem com eficiência, acabamos nos limitando a condicioná-las a memorizarem respostas prontas, para passarem nos pseudo-testes que o mundo lhes aplicará. Enquanto a verdadeira prova ficará esquecida. Assim as práticas da Bruxaria, do Xamanismo e da Magia são vistas como superstições pueris, de um tempo no qual as benesses da ciência ainda não haviam ‘esclarecido’ as coisas.

Existem ramos que pretendem ser da árvore do Xamanismo, da Bruxaria e da Magia mas operam com paradigmas que nos são completamente estranhos. Como alguém que coisifica o mundo e os seres sencientes pode mergulhar em caminhos vivos, nos quais sentir a Vida é condição fundamental? É claro que essa informação é totalmente equivocada e nada mais equivocado há que pseudo-estudiosos de Magia, Xamanismo e Bruxaria querendo demonstrar que suas práticas são ‘científicas’.

É a ciência contemporânea que ainda tem de fazer muito esforço para compreender a ancestral e ampla abordagem da realidade que o Xamanismo, a Magia e a Bruxaria realizam, e não o contrário. Assim como é o Avô que deve ter a paciência de compreender e falar na linguagem que seu neto entenda e não o contrário. A ciência contemporânea tem seu valor sim, tem seus méritos, quando não está a serviço de grupos dominadores, de egos inflados de ‘catedráticos’ que prezam mais sua posição na ‘comunidade acadêmica’ do que a verdade em si, quando não está a serviço de laboratórios farmacêuticos voltados apenas ao lucro e similares, essa ciência, o método científico, é um caminho inteligente e funcional de abordar a realidade em busca de respostas efetivas para os grandes mistérios que nos envolvem.

Assim como existem cientistas que operam em diversos graus de profundidade e genialidade vamos encontrar magistas, xamãs e bruxos(as) de diversos naipes. Não podemos generalizar nestes campos. Há pessoas com as mais diversas formas de ser e posturas que se aproximam da ciência e por analogia podemos entender o mesmo de pessoas que se aproximam do campo transcendental. O fruto é a artimanha da árvore, para que a semente permaneça e seja levada onde amplie.

Os mistérios da semente, de seu tempo na Terra, de seu morrer para nascer de novo. O vencer da terra resistente e escura que se apresenta após a primeira porta. Passar pela noite e então também resistir ao ofuscante dia claro. Como planta completa aprender a crescer, tanto em raízes como em caule e galhos, pois a copa só acariciará as nuvens quando as raízes se sentirem firmes nos mundos mais profundos. Os ritos mágicos são, ainda hoje, a mesma representação destes mistérios, entre outros.

O Caminho nos leva ao recolhimento da semente que se deixa ir enquanto grão para poder realizar seu ‘Ser Árvore’. Cada fase de nossa caminhada nesta trilha está nestes ritos traçada e simbolizada. Assim, a atenta observação da Natureza e seus fluxos marca todos os ritos ancestrais. Quando ritualizar era reatualizar o mito, tornar-se o mito encarnado, por vivência ativa e não mera incorporação.

O primeiro ponto a recuperar neste trabalho é a consciência de que a Terra é a grande provedora. Seus ciclos, em relação a si e aos astros e corpos celestes que nos circundam em suas elipses irregulares, são os momentos de trabalharmos com os fluxos por tais alinhamentos gerados.

Experimente sentir o poder da Terra pelos próximos dias, observe cada árvore, cada planta que aparece durante o seu dia. Tens um lugar de terra que podes mexer? Pois como lidar com a Magia, o Xamanismo e a Bruxaria sem um contato real e efetivo com a TERRA?

Nuvem que Passa


quarta-feira, 1 de maio de 2024

Bruxaria, Magia e Xamanismo - parte 2 - por Nuvem que Passa


Vivemos em uma civilização globalizada. O fato é que hoje, em termos de mundo, estamos integrados de uma forma muito intensa. Se algo acontecer agora no Japão quase que imediatamente vamos ficar sabendo. Provavelmente, uma pessoa na zona rural do Japão, que esteja longe dos meios de comunicação, pode demorar mais a saber de um evento importante que aconteceu em uma cidade vizinha, do que uma pessoa morando do outro lado do mundo.

Criamos uma série de interconexões entre os países e os povos desses países. Agora mesmo estou conectado à internet, trocando informações online com pessoas em vários lugares do mundo. Esta nova forma de interagir cria um modo de perceber o mundo bem diferente das gerações anteriores. Alvin Toffler o chamou de 3ª Onda¹.

Quando olhamos para o passado para compreender as origens do que hoje denominamos Xamanismo, Magia e Bruxaria, temos que ir muito além de uma leitura intelectual de pretensas descrições históricas.

Temos que recuperar a liberdade de perceber além do que nos impuseram como realidade. Para irmos de fato as origens de tais facetas da ARTE temos que ir além do próprio conceito mundano de tempo, tal qual ele se manifesta em sua vida, este tempo dos relógios que te mantém servil. Este tempo é fruto da construção de uma realidade que é hoje dominante neste mundo.

Esta realidade foi desenvolvida a partir de elementos de diversas culturas. Tem influência dos egípcios, persas, helenos, hebreus, romanos… Vem caminhando em um jogo crescente entre grupos antagônicos que querem o poder sobre outros. Imperialismo e conquista é sua meta. Temos que estar bem atentos a estes aspectos manipuladores, a este pano de fundo imperialista que impregna toda a base existencial da chamada “sociedade contemporânea”.

Temos que estar atentos pois esta sociedade criada assepticamente em projetos de colaboração entre estes e estas que querem tudo dominar também criaram pseudo-caminhos, pseudo-xamanismo, pseudo-bruxaria e pseudo-magia, esperando por aqueles(as) que querem apenas fantasias, arrepios e brincadeiras de salão. Assim agitam a luz astral, brincam com fantasias mas permanecem limitadas ao reflexo de seu interior inconstante. 

O Xamanismo, a Magia e a Bruxaria são formas de abordar a realidade que podem ser usadas no mundo cotidiano de forma discreta e com um grau de eficiência incrível. Após eras de perseguição e dominação, aqueles homens e mulheres que de fato trilham esses caminhos se tornaram hábeis em serem discretos, quase sumidos, deixando entrar em seus círculos, vez por outra, pessoas que ainda estão operando a partir de uma visão de mundo estreita ditada pelo establishment, para que voltem e contem o que viram.

Quando olhamos o mundo, notamos que em um certo momento uma doença começa a atacar o organismo formado por todos os homo sapiens no planeta. Em vários locais a guerra de conquista e dominação, o transformar de seres em objetos, se tornam a proposta fundamental de nações e clãs.

Vamos observar este estado de consciência ir tomando área após área do Globo, as guerras de conquista do Império Romano, depois os impérios Cristãos e agora o neocolonialismo chamado ‘globalização’, onde os neocristãos com seus valores consumistas pretendem manter toda a humanidade sob sua descrição da realidade.

Há muito o que refletir aqui, pois Xamanismo, Magia e Bruxaria são heranças de outros tempos, dos tempos dos povos livres que iam e vinham pelos caminhos naturais do mundo. O presente modelo de realidade que hoje nos foi imposto, foi habilmente implantado em um projeto organizado que opera de forma sistematizada desde bem antes de Júlio César e Cleópatra, das Cruzadas e da Inquisição, e segue sempre em frente como um câncer pretendendo dominar sozinho todo o mundo.

Xamãs, Magistas e Bruxos(as) são herdeiros(as) da ancestralidade, que durante o treinamento são agudamente conscientizados de como o mundo ‘oficial’ é um campo de escravos, onde o dom da vida é cooptado por coletivos, no qual os seres humanos servem apenas como extensões biológicas de uma grande mecanismo, inconscientes do papel que desempenham.

As tradições ancestrais nos contam como funcionava o mundo no passado. Nos contam como foi a lenta queda dos povos ancestrais que viviam em harmonia com a Terra. Os conquistadores trouxeram consigo doenças físicas e existenciais e contaminaram os povos originários com ambas, matando assim em corpo e espírito milhões de nativos em poucos anos.

O passado ao qual me refiro está além do passado racional, mergulha no passado mítico, mas no mito vivo e não no mito congelado. Um passado além do tempo, onde as tradições que comentamos têm suas raízes profundas, onde a base é ao mesmo tempo a nutridora. Quando era comum, e não exceção, o estado de liberdade, de estar desperto, de perceber outras realidades, de ir e vir por mundos outros que não este.

Nesse ‘passado’ ao qual me refiro temos povos vivendo de forma muito diferente da atual, povos lidando com as diferentes realidades em seu cotidiano, assim como utilizando outras formas de interpretação.

Este passado lançou caminhos de existência alternativos, nos quais nem todas as linhas conduzem à destruição e subjugação, que são as condições que nos geraram. Mas algumas linhas² conduzem a mundos paralelos e criam vidas diferentes que agora coexistem com aquelas que habitam todos os continentes deste planeta. Pode-se dizer até que são mais reais do que a vida percebida através do ‘senso comum’, por serem extremamente livres e conscientes, em contraste com este mundo, o qual está quase todo escravizado.

