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sábado, 22 de março de 2025

Entrevistas com parceiros de Carlos Castaneda: Juan Yoliliztli


As Testemunhas do Nagual

Entrevistas com parceiros de Carlos Castaneda

_ Por que você usa o nome de Yoliliztli?

_ O nome que uma pessoa recebe dos seus pais nem sempre tem poder, a maioria das vezes é totalmente arbitrário. Em mim, por exemplo, puseram o nome do doutor que atendeu minha mãe. Portanto, Juan Yoliliztli tem muito mais poder e é para mim mais o meu nome, já que me foi dado por um ancião da tradição Nahua, como consequência de um evento de poder. Mas essa é uma história que contarei em outra ocasião.

_ Como foi que você conheceu Castaneda?

_ Eu havia lido todos os seus livros no Brasil, minha terra de origem. O que li me convenceu, porque era diferente de tudo quanto havia lido antes. a liberdade era uma meta real. Um dia, tomei a decisão de abandonar tudo e vir ao México em busca do conhecimento. E aqui estou. Não esperava conhecer pessoalmente Castaneda, pois o considerava um guerreiro inacessível. Mas, já no México, descobri que ele costumava dar conferências públicas, de modo que busquei uma oportunidade por todos os meios ao meu alcance.

Um dia, meu amigo Carlos Ortiz convidou-me a participar de uma conferência que o nawal ia dar no apartamento do pesquisador Jacobo Grinberg. Compareci ao encontro com Heiko, um alemão que tinha vindo ao México pelas mesmas razões que eu. Entramos no carro de Heiko e fomos para a casa de Jacobo.

Heiko teve uma idéia. Disse: “Vamos espreitar o nawal!”

Então, lá chegando, ficamos esperando na rua em frente, dentro do carro, durante longo tempo, para parecer que nossa chegada coincidia com a de Carlos. Porém, enquanto observávamos outros convidados que chegavam, passou junto a nós um carro. De repente senti a pressão de um olhar, virei a cabeça e lá estava Carlos, dentro do seu carro, olhando-me! Não sei como, mas soube de imediato que era ele. Ficou me olhando fixamente e depois estacionou o carro uns metros adiante. Corremos a nos reunir a ele.

Nesse primeiro contato aconteceu algo embaraçoso, que para mim foi um augúrio. Carlos vinha carregando uma cadeira. Eu, muito emocionado, quis cumprimentá-lo ali mesmo, na entrada do edifício, e Ortiz me sugeriu: “Ajude-o com a cadeira!”

Sinceramente, a mim não tinha ocorrido oferecer-lhe ajuda, já que, segundo o que havia entendido de minhas leituras, um bruxo não deve oferecer-se assim sem mais nem menos. Essa foi a primeira de uma longa lista de mal-entendidos que se deram entre o nawal e eu.

Depois disso, subimos pelas escadas até o segundo andar e chegamos a um aposento que já estava preparado para a conferência. Grinberg havia posto uma música de fundo ao estilo New Age. Chamou-me a atenção que Carlos, fazendo um gesto de desagrado, pediu-lhe que a tirasse. Procurei sentar-me bem junto dele, já que é uma premissa dos bruxos que, se duas energias estão suficientemente próximas uma da outra, ambas interagem e podemos aprender coisas mesmo sem palavras.

Para mim, essa primeira conferência foi algo extraordinário. Pela primeira vez o ouvi falar sobre o ponto de encaixe e vi os desenhos que Carlos fez em um quadro-negro, tentando nos explicar sobre o alongamento do ovo luminoso, uma manobra que os bruxos antigos faziam para serem imortais.

Falou da importância pessoal, e de como ela nos obriga a agir de formas alheias aos nossos interesses. Também se referiu à recapitulação.

Grinberg comentou que ele já estava recapitulando por escrito e que poderia talvez publicar suas anotações algum dia. Carlos fez uma série de comentários, dando-nos a entender que a recapitulação não tinha nada a ver com isso.

No meio da conversa, chegou uma moça loura muito simpática e sorridente que usava um penteado estilo punk. Carlos nos apresentou como Florinda Donner Grau, uma de suas companheiras, discípula de Dom Juan Matus. Por aquela época eu havia lido um livro de Florinda sobre questões antropológicas, mas ainda não sabia que ela havia conhecido pessoalmente Dom Juan. Junto com Florinda chegou outra senhora que se apresentou como Dona Soledad, bruxa curandeira, discípula da mestra Magdalena.

Terminada a reunião, ficamos conversando um pouco. Quando se apresentou a oportunidade, me aproximei de Carlos, dei-lhe a mão e, olhando-o nos olhos, disse: “Quero agradecer-lhe sinceramente por haver escrito seus livros, porque me serviram muito.”

Ele ficou me olhando fixamente, mas não disse nada.

Quando tive oportunidade pedi a Florinda que me dissesse, como vidente, qual era minha classificação luminosa dentro do esquema do nawalismo. Ela ficou nervosa, desculpou-se e disse que ver tomava muita energia, que não era assim que se faziam as coisas entre os bruxos. Perguntou-me quem eu era e o que fazia. Contei-lhe que tinha vindo do Brasil e que fazia cinco anos que esperava uma oportunidade de conhecer Castaneda. Ela pareceu saber do que eu falava, pois exclamou: “Ah! É você?”

Disse-lhe que, enquanto esperava minha oportunidade, pus em prática as técnicas de espreita aprendidas nos livros de Carlos e me estabeleci no México como empresário do setor turístico. Ela comentou: “Oh! Um homem de ação, verdade?”

Ao sair do edifício, Carlos me puxou para um canto e me perguntou meu nome. Respondi: “Sou Eddy Martinelli, às suas ordens.”

Mas ele exigiu: “Não! Seu verdadeiro nome.”

Isto me surpreendeu, pois não havia dito a ninguém como me chamava na realidade. Senti-me um pouco incomodado, mas lhe disse meu nome de nascimento. Logo quis saber de onde eu era. Disse, e ele me perguntou: “Conhece essa canção?”

E em seguida cantou em português uma toada que, desditosamente, eu não conhecia. Tive que admiti-lo: “Sinto muito, mas não a conheço.”

Segundo creio, este foi outro augúrio. Conforme eu for lhe contando, você vai ver como, pouco a pouco, meu caminho se afastava do de Carlos.

A vez seguinte que o vi foi quando me ligou Fausto Rosales, o editor dos livros do nawal no México, e me comunicou que ia celebrar uma reunião na Casa Amatlán, um centro esotérico dirigido por Carlos Ortiz e Mariví de Teresa. Não vou me estender sobre o tema da Casa Amatlán, porque seguramente outros de meus companheiros têm mais e melhores histórias a respeito.

Saí voando do escritório e corri para o encontro. Encontrei o nawal sentado em uma mesa da cafeteria no térreo, comendo um pastel e tomando seu capuccino. Saudou-me com um aperto de mãos, mas quando retribuí fez um gesto de dor, como se eu tivesse apertado muito forte.

Enquanto comia, contou histórias para os que ali estavam reunidos, que não éramos muitos. Em certo momento, Georgina Silva, uma amiga pintora que nessa época morava num quarto ali, no fundo da Casa Amatlán, disse-me que Fausto me chamava ao telefone.

Corri para atender, perguntei por que ele não vinha e me respondeu que se mantinha à parte dos demais discípulos, e me pediu que avisasse ao nawal que tinha algo para dizer-lhe.