Em certos ritos e práticas realizadas, utilizando-se de habilidades que o aprender efetivo nestes caminhos desperta, podemos ir até esse passado diferente, mas temos que ter cuidado para não "onirizar" o que vemos. Podemos ficar limitados ao tentar interpretar a energia percebida se utilizarmos como base um repertório ordinário, fruto de um sistema escravizante.

É importante lembrar que só compreendemos um caminho quando somos unos(as) com o caminho. As raízes da Magia, do Xamanismo e da Bruxaria vem de um tempo onde estávamos naturalmente conectados com a VIDA e seus fluxos, e o Ser Terra que nós habitamos era respeitado, como um feto respeita o ventre que lhe gera. Quem leu a carta do Chefe Seattle ao então presidente dos EUA notará tal consciência que hoje chamaríamos de ecológica. Assim o modo de interagir com a realidade dos povos nativos é muito distante dos modos que surgiram com o desenvolvimento dos impérios e seus modos de domínio.

Quando os humanos começaram a instituir a escravidão entre si ocorreu algo inédito. Pela primeira vez, propositadamente, indivíduos da mesma espécie começam a enfraquecer uns aos outros para se aproveitarem através de forte subjugação. O modo de vida que estava pouco a pouco dominando a espécie humana no planeta é um sistema onde pequenos grupos cuidam de condicionar, do berço à maturidade, novos membros de sua própria espécie para serem servis através da alienação individual com relação a verdadeira natureza do ser. Aproveitando-se de carências naturais ou geradas pela engenharia social através da religião, mídia, sistemas de governo e mecanismos financeiros, políticos e militares, conseguiram transformar a sociedade homo sapiens neste estado de coisas que percebemos hoje. Estamos a beira de um abismo, caminhando em direção ao colapso e aparentemente o sofrimento e a destruição tendem apenas a aumentar. Mesmo assim os pseudo-donos e donas do mundo continuam insistindo em sua empreitada egoica.

Os seres humanos são criados como rebanhos. “O Senhor é meu pastor, nada me faltará”. Senhor, domine, domínio. Quem já andou por granjas e anda pelas cidades ‘grandes’ vê que o sistema de empilhar as galinhas em cubículos sobrepostos e dar-lhes ração e água criou variações interessantes quando aplicado à espécie humana cativa.

Criaram dispositivos como rádios, televisores e telefones que induzem os seres humanos a não desenvolverem a habilidade de usar a própria consciência como veículo para viajar a outros lugares, assim como um conforto para apaziguar e distrair as pessoas com relação aquilo que está verdadeiramente de fato se passando neste mundo.

De Potosi, das minas de prata e ouro no ‘novo mundo’, que invadido pelos conquistadores e pela varíola quase desapareceu da existência, passando pelas explorações que acontecem agora na qual povos nativos são escravizados de formas diversas, das mais óbvias as mais sutis, em todos esses momentos há uma guerra. Os conquistadores e escravizadores subjugando e destruindo o povo nativo em essência e forma, quer pela morte, quer pela escravidão.

E tu que me lês também podes ser mais um dos que estão escravizados neste sistema que criou celas sutis, celas conceituais. A prisão perceptiva é a pedra angular deste sistema que hoje domina. E a liberdade perceptiva é a chave mestra para acessarmos as linhas onde os planos da Magia, da Bruxaria e do Xamanismo coexistem. Nós, que trazemos conosco a fogueira e os tambores dos povos nativos, nos assombramos que os(as) escravos(as) aceitem passivamente tal condição de submissão.

É hilário ver certas definições que pretendem estabelecer verdades finais. Como se a dança das energias espalhadas pelas emanações da Eternidade pudessem mesmo ser limitadas à compreensão linear e racional. O fato de só operar com uma pequena parte de si, leva o ser humano a perceber apenas uma pequena parcela da Realidade Total.

Mas a amplitude está lá, apenas esperando que decidamos usar outros canais para interagirmos com a ETERNIDADE. Uma abordagem que já foi usada antes, a qual tem o respaldo de gerações sem conta de praticantes. A abordagem utilizada no Xamanismo, na Magia e na Bruxaria partilham uma característica fundamental em comum, pode ser ensinada! Transmitida!

Aprende-se. Mas como toda ARTE, pode apenas ajudar a desabrochar o artista em ti, não pode te moldar. Na ARTE a palavra educar reencontra seu sentido etimológico original: 

“Desabrochar na essência perceptiva o que esta traz em si.” 

Cada povo tem sua linguagem, cada espécie tem sua linguagem, composta da interação com a Eternidade a sua volta. Usamos nossa mente para raciocinar, usamos nosso sentir para nos emocionarmos, usamos de nossas habilidades para nos inserirmos concretamente na realidade circundante para apenas reagir a estímulos diversos.

Assim raciocinamos, emocionamo-nos e reagimos. Mas podemos ir além disso. Podemos usar a mente, o sentir e o agir de formas plenas, de maneira que gerem campos de energia tal qual um buraco negro, abrindo portas para outras realidades.


Alguns contentam-se com a ilusão, aguardando que construam máquinas que façam isso. Mas as pessoas podem recuperar o elo com a tradição que se manifesta na Magia, na Bruxaria e no Xamanismo. Caminhos nos quais os(as) praticantes usam o próprio corpo como o mais refinado instrumento de contato com outras realidades, assim como esta própria.

Mas ao apenas ‘falarmos’ estamos nos limitando ao escopo e alcance da linguagem. E vivendo experiências diversas, tocando a realidade através de diferentes sintaxes nos encontramos em uma situação na qual é complicado falar de mares àqueles que viveram toda a vida no fundo de um poço.

Assim, antes de falarmos de outros mundos, temos que reconsiderar nossa própria percepção deste mundo. Esse mundo maravilhoso no qual estamos, mas ao qual também fomos embotados. Percebemos fragmentos da realidade. Vivemos de forma incidental e não com presença e profundidade verdadeira. 

O que sentes agora? Como está tua respiração? Que sons, imagens, cheiros te circundam? Quais são as sensações térmicas que estás percebendo?

O Xamanismo, a Magia e a Bruxaria funcionam sempre que há sinceridade por parte de quem os procura. Todas as tradições reconhecem o fato de que quando nos pomos a lutar para encontrarmos com a Verdade, ela também começa a lutar por nós, se põe a caminho e fará todo o possível para nos encontrar também³.

Ler sobre atos de poder nos faz acessar contos de poder e os contos de poder têm a inquietante capacidade de nos colocar em contato com o mundo mágico.

Há um tambor batendo no peito de cada um de nós. Há uma fogueira no interior do coração. Como está tua fogueira interior? Plena? E a luz presente no brilho de teus olhos? Quanto poder está presente nos teus atos?

Estará tal fogueira já em cinzas, fria, apenas tocos queimados de madeira sem luz nem calor? Por que isso está assim? 

O Xamanismo, a Magia e a Bruxaria acreditam que cada um de nós pode evocar uma vez na vida o Grande Fogo. O Irmão Fogo no seu aspecto Vida. Quando o Fogo é evocado em tal rito, se houver uma chispa de brasa em nossa fogueira interior, será a partir dela que a fogueira será plenamente acesa de novo. Não será este o teu momento de reacender tua fogueira interior?

E sem o calor interior da tua fogueira, sem a luz da mesma, irás usar o poder para buscar fora de si coisas que já tens em ti mas que ainda não encontrou. Essa é a primeira armadilha de quem busca o poder sem antes acender sua fogueira interior: querer usar do Poder para sanar suas carências, irresoluções e tudo mais que resulta de estar ausente de si mesmo.

Existem caminhos para recuperar o poder pessoal perdido, o Xamanismo, a Magia e a Bruxaria são caminhos que levam a esta meta. Portanto, quando vamos nos aproximar do Xamanismo, da Magia e da Bruxaria, mesmo que só aqui, para ler sobre tais linhas, é importante compreender que nossa energia deve estar bem sintonizada, ampla, presente.

Do contrário a verdadeira informação será perdida e apenas uma compreensão linear e limitada, reduzida a interpretações medianas, será notada. Se espreguice, não leia apenas, ouse fazer, se espreguice para valer enquanto lê. Abra a boca, boceje! Alongue os dedos do pé, os dedos das mãos, alongue bem! Inspire, expire. Solte e relaxe. Relaxe de uma vez!

Se pôs em prática o que leu acima vai notar que é bem diferente ler assim, em vez de apenas ler passivamente. Volte três parágrafos acima e leia de novo. Fazendo o exercício, vai notar que teu corpo estará bem mais ‘esperto’ quando terminar de ler o parágrafo.

Tu lestes com o corpo quando fizestes o exercício. Esta leitura corporal é mais ampla do que ler somente com os olhos e decodificar as palavras.

Leia: “A mão mexe em algo”. Isto é só um conto de poder! Faça! Sim! Faça aí onde estás. Mexa algo aí onde estás. Mexeu em algo? Causaste uma alteração real, efetiva na realidade a tua volta.

O Xamanismo, a Magia e a Bruxaria são atos, portanto só ler sobre eles é uma parte muito pequena para se fiar em algo. Temos que observar a nós mesmos, nos sentir em nossas próprias vidas para que a partir de uma auto-observação sincera e plena possamos ter elementos a fim de realmente entender aquilo à que estamos nos referindo quando falamos de Magia, Xamanismo e Bruxaria.

Assim sendo, sugiro um exercício importante para você praticar no dia a dia durante o período em que lê este livro. Cada vez que a palavra forma-pensamento “Eu” passar pela sua cabeça, note e anote.

Existem várias formas para anotar. Tu podes colocar vários palitos de fósforo ou grãos de arroz em um bolso da calça, e cada vez que a palavra forma-pensamento “eu” aparecer em seu campo mental, propositadamente ou não, passe um palito ou grão para o outro bolso, ao final do dia tente lembrar de cada momento em que o termo “eu” passou pela sua cabeça e confira se o número de lembranças é o mesmo de palitos ou grãos que usou para contar.

O ideal é que apenas se tire os palitos ou grãos do bolso depois de ter sido feita essa lembrança. É um exercício que ativa certos níveis de conexões internas que permitem acessar uma qualidade de energia sutil, a qualidade de energia que nos permite entender melhor que a ‘Intenção’ desses(as) xamãs, magistas e bruxos(as) da ancestralidade ainda está viva e que nós podemos nos conectar a esta linha de força.

Isto é uma informação que as linhagens xamânicas, mágicas e bruxas da Tradição tem em comum também, são caminhos com conexões profundas, cujas estruturas interiores estão em harmonia com o fluxo do próprio Tao, da Eternidade, do Intento.

O que diferencia uma linhagem tradicional efetiva nestes caminhos de uma falsa, é a realidade da energia primordial que trazem em si. Em diferentes religiões dão diferentes nomes a isso, ‘graça’, baraka.

Quando o caminho que se coloca como xamanismo, magia ou bruxaria tem mesmo essa energia viva, por transmissão direta, há uma conexão com um nível de poder muito mais amplo. Quando conectados(as) a uma linhagem assim cada esforço que empenhamos rumo a nossa meta reverbera com a própria linhagem a qual, em contrapartida, também trabalha em nós.

É sobre isso que falamos aqui. Não em definir xamanismo, bruxaria ou magia de forma linear, em conceitos tirados do sistema que se esmera em negar tais abordagens da realidade.

O que trabalhamos aqui é para o mergulho de cada um, que por estas palavras aqui se sintoniza, com a realidade vida que reflete tais caminhos. E para perceber isso há uma pergunta que tens de responder ao guardião deste portal, pois só a resposta sincera poderá realmente lhe levar para o próximo momento deste encontro. A questão é:

Qual a realidade da sua vida?

É uma pergunta dinâmica, que respondes dia a dia, instante a instante. A qualidade da tua resposta determina a qualidade da tua compreensão do que vem pela frente.

Nuvem que Passa

Notas

¹
Segundo Alvin Toffler teríamos três ondas ou três grandes mudanças na história humana gerada pelo avanço tecnológico:
  
3ª Onda = Revolução Tecnológica ou Informacional (sociedade pós-industrial);
2ª Onda = Revolução Industrial (sociedade industrial - século XVII);
1ª Onda = Revolução Agrícola (sociedades rurais ou agrárias).

Poderíamos dizer que os bruxos, xamãs e magistas de fato intentam uma 4ª onda: a revolução da percepção ou, metaforicamente, o sonho dos mil gatos. Para bruxos, xamas e magistas uma quarta onda poderá ser possível se atentarmos para o fato seguinte: a maior das tecnologias que dispomos é o potencial desconhecido dentro do ser humano.

²
Como não raras vezes a ficção revela a realidade fica a sugestão cultural: livro e série "O Homem do Castelo Alto", tal obra aborda a questão das diversas linhas temporais, do multiverso e de diferentes faixas de realidade coexistindo simultaneamente. Tal obra é do autor de Caçador de Androides, Philip K. Dick.

Wikipédia: Philip Kindred Dick ou Philip K. Dick, também conhecido pelas iniciais PKD, foi um escritor norte-americano de ficção científica que alterou profundamente este gênero literário, explorando temas políticos, filosóficos e sociais, autoritarismo, realidades alternativas e estados alterados de consciência.

³ A ideia deste parágrafo é bem ambientada numa cena do filme Matrix (1999), no diálogo inicial entre Neo e Trinity numa boate:

Neo: - O que é a Matrix?

Trinity: - A resposta está lá fora, procurando por você e vai encontrá-lo, se você quiser.



Este é um conceito fundamental e o início de tudo em termos da Bruxaria, da Magia e do Xamanismo. Nesse último a auto-observação é chamada de espreita de si, mas não nos deixemos enganar pela simples palavra, pois o conceito para ser de fato entendido precisa ser praticado. Fica-se muitos anos no esforço constante de buscar observar-se até que isto ocorra de fato. Recomendamos nesse sentido um texto do autor chamado "O Trabalho".




quarta-feira, 24 de janeiro de 2024

Há duas espécies de amor.




Há duas espécies de amor.

Um é o amor de escravo.

O outro deve ser adquirido pelo Trabalho.

O primeiro não tem valor algum; só o segundo, o amor que é fruto de um trabalho, tem valor. É o amor que todas as religiões falam. Se você amar, quando "isso" ama, esse amor não depende de você e não haverá nenhum mérito nisso. É o que chamamos de amor de escravo.

Você ama até mesmo quando não deveria amar. As circunstâncias fazem-no amar mecanicamente.

O verdadeiro amor é o amor cristão (Gurdjieff emprega esse termo em seu sentido original e não no sentido corrente), religioso; ninguém nasceu com esse amor.

Para conhecer esse amor, você deve trabalhar. Algumas pessoas sabem disso desde a infância; outros só o compreendem numa idade avançada. Se alguém conhece o amor verdadeiro, é porque o adquiriu ao longo da vida. Mas é muito difícil aprender isso. É impossível começar a aprendê-lo diretamente com as pessoas. O outro sempre nos toca vivamente, põe-nos em guarda e nos dá pouquíssimas chances de tentar.

O amor pode ser de diferentes espécies. Para compreender de que tipo de amor falamos, é necessário defini-lo.
Neste momento, falamos do amor para a vida. Em toda a parte onde haja vida, a começar pelas plantas e pelos animais, numa palavra, em toda a parte onde exista a vida, há amor. Cada vida é uma representação de Deus. Quem puder ver a representação, verá Aquele que é representado. Cada vida é sensível ao amor. Mesmo as coisas inanimadas, como as flores, que não tem consciência, compreendem se você as ama ou não. Até a vida inconsciente reage de uma maneira diferente diante de cada homem e faz eco as suas reações.
O que você semeia você colhe; e não apenas no sentido de que se você semeia trigo colherá trigo. A questão é como você semeia.
O trigo poderá tornar-se literalmente palha. Na mesma terra, pessoas diferentes podem semear as mesmas sementes e os resultados serão diferentes. Mas estas são apenas sementes. O homem certamente é muito mais sensível ao que é semeado nele. Os animais também são muito sensíveis, embora menos que o homem. Por exemplo, X. tinha sido encarregado de cuidar dos animais. Vários deles adoeceram e morreram, as galinhas punham cada vez menos, e assim por diante. Mesmo uma vaca dará menos leite, se você não gostar dela. A diferença é realmente espantosa. O homem é mais sensível do que uma vaca, mas de modo inconsciente.

E se você experimentar antipatia ou ódio, por uma pessoa, será apenas porque alguém semeou algo de mau em você.

Aquele que deseja aprender a amar o próximo deve começar tentando amar as plantas e os animais.
Quem não ama a vida não ama a Deus.
Começar tentando logo amar um homem é impossível, porque esse homem é como você, e, em resposta, o atacará. Um animal, no entanto, é mudo e se resignará tristemente. Eis porque é mais fácil se exercitar primeiro com os animais.

Para um homem que trabalha sobre si mesmo é muito importante compreender que só se pode operar uma mudança nele se ele mudar de atitude em relação ao mundo exterior. 

Geralmente você não sabe o que deve ser amado e o que não deve ser amado, porque tudo isso é relativo; em você, uma só e mesma coisa vai ser amada e não amada, enquanto objetivamente há coisas que devemos amar ou não amar. Daí por que, praticamente, é preferível deixar de pensar no que você quer chamar de "bom" ou "mau" e só agir quando tiver aprendido a escolher por si mesmo. 

Agora, se você quiser trabalhar sobre si mesmo, deve desenvolver em si diferentes atitudes. Não comece pelas coisas grandes, que são inegavelmente reconhecidas como más; exercite-se desse modo:
se amar uma rosa, tente não amá-la; e se não a amar, tente amá-la.
É melhor começar com o mundo das plantas. A partir de amanhã, tente olhar as plantas como nunca as olhou ainda. Cada um de nós é atraído por certas plantas e não por outras. Talvez ainda não tenhamos notado isso. Você deve olhar primeiro a planta, depois trocá-la por outra, observar e tentar compreender por que existe essa atração ou aversão. Estou certo de que cada pessoa experimenta ou sente alguma coisa. É um processo que se passa no subconsciente e a mente não vê. Se você começar, no entanto, a olhar conscientemente, verá muitas coisas, descobrirá muitas "Américas". As plantas, como os homens, tem relações entre si e há também relações entre as plantas e os homens, mas de vez em quando elas mudam.
Todas as coisas vivas estão ligadas umas às outras. Isso se aplica a tudo que vive . Todas as coisas dependem umas das outras.
As plantas agem sobre os humores do homem e o humor deste age sobre o mundo da planta. Durante toda a nossa vida faremos a experiência disso. Até mesmo as flores em vasos viverão ou morrerão em função de nossos humores.


- "Amas-me? Perguntou Alice.

- Não, não te amo! Respondeu o Coelho Branco.

- Alice franziu a testa e juntou as mãos como fazia sempre que se sentia ferida.

- Vês? Retorquiu o Coelho Branco. - Agora vais começar a perguntar-te o que te torna tão imperfeita e o que fizeste de mal para que eu não consiga amar-te pelo menos um pouco. Sabes, é por esta razão que não te posso amar. Nem sempre serás amada Alice, haverá dias em que os outros estarão cansados e aborrecidos com a vida, terão a cabeça nas nuvens e irão magoar-te. Porque as pessoas são assim, de algum modo sempre acabam por ferir os sentimentos uns dos outros, seja por descuido, incompreensão ou conflitos consigo mesmos. Se tu não te amares, ao menos um pouco, se não crias uma couraça de amor próprio e de felicidade ao redor do teu Coração, os débeis dissabores causados pelos outros tornar-se-ão letais e destruir-te-ão. A primeira vez que te vi fiz um pacto comigo mesmo: "Evitarei amar-te até aprenderes a amar-te a ti mesma!"

Lewis Carrol

Auto-estranhamento


Eu não sei dizer quem sou...

Mas sei que não sou o mesmo de outros ontens.

Contudo, quem sabe?

O tempo seria um espelho no qual vejo diferentes passados? 

Ou um jogo de cartas marcadas pela morte?

E se a vida continua quem permanece? Quem desvanece? Quem se esquece ou quem se lembra? 

Nesses momentos o ponto (de interrogação) que sou estremece.

Qual a pergunta que nunca foi feita?

Sou um entrante de mim mesmo?

Como posso modificar o que sou quando o que sou é modificação?

Posso revolucionar-me?

De todas as revoluções há aquela que é mais difícil, apesar de totalmente possível, portanto não utópica, onde tudo favorece em seu desfavor e para a qual não há desculpas, pois esta revolução muito própria e solitária é, ao mesmo tempo, estranha e comum (a todos), na qual o ser só pode vir a sucumbir diante de si. Ou não. 

Eis a solidão do(a) guerreiro(a).

DR


sexta-feira, 19 de janeiro de 2024

A espada de duplo fio da inveja

“Não sejamos ávidos da vanglória. Nada de provocações, nada de invejas entre nós” (Gal 5, 26).

A inveja é alegria e tristeza ao mesmo tempo, alegria pela tristeza do outro e tristeza pela alegria do próximo, é o pecado oculto, ninguém o admite e isto ocorre por que há um outro pecado que esconde a inveja. A inveja como pecado é tão humilhante, mais tão humilhante que seu sujeito não quer se ver e faz tudo para não se ver, e isto mesmo é a inveja, in_veja, um não ver. Ninguém que ver em si algo tão dilacerante para um outro pecado, pecado capital: o orgulho. É o orgulho que não pode admitir a inveja, pois este reconhecimento implica em olhar a nossa derrota, a nossa inferioridade, a nossa incapacidade. O orgulhoso só quer sair sempre vitorioso e ter a última palavra. O invejoso quer ver apenas a derrocada do outro, mas não a própria, por isto Dante Alighieri apresentou o invejoso com os olhos costurados por arame em seu Purgatório.

Naturalmente, a inveja é um pecado óbice para aqueles que buscam se auto-conhecer, pois nos impede de ver a nós mesmos, assim como a ira que cega e o orgulho que ofusca, a inveja nos impede de ver antes de tudo a nossa própria singularidade, pois sobrevive apenas num desejo de comparação entre pessoas que não podem ser na verdade comparadas, pois todos somos únicos. Se reconheço em cada um a sua própria singularidade como a inveja pode subsistir? Mas vivemos numa sociedade que estimula a comparação constantemente apesar de sermos incomparáveis.

A inveja possui dois servos fiéis e usa destes dois servos fiéis para secretar o seu veneno, são servos poderosos e operam através da língua humana como se fossem dois demônios ou dois obsessores, para usar a linguagem mais moderna, a versão atualizada da palavra demônio: obsessor.

Se a inveja for vista como uma espada pontiaguda estes dois obsessores compõe a espada de duplo fio da inveja: a crítica e a fofoca.

A crítica e a fofoca compõe a assessoria de imprensa da inveja, uma assessoria de bastidores e esgotos.

Reparem que tanto um como o outro seguem o mesmo estilo de sua senhora inveja, nunca se apresentam, sempre se dão pelas costas, as escondidas, agem de forma astuta, velada, secreta, de forma indireta pois não podem revelar a sua senhora sempre envolta em trevas, em cantos escuros e mentiras. Como o invejoso, o crítico da vida alheia e o fofoqueiro sempre realiza suas falas pelas costas daquele que é o objeto de sua língua ele revela uma outra qualidade terrível que o próprio Dante Alighieri coloca no último círculo dantesco. Imagine alguém que por trás fala mal e pela frente lhe trata bem, lhe cumprimenta abraça e até beija. Isto nos lembra Judas que traiu Jesus (terá traído mesmo? Dizem, e essa é fala fofoqueira por excelência, pois o fofoqueiro sutil coloca sempre o sujeito elíptico para encobrir a si mesmo, que Jesus a cruz rogou ao pai da seguinte forma: - Por que me abandonastes?) com um beijo e nos faz perguntar: quem não tem inveja?

Quem não tiver apresente-se, trata-se de uma raridade, tão rara que dá até para desconfiar.

Já a inveja é legião.

E horrorizados vemos aquilo que não consegue olhar com alegria pelo bem que o outro é.

E vemos que nos fizemos tal como somos pela própria inveja não admitida.

Porque admiti-la destrói o nosso ser no mundo, por isso está escondida de ti por trás da ira, da crítica , do sacrifício ou da falsa rebeldia, com seus rebentos disformes da reclamação, da fofoca e do despacho de língua ferina.

Inveja. Veja in, olhe dentro, expurgue-a pelo olhar compreensivo, na figa da auto-observação, pois cada qual possui um dom divino para benefício de todos.

Oh, auto-estima minada!
Ó mediocridade de si!
Ó maldita e mal-olhada, escondes em ti teu próprio bem.




domingo, 7 de janeiro de 2024

Sabemos, realmente, que somos mortais?


Sabemos, realmente, que somos mortais?

O fato da morte, da dissolução ao final desta existência nos coloca em um ponto completamente diferente de todos os caminhos tidos por espiritualistas e esotéricos hoje em moda.

"Espreitamos a nós mesmos como seres mortais ou imortais?"

A diferença do enfoque desta espreita é determinante em nossas posturas existenciais.

Conversando com muitas pessoas em situações diversas noto muitas delas alegando que trabalham com os paradigmas toltecas, mas neste ponto da continuidade da existência tentam sempre elocubrar, tergiversar, enfim, há sempre um "medo" de encarar a morte como o evento que dissolve nossa existência individual.

Concordo contigo na reação a esse fato, há um "sobressalto" inicial, por vezes assustador, mas logo depois vem a certeza que tudo que temos é esse "aqui e agora".

É tão profundo este jeito de viver, de se relacionar com o mundo, cada instante, cada momento, pode ser o momento final, pode ser o ponto final em nosso discurso existencial, assim, para alguém que lida com esta abordagem do caminho, não há dúvida que cada instante é tudo que temos e a qualidade de nossa vida em cada momento determina se estamos fluindo pelo Mar Escuro da Consciência ou continuamos na condição de navegantes num rodamoinho artificial, que nos leva para o fundo tendo a ilusão que estamos indo para algum lugar.

Está demonstrado que a energia disciplinada e focada é "ruim" para os predadores, eles não apreciam esse estilo de comportamento, assim agir com foco e disciplina é impregnar nossa energia pessoal de um "gosto" que não agrada os predadores.

Quando nos conscientizamos que só há o aqui e agora, tudo muda.

Descobrimos que não podemos perder tempo, não podemos nos manter num caminho sem coração, pode não haver um amanhã ou um "depois" para dizermos a quem amamos, o tanto que amamos, para fazer em cada momento de nossas vidas o que queremos e não o que querem por nós.

Precisamos olhar a nossa realidade circundante e corajosamente questionar : estou num caminho com coração?

É aqui que gostaria de estar?

Se houver um não como resposta a questão é: por que não mudamos já?

Ou estamos esperando papai do céu?

É radical, é revolucionária a proposta de vida daí resultante.

Sem dúvida alguma é a plena compreensão desta abordagem que nos dá a força e a integridade para fazermos de cada ato um gesto para o infinito, um gesto para a Eternidade.

É muito bom enfatizar isso pois tem pessoas que se aproximam das propostas Toltecas achando que estão em alguma religião que se "seguirmos os preceitos" encontraremos alguma "recompensa", "reinos do céu", " prêmios sagrados".

Total ilusão.

Um trabalho de vida inteira pode resultar em nada, pode levar a lugar nenhum.

É interessante compreender que pode haver um sobrevivência de personalidade após a morte física.

Temos muitos casos em várias tradições de seres que continuam a se comunicar após a morte, mas o que o caminho Tolteca coloca é que nestes casos temos "filamentos" sobrevivendo, os mesmos filamentos que voltam para a Eternidade um dia, os mesmos filamentos que vão e voltam, "encarnado" em outros seres e confundidos com "minha vida anterior" pelas práticas reencarnacionistas.

O conjunto de fibras que "animamos" durante a vida pode se cristalizar, há cristalizações de vários tipos, este ser pode sobreviver se, por diversos caminhos, tivermos criados um corpo de energia, vai sobreviver ainda mais tempo se certas medidas forem tomadas, vejam o trabalho dos ancestrais em mumificar o corpo ou agir de formas outras para garantir que o corpo dure por muito tempo.

Mas todas estas práticas apenas geram uma sobrevida, não a pretensa imortalidade.

No Fogo Interior D. Juan Matus revela uma linhagem de desafiadores da morte que enterraram seus corpos físicos em certos locais do México, o problema dessas práticas é que levam a um estado de continuidade, mas não de liberdade.

A sutileza do Caminho Tolteca, revolucionariamente ele não apenas trabalha as questões dos(as) desafiadores(as) da morte mas foi além, descobriu esta possibilidade, essa chance que temos de ter chance de reivindicar o "presente da águia", podermos entrar noutra condição de atenção, noutra condição de realidade que não é nem a primeira atenção, esta que nos circunda, nem a segunda atenção, que abrange mundos outros que não este, mas um estado misterioso, chamado de terceira atenção, onde, após morrermos e abandonarmos esta primeira e segunda atenção, após devolvermos a consciência que nos foi "emprestada" para a desenvolvermos com nossas experiências, podemos reivindicar, se tivermos energia e intento para isso, um estado existencial distinto.

Mas tudo isto são possibilidades, algo que "pode" acontecer, para o qual não temos nenhuma certeza.

Por isso, a meu ver, o (a) praticante do caminho Tolteca, intenta estes objetivos com sua mais profunda percepção e isto reflete na VIDA.

Para meu entender, praticar as propostas do Caminho Tolteca é um ato de cada instante, de cada momento, cada mínimo ato é um profundo desafio.

Ler este mail, a postura que estamos, nosso cocar colocado, nossa sintonia, atos simples como lavar um copo, andar, estar onde estamos, tudo isto é tido como um desafio, como um trabalho para ampliar a consciência e nos afastar da condição robotizante que é a " normal" e nos despertar para as tremendas possibilidades ao nosso alcance.

Fomos condicionados a agir como máquinas, em vários setores de nossas vidas, estar aqui e agora, pleno, isto muda tudo, se nos conscientizamos que a vida é única, que esta vida é tudo que temos de fato, que este momento é nosso único e efêmero instante, tudo muda, nossa qualidade de existência se transforma para outros valores e podemos ousar deixar de sermos robôs e entrarmos na condição distinta de seres vivos, auto-conscientes.

Estou numa empresa que dou consultoria em São Paulo. Fico observando como as pessoas são sugadas na cidade grande para estarem mais robotizadas, fora dos ciclos da natureza.

Agora enquanto escrevia este mail fui até a linha de produção passar para eles uns exercícios físicos de alongamento, destinado a evitar LER (lesões por efeitos repetitivos).

Fiquei observando como as pessoas fazem as coisas automaticamente, nestes momentos que paramos para estes exercícios há uma mudança do "automatismo", por alguns instantes elas estão ali mais presentes, o sorriso, os comentários, é incrível observar como a energia muda por alguns instantes.

Mas alguns instantes depois já voltam a uma participação mais "dormente".

E nós?

Como estamos?

O dia todo, cada instante é um desafio ou temos "momentos" e depois permitimos que os "problemas" do dia a dia, nossas atividades outras nos consumam e nos adormeçam?

O desafio do (a) praticante de caminhos como o Tolteca é justamente ir além do automatismo, é despertar de fato para nossas potencialidades interiores.

Só aí temos vida, antes temos sobrevivência.

É muito interessante observar isso.

Não fomos "criados" para este estado, não é nosso destino "evoluirmos" para esta condição.

Não é um “caminho" espiritual.

O Caminho Tolteca é uma descoberta, resultado do estudo, da observação, dos erros e acertos de gerações incontáveis de homens e mulheres.

É muito trabalhoso porque não é "natural", é um caminho de desafios constantes e crescentes.

É muito importante entender isso, o Caminho Tolteca não é uma "revelação".

Se estudamos com cuidado vamos notar que no começo o caminho Tolteca ajudou a induzir muito erros, vejam os ancestrais desafiantes da morte, as armadilhas sutis que caíram.

Notem por exemplo quantos praticantes caíram no mundo dos seres inorgânicos, os desafios iniciais quando julgavam que a segunda atenção era um mundo "espiritual", "superior", como tantos caminhos ainda hoje julgam ser, enfim, tais equívocos só foram superados pela prática e observação de incontáveis gerações.

E é interessante observar que muitas práticas que são apresentadas como Xamanismo hoje, são abordagens dentro desses paradigmas ancestrais.

Os (as) Toltecas não foram apenas um povo no sentido étnico. A comunidade xamanística Tolteca foi um estado de consciência, atuando em vários pontos de uma vasta região.

Eventos intensos foram forçando mudanças perceptivas quanto a realidade.

Foram momentos duros, como a invasão e subjugação, primeiro pelos povos nativos mesmo, como Astecas e outros, depois pelos conquistadores europeus que levaram o Caminho Tolteca a afastar-se de tudo que era mera fantasia e buscar um pragmatismo cada vez maior e efetivo.

Dentro de sua tribo os(as) Toltecas eram capazes de manipular o ponto de aglutinação de todas as pessoas que estavam ali, mas quando chegaram os invasores tudo mudou, poderosos(as) xamãs morrendo como moscas.

Os(as) sobreviventes foram então avaliar, avaliar como eles sobreviveram e os outros não, como seus " aliados" os ajudaram e aos outros não e então muita coisa mudou, pois começaram a perceber que a questão chave estava no "poder pessoal".

Hoje somos herdeiros desse caminho, os novíssimos videntes.

Os antigos videntes, adeptos de práticas que valorizavam mais os fenômenos e o contato com a segunda atenção como se ela fosse um mundo "espiritual" e tal, evoluiu para o caminho dos novos videntes, quando sob ataque de grupos diversos os herdeiros e herdeiras do Caminho foram se aprofundando em práticas mais profundas e de efeitos pragmáticos e hoje, graças a ação implacável do Nagual de 3 pontas, podemos partilhar deste milenar saber e arriscarmos nossa chance de continuar a aventura que nos é proposta, a chance de termos chance.

Cá estamos, praticantes deste desafio intentando esse sonho fugidio.

Nuvem que Passa
 Qui Jul 4, 2002 10:17 am

Homenagem à Morte com Mantra



quinta-feira, 21 de dezembro de 2023

O diabo mora nos detalhes




Eis um ditado que vem bem a calhar, pois aqui, no Trabalho sobre si, começamos do pequeno para o grande, do arremate para o todo, pois esse arremate é como um fractal, de um detalhe conduz a outro até que lá na frente se tem a obra inteira.

O aspirante ao caminho do guerreiro precisa se ater aos eventos do seu viver, aos hábitos do dia a dia, espreitar a si mesmo a partir das minúcias, recapitular o seu cotidiano, que é sempre uma espécie de retrato 3 por 4 de nossa vida inteira. Não se começa nesse árduo caminho lutando as grandes causas, demandando contra os grandes “demônios” ou enfrentando desafios que são muito maiores que a capacidade inicial de um aspirante.

Querer abraçar grandes causas é uma das piores formas de auto-engano, pois sem muita energia acumulada e sem uma vontade forjada em batalhas menores e vitoriosas não será possível vencer os maiores desafios tais como a luta contra a vaidade, o domínio da energia sexual ou castidade (aqui num sentido técnico e não moral) e a conquista do silêncio interior. Estas coisas devem ser perseguidas a partir de pequenos passos, gradualmente, suavemente, sem forçar, sem obsessões.

“Se for para um guerreiro ser bem-sucedido em alguma coisa, esse sucesso deve vir com suavidade, com muito esforço, mas sem tensões nem obsessão” – A Roda do Tempo.

Nos livros o Nagual narra algumas lutas nesse âmbito dos hábitos cotidianos, tais como o seu vício por queijo, que lhe causava males no estômago, seu vício por cigarros que foi superado por uma manobra do Nagual Juan Matus. Já nos seminários de Tensegridade ficou clara a importância de libertar-se do vício do café e do açúcar. Aspirantes tinham como premissas para adentrar ao caminho livrar-se de tais hábitos. Esses são exemplos de desafios menores sem os quais não há efetivamente como prosseguir no caminho.

A elegante magreza característica de vários aprendizes do Nagual e instrutores de Tensegridade também nos revela o quão importante é neste caminho ser leve, fluido e ter um estilo de alimentação sóbrio. Obviamente, os naguais não estão preocupados em ser politicamente corretos, apenas apontam para seus aprendizes que o excesso de peso é a marca da negligência e da auto-piedade estampadas no corpo. A crítica aqui não é à condição humana em geral, mas voltada tão somente para os pretendentes ao Nagualismo.

Isso reflete a importância, não de natureza estética, mas de ordem funcional que davam e dão a uma excelente condição física:

“Se você quer destreza física e sensatez, precisa de um corpo flexível. Esses são os dois aspectos mais importantes na vida do xamã, porque trazem sobriedade e pragmatismo: os únicos requisitos indispensáveis para entrar em outros domínios de percepção. Navegar de uma maneira genuína do desconhecido, requer uma atitude de ousadia, mas não de imprudência. Para estabelecer um equilíbrio entre a audácia e a imprudência, um feiticeiro precisa ser extremamente sóbrio, cauteloso, habilidoso e estar em excelente condição física” – Passes Mágicos.

Então devemos começar pelos detalhes, pelos pequenos hábitos que drenam a nossa energia e a viciam. Devemos espreitar a nós mesmos em nosso dia a dia para que possamos identificar quais são os padrões de comportamentos que levam a nossa energia embora.

“Os guerreiros elaboram listas estratégicas. Anotam tudo o que fazem. Depois decidem quais dessas coisas podem ser mudadas de modo a permitir que poupem parte da energia que despedem” – O Fogo Interior.

É justo o superar desses hábitos drenantes de nossa energia que vão nos permitir acumular energia suficiente para lograr sorte, sucesso e abundância como decorrência de nosso poder pessoal, que decorre não de uma conquista de natureza egoica, mas justamente o contrário.

O ego é uma construção fundamentada num conjunto de hábitos.

O guerreiro é uma desconstrução fundamentada na liberdade de percepção.

A energia pessoal é a matéria-prima, a chave alquímica que nos permite adentrar em outras faixas de realidade para além da ordinária onde o homem comum é prisioneiro.

Escolha um hábito drenante de energia para ser eliminado e transforme esse objetivo no “seu deus”, como disse Gurdjieff no texto que disponibilizamos aqui, chamado “Atenção e Pequenos Hábitos”. Leia e releia este texto, compreenda a importância de ser humilde e começar a dar passos reais no caminho de acordo com as suas forças.

A humildade está no início e ao longo de todo o caminho, o que nos impede de seguir é justamente o contrário: a vaidade, que nos faz achar que somos algo quando não somos nada. Assim é de bom tom começar humilde, pela base, nos detalhes, pois aí também mora o Diabo.

terça-feira, 12 de dezembro de 2023

O Guardião - uma história sobre a espreita de si


No Judaísmo existe uma escola rebelde de mistério chamada Hassidismo. Seu fundador, Baal Shem, era um ser estranho. A meia-noite voltava do rio. Essa era sua rotina, porque no rio, de noite, havia uma calma e uma quietude absolutas. Sentava-se ali, sem fazer nada – apenas observando o seu próprio ser; observando o observador. Essa noite, quando voltava, passou pela casa de um homem rico e o vigilante estava de pé em frente à porta. O vigilante estava intrigado porque a cada noite, exatamente a mesma hora, voltava esse homem. Saiu e disse:

- Perdoe-me a interrupção, porém já não posso conter minha curiosidade. Uma pergunta me persegue dia e noite. O que fazes? Para que vais ao rio? O segui muitas vezes e não há nada; a única coisa que fazes é sentar-se ali horas e horas, e depois voltas à meia-noite.

Baal Shem respondeu:

- Já sei que me seguistes várias vezes, porque a noite é tão silenciosa que pude ouvir teus passos. E sei que todos os dias te escondes atrás do portão. Porém não apenas sentis curiosidade por mim, eu também sinto curiosidade por ti. O que fazes?” O guardião contestou:

- A que me dedico? Sou um simples vigilante.

Então Baal Shem lhe disse:

- Deus meu, me falastes a palavra chave. Minha ocupação é essa também.

O guardião disse:

- Porém não entendo; se és um vigilante terias que estar vigiando alguma casa, algum palácio. Que estás vigiando sentado na areia do rio?

Baal Shem respondeu:

- Existe uma pequena diferença: você vigia que nada de fora entre no palácio; eu simplesmente vigio a este vigilante. Quem é esse vigilante. Esse é o esforço de toda a minha vida; vigio a mim mesmo.

O guardião lhe disse:

- Porém esse é um trabalho muito raro! Quem lhe vai pagar?

E ele respondeu:

- A felicidade é tanta, o gozo é tão grande, é uma benção tão imensa que é uma recompensa em si mesma. Apenas um momento e todas as riquezas do mundo não são nada em comparação.

O vigilante disse:

- Isso é muito raro... eu passei a vida vigiando e jamais topei com uma experiência tão formosa. Amanhã à noite vou acompanhar-te, quero que me ensines, porque eu sei como vigiar, porém, me parece que faço isso numa certa direção e você olha para uma direção diferente.

Osho.


terça-feira, 14 de novembro de 2023

Visão de um espreitador, por Gurdjieff


A ioga é precisamente a sujeição da vida ao jugo das ideias. A palavra "yoga", que vem do sânscrito, quer dizer unir...

Aquele que compreende fala de outras coisas, da vida interior e não da exterior.

O caminho certo é acabar com o conflito entre a vida das ideias e a vida cotidiana. Para isso é necessário conhecer a si mesmo. Saber a cada momento o que se está fazendo e por quê. Só então seremos senhores das coisas e não seus escravos. Em geral satisfazemos nossos desejos antes de pensar se são necessários a nossos objetivos superiores.

Procure viver de maneira a manter-se vigilante quanto às suas ações e não fazer nada que não sirva aos propósitos mais elevados. Ou, em outras palavras, aprenda a fazer tudo de modo a servir a um propósito superior.

Isto é possível. Se alguma coisa for particularmente difícil, considere-a como um exercício. Lembre-se que tudo que é difícil de ser feito tem o objetivo de sujeitar-nos ao espírito. Assim, tudo se tornará mais fácil e terá um significado. Mas, não importa o que estejamos fazendo, é de importância vital perguntar, antes de cada pensamento, de cada palavra, de cada ato:

Por que faço isso? É necessário?

E então, imperceptivelmente, muitas de nossas ações e atos deixarão de ser desnecessários, e passarão a servir a fins superiores.

O conflito interno em nossa vida, então começará a desaparecer e será substituído pela harmonia.

Aprenda então a repousar: isto talvez é o mais importante. Aprenda a não pensar, a controlar seus pensamentos.

Pergunte-se com frequência, se é necessário pensar no que está pensando, ou se seria melhor pensar sobre outra coisa, ou melhor ainda não pensar em nada?

Isto é o mais difícil, mas é essencial. Aprenda a pensar e não pensar. Saiba coma parar os pensamentos. Seja capaz de criar um silêncio interior. Chegará o momento em que ouvirá a voz do silêncio. Esta é a primeira e mais importante ioga.

Quando ocorrer, quando começar a ouvir a voz do silêncio (no Nagualismo é chamado como voz de ver), então novas forças e capacidades começarão a aparecer.

A princípio serão vagas e imprecisas; mais tarde, porém, tornar-se-ão tão obedientes à sua vontade quanto o olhar, a audição e o tato.

Mas tudo deve ser aceito calmamente, sem pressa, sem forçar a atenção sobre o progresso interior, pois a atenção forçada pode impedir o desenvolvimento de novas capacidades.

Então será necessário aprender a ver cada objeto como um todo. Compreende o que isto significa?

Normalmente vemos apenas as partes de uma coisa; seja apenas o começo sem qualquer continuação e o fim; ou o meio, ou o fim. Procure ver sempre tudo como um todo. Para chegar a este ponto, comece a pensar em tudo ao inverso; não tome o princípio sem o fim.

E começará então a ver muito mais das coisas que vê hoje.

Clarividência é ver cada vez de uma perspectiva mais alta, mais abrangente, aos poucos nos apercebemos de muito mais.

Para alcançar estas capacidades, em primeiro lugar é preciso que nos tornemos senhores daquilo que já possuímos: nós mesmos. Para isso podemos nos indagar, a cada hora, o que fizemos durante esta hora? Os iogues fazem isto a todo instante. A prática constante é necessária e imprescindível para adquirir autocontrole.

E quando sua alma começar se habituar com esta nova ordem de ideias, a este novo plano de vida, então quando realizares alguma coisa, juntamente com o florescimento dos novos poderes na sua alma, começará a observar que não está sozinho em seu caminho.

Na noite escura, por toda parte, na estrada, começará a ver luzes, e compreenderá que são os viajantes que caminham na mesma direção, para o mesmo templo, para a mesma festa...

O que devo fazer para seguir este caminho ? Perguntou.

Comece observando a si mesmo. Tente limitar-se, mesmo que seja apenas uma questão de eliminar coisas de que não precisa, mas que consomem a maior parte do seu tempo e da sua energia. Procure compreender que está muito distante do objetivo, mas que este é possível de ser alcançado, acredite nisto, e em pouco tempo, à distância, começará a vislumbrar o caminho!

Conversas com o Diabo - Gurdjieff

terça-feira, 7 de novembro de 2023

A medusa interior, os eus e a auto-observação



Um "eu" é uma entidade definida em nós, com uma parte intelectual, uma parte emocional e uma parte motora. Os Eus vivem em nossa casa interior e nos controlam incessantemente.

Os "eus" moram em diferentes subdivisões dos centros. Temos várias personalidades diferentes e cada uma delas está composta por um grupo de eus.

O "eu", digamos, Fantasia cria a Falsa Personalidade, fazendo-nos crer que temos um só Eu real. A falsa personalidade é puro fingimento. Uma das piores forma de mentir é o fingimento. Todo homen 1,2 e 3 finge ser o que não é. Essas mentiras vem da fantasia sobre o si mesmo, do eu digamos Fantasia. As mentiras obscurecem a Essência, porque a Essência, só pode crescer mediante a Verdade. Um homem deve deixar de enganar-se a si mesmo antes que possa começar a compreender a verdade. O homem deve se livrar da mentira.

Temos milhares de pequenos "eus" em nós, mas devido aos obstáculos a consciência, não os vemos e seguimos acreditando que há um só Eu, que sempre atua e sente da mesma maneira. Este é o "eu", digamos, Fantasia, este "eu" nos impede de mudar.

Cada pequeno "eu" tem uma parte pensante, uma parte emocional e uma parte motora. Seu centro de gravidade pode estar na esfera dos pensamentos, das emoções ou dos movimentos. Observar o centro de gravidade de um pequeno "eu" já é um grande progresso.

Cada pequeno "eu" é uma entidade que se passa por nós e fala pelo intermédio dos centros, chamando-se a si mesmo de Eu. Todos os nossos pensamentos, nossos estados de ânimo, nossos sentimentos, nossas ações, nossas palavras, nossos gestos, nossos movimentos, nossos humores provêm de diferentes tipos de "eus" em nós. Não temos uma individualidade real, ou melhor, não temos um CENTRO DE GRAVIDADE PERMANENTE.

Inicialmente, é mais fácil observar aos "eus" que atuam emprestando-nos certos pensamentos. Observe que está pensando, de certa maneira, a respeito de uma pessoa. Este é um "eu" que está pensando, mas você crê que é você mesmo. Ou digamos que está pensando sobre sua vida; é outro "eu" e você acha que é você mesmo. Quando uma pessoa não vê esse ardil constantemente repetido, toma todos esses pensamentos como ela mesma, neste ponto passou a ser mecânica.

Não vê que algo está pensando por ela, mas ouve os pensamentos desses "eus" como se fosse ela que os estivesse pensando.

Quando começamos a observar verdadeiramente nossos pensamentos, costumamos notar certos pensamentos que são indesejáveis, com relação a outras pessoas ou com relação a nós mesmos. Pois bem, se pensamos que esses pensamentos são nossos, se nos identificamos com eles, se concordamos com eles, concedemos poder a eles, fazemos com que eles tenham poder sobre nós e assim fortalecemos os "eus" que estão por trás deles. Observar é também dissolver os "eus" mecânicos.

A Tradição nos ensina a praticar a separação interior, que para observarmos um eu temos que nos separar dele. Mas se tomamos tudo que passa em nossos pensamentos como nós mesmos, não poderemos separar-nos. Como pode "eu" separar-se de "eu"?

No que concerne à esfera das emoções, existem muitos eus que produzem alterações em nossos estados emocionais, do mesmo modo que certos "eus" transmitem pensamentos à nossa mente, outros "eus" transmitem sentimentos à nossa esfera das emoções.

Alguns desses Eus costumam esgotar-nos, fazer-nos perder a confiança em nós mesmos, deprimir-nos, desalentar-nos, etc. Se ao menos pudéssemos auto-recordar-nos sempre, esses eus não teriam poder sobre nós uma vez que lembraríamos de suas atuações passadas. Mas como concedemos tanto poder a eles, nem nos ocorre observá-los; entram e saem de nossa parte emocional como se essa lhes pertencesse.

Ainda que seja difícil observar diretamente esses "eus", podemos descobrir sua presença ao notar que se abaixa o nível ou há uma súbita perda de força (energia). Se não estamos bastante alertas, esses eus podem nos possuir OS CENTROS e então levaremos dias no sono que eles nos causam.

É preciso aprender a andar muito cuidadosamente dentro de nós mesmos. É inútil discutir com os "eus" desagradáveis. Por isso, a prática da separação interior é tão importante. Basta perder a guarda por um instante, em uma situação difícil, para permitir a entrada em cena deste tipo de "eus" que nada mais são que MÁSCARAS, que usamos para suportar a realidade. É preciso aprender a separar-nos desses "eus" negativos, primeiro na esfera dos pensamentos e logo na esfera das emoções e motora através da técnica de não identificação interior.

O Trabalho se inicia pela auto-observação e é um sistema que provém do Círculo Consciente da Humanidade, isto é, daqueles que lutaram a batalha contra os "eus" e alcançaram a sublime meta de conhecer a SI mesmo.

Quando alguém começa a auto-observar-se seriamente, desde o ponto de vista de que não é Um, mas sim Muitos, inicia de verdade o trabalho sobre si. E como resultado disso teremos que dividir-nos em observador e observado.

O lado observador relaciona-se com a fração de Essência ou Consciência liberada sob as influências do Trabalho interior . O lado observado vem a ser todo esse desfile de pensamentos, sentimentos, desejos, preocupações, estados emocionais, paixões, etc., provenientes de toda essa multiplicidade que levamos dentro de nós por força da simples lei do ACASO.

Indubitavelmente, quando essa divisão não acontece, continuamos identificados com todos os processos dos muitos "eus". Quem toma todos os seus processos psicológicos como funcionalismo de um "eu" único, individual e permanente, encontra-se tão identificado com todos os seus erros, os tem tão unidos a si mesmo que perde, por tal motivo, a capacidade de separá-los de sua psique. Então qualquer mudança será quase impossível.

Através desse trabalho psicológico, temos que chegar a ser cada vez mais conscientes de nós mesmos, de todas as nossas contradições e conflitos íntimos.

É sabido que quando alguém está a ponto de morrer, como por exemplo, quando alguém está se afogando, vê toda sua vida com todas suas contradições passar diante de si. No aspecto psicológico ocorre algo semelhante. Temos que ver tudo que há em volta de nós mesmos nesta vida, antes de morrer psicologicamente. É muito importante compreender o significado psicológico de muitas coisas.

É preciso reconhecer e aceitar os vários aspectos existentes em nós mesmos. Através da auto-observação, da divisão em observador e observado, sob a influência do trabalho psicológico, vamos nos liberando de tantas idéias fantasiosas sobre nós mesmos, de tantas virtudes e méritos que não possuímos em absoluto. Então é que nos convertemos de verdade em crianças e compreendemos o que significam as palavras iniciais do Sermão da Montanha. Deixamos então de sentir-nos grandes e teremos uma compreensão inteiramente nova de nós mesmos, um sentimento inteiramente novo e pensamentos inteiramente novos.

Deixamos de ser a pessoa que havíamos imaginado ser, durante toda nossa vida. Qual o maior perigo que corremos à medida que envelhecemos? É o de cristalizar na idéia que temos de nós mesmos, de acreditar cada vez mais na fantasia que temos sobre nós mesmos. Se valorizamos corretamente o trabalho psicológico, a divisão em observador e observado logo esse perigo não será tão grande. Somos criaturas tão minúsculas e desagradáveis que é preciso um prolongado trabalho de auto-observação para ver como somos ridículos em nossa vaidade e em nosso orgulho.

Depois de passar um bom tempo neste trabalho, as pessoas se tornam mais simples a respeito de si mesmas e em relação aos outros. Porque começam a se observar em lugar de imaginar que são o que acreditam ser. Vêem que o abismo que existe entre o que imaginam ter sido e o que são é muito profundo. Quando isto sucede, por meio da constante auto-observação, toda sua relação consigo mesmas começa a mudar. Tudo aquilo sobre o qual fundamentava seus valores, suas diversas formas de sentir-se superior aos outros, sua falsa caridade almejando o céu, suas caretas, suas ambições de poder , seu preconceito, sua mentira interior, suas crenças, etc, as bases psicológicas sobre as quais descansava, tudo isso desaparece. Terá uma bela experiência, pois não terá mais que manter e conservar aquela máscara de pessoa inventada da qual é escravo. Se tornará simples como crianças de novo, porem conscientes.

Quando um homem ou uma mulher começa a observar-se seriamente, dentro da atmosfera do Trabalho , sentindo que o trabalho o conduzirá a um novo nível de Ser além do nível do saber, experimentará pouco a pouco uma mudança real e significativa em sua vida.

Mas se tenta fazê-lo sem estar respaldado pela influência B e C, toda sua observação será inútil e o levará simplesmente às querelas, argumentos e emoções negativas. Tentamos todos estudar algo que é muito grande e devemos compreender que somos muito pequenos. E neste entendimento devemos nos dedicar a aprender despojados de nossos "eus" e suas velhas cantigas.

Flávio


O começo de tudo: a auto-observação

Se olhar para si mesmo fosse algo comum o ser humano não teria necessidade de escolas esotéricas, mestres, gurus ou terapeutas. E olhar para si mesmo para poder se conhecer só é possível devido a presença de algo que nos tira de nossa própria presença: o outro. Sartre disse que o inferno é o outro. O dono do inferno é Satã, que significa o adversário, o outro. Assim o outro é Satã, parafraseando Sartre. Inferno e Satã são apenas metáforas para a consciência adormecida ou identificada. É pelo enfrentamento estratégico e implacável com o outro que percebemos a nós mesmos e notamos que o outro é um espelho de nós mesmos. Isso é observar-se, perceber no outro um espelho de si. É preciso fazê-lo sempre, o tempo todo e sem fim. Esse é o caminho. Olhar para si mesmo sem julgar ou justificar e olhar para o outro da mesma maneira, vendo as manobras do ego aqui e lá, é um exercício de implacabilidade e espreita de si.

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....TUDO QUE AS MINHAS TENTATIVAS DE LEMBRANÇA DE SI
ME MOSTRARAM, ME
CONVENCEU BEM CEDO DE QUE EU ESTAVA
DIANTE DE UM PROBLEMA NOVO
COM QUE A CIÊNCIA E A FILOSOFIA NÃO TINHAM SE DEPARADO...
P.D. Ouspensky

Todo o trabalho deriva do homem que começa a observar-se. A auto-observação é que nos permite mudar interiormente. Não devemos confundir o observar com o conhecer. Falando superficialmente, podemos dizer que alguém sabe, por exemplo, que está sentado em uma cadeira, mas isto não quer dizer que a está observando. Falando mais profundamente, talvez uma pessoa saiba que está em um estado negativo, mas isto não quer dizer que o está observando.

A auto-observação é um ato de atenção dirigida para dentro, para o que está acontecendo na pessoa. A atenção deve ser ativa, isto é, dirigida. No caso, por exemplo, de uma pessoa a quem se tem antipatia, é possível notar os pensamentos que se acumulam na mente, o coro de vozes que falam dentro de nós, o que estão dizendo, as emoções desagradáveis que surgem, etc. Também notamos que estamos tratando interiormente muito mal à pessoa a quem temos antipatia. Para ver tudo isso é necessária uma atenção dirigida.

A atenção vem do lado observante, os pensamentos as emoções e os movimentos pertencem ao lado observado, isto é, há que dividir-nos em dois, observador e observado. O lado do observador é interior ao lado observado, ou está por cima dele; mas seu poder de consciência independente varia, porque a qualquer momento poderá ficar submerso.

Nesse caso ficará completamente identificado com o estado negativo. Aí a pessoa não observa o estado, porque ela mesma é o estado. Cabe dizer que o fato de ser negativo é conhecido, mas não é observado.

Muitas vezes também se confunde o pensar com o observar. Pensar e observar são bem diferentes. Um homem pode pensar todo dia a respeito de sua pessoa e não auto-observar-se sequer por um momento. Observar nossos pensamentos não é a mesma coisa que pensar. O Quarto Caminho ensina que o homem deve observar tudo nele, sempre como se não fosse ele, mas sim outro. Isto significa que ele deve chegar a dizer:

"O que está fazendo esse eu?"

E não "o que eu estou fazendo?" Então vê os pensamentos que se sucedem, as emoções, as comédias privadas, os dramas pessoais, as elaboradas mentiras, as desculpas e justificativas, os discursos, que passam sucessivamente. No instante seguinte, cai outra vez no sono e desempenha seu papel em todos eles, isto é, atua na comédia que compôs e crê que é verdadeira.

É preciso que um homem seja capaz de dizer: "isto não sou eu", a todas as peças e canções estabelecidas, a todas as representações que se sucedem nele, a todas as vozes que toma pela sua. Sabe-se que, às vezes, antes de dormir, ouvimos fortes vozes na cabeça. São os eus que estão falando. Durante o dia, passam o tempo todo falando, só que os tomamos por Eu, por nós mesmos.

Quando você encontra-se em um estado desagradável e auto-observa-se durante alguns minutos, notará grupos diferentes de eus desagradáveis que tentam, um após o outro, ocupar-se da situação e tirar proveito dela. Isto se deve a que os eus negativos vivem sendo negativos. Sua vida consiste em pensar negativamente ou sentir negativamente, isto é, em proporcionar-lhe pensamentos negativos e sentimentos negativos. Deleitam-se em fazê-lo porque para eles assim é a vida.

No trabalho sobre si, é preciso observar sinceramente quando se goza dos estados negativos, em especial quando se goza secretamente deles. Se um homem sente prazer sendo negativo, sejam quais forem as formas de ser negativo, e são muitas, não poderá separar-se delas. Não é possível separar-se de algo pelo qual sente-se um afeto secreto. Em realidade, o que ocorre é que a pessoa identifica-se com os eus negativos por meio de um afeto secreto e assim sente seu gozo, porque seja qual for a coisa com a qual uma pessoa identifique-se, converte-se nela.

É preciso observar a fala interior (VERBALIZAÇÃO) e o lugar de onde provém. A fala interior automática é a semente de muitos estados desagradáveis futuros e também da fala exterior equivocada.

Existe a prática do Silêncio Interior. Não se trata de impedir que algo penetre na mente, mas pratica-se o silêncio interior com relação a algo que já está na mente e do qual deve-se ter percepção, mas é preciso não tocá-lo com a língua interior, com o discurso interior, ou seja, não usar a verbalização. A fala interior sempre se ocupa dos estados negativos e forja muitas frases desagradáveis que, de súbito, acham expressão na fala exterior, talvez muito tempo depois.

A fala interior mecânica produz confusão interior, é feita de diferentes formas de mentiras, de meias verdades ou de verdades que se relacionam entre si de modo incorreto, com algo que se agregou ou se omitiu. Em outras palavras, é mentir para si mesmo.

Tudo isso pertence à purificação da vida emocional. Mecanicamente, só simpatizamos com nós mesmos e temos antipatia ou ódio daqueles que não simpatizam conosco. Não é possível o desenvolvimento interior, a menos que as emoções deixem de fundamentar-se unicamente na auto-simpatia (AUTO-IDENTIFICAÇÃO). Talvez uma pessoa se dê conta que diz coisas que, se as recebesse, não as toleraria. Dentro de nós mesmos, todos os outros são impotentes. Podemos arrastar uma pessoa para nossa caverna secreta e fazer com ela o que quisermos. Podemos ser naturalmente corteses mas, neste trabalho, cujo propósito é purificar e organizar a vida interior, isto não basta. O que realmente conta é a maneira como os homens se comportam interna e invisivelmente uns com os outros.

Todo ensinamento esotérico, desde a mais remota Antigüidade, refere-se ao conhecimento de si. O trabalho psicológico aplica-se à nossa realidade invisível, na qual moramos psicologicamente; refere-se à conquista de si, ao domínio de si. Mas uma das maiores dificuldades é justamente, imaginarmos que nos vemos e nos conhecemos integralmente, e isto nos impede de compreender o que significa verdadeiramente a auto-observação e o que quer dizer começar a conhecer-se a si mesmo.

Só quem compreende plenamente a dificuldade de despertar pode compreender a necessidade de um prolongado e árduo trabalho sobre si, com o fim de despertar. VEJAMOS BEM, PROLONGADO TRABALHO SOBRE SI.

Neste trabalho, é preciso dissolver a fantasia e a imaginação negativa. A fantasia pode satisfazer todos os centros, de modo que o homem fica satisfeito com o imaginário em lugar do real. O poder da fantasia mantém os homens hipnotizados, porque o homem sonha que está desperto ou a ponto de despertar. Contudo, geralmente passa-se muito tempo neste trabalho antes que uma pessoa comece a observar sua fantasia. E é difícil observá-la, porque quando a observamos, ela se detém, isto é, tão logo chega a atenção dirigida, a fantasia cessa. Nosso estado de hipnose impede toda observação real e direta. Imaginamos que somos pessoas respeitáveis e agradáveis, e não podemos ver através da bruma de nossa fantasia que não o somos em absoluto.

Por isso é imperativo conhecer o modo correto para trabalhar o que se observa, por enquanto estamos apenas estudando o básico do sistema, e comprovando em nós que assim é, mas muito cuidado para não cair na armadilha de acharmos que podemos realizar um trabalho de auto-observação correta para alcançar a consciência de SI sem ajuda e sem preparo. Já foi dito aqui "nesta lista" que neste caminho sem vontade é impossível evoluir e que sem ajuda é igualmente impossível evoluir. Será que tem alguém aqui que pode dizer que desenvolveu a vontade plenamente? Vamos então criar as condições para que a vontade se desenvolva em nós, ainda é muito cedo para tentar saltos maiores que as pernas, é bem melhor um passo seguro de cada vez que dar um salto para o desconhecido e bater com a cara no muro. temos muita coisa para conversar sobre o sistema, oportunamente veremos as técnicas para criarmos um observador eficiente. Por hora é solicitado a auto-observação como forma de constatar em si a veracidade do que dizemos aqui sobre os muitos "eus", centros, funções, estados de presença, consciência, compartimentos, amortecedores, emoções negativas, sono, vigília, observação de si, consideração interior, identificação, 4c, Gurdjieff, evolução possível, abordagem do sistema, contexto, aqui agora etc, para que possamos partir para algo mais profundo se realmente a nossa vontade para isso se prestar.

Flávio

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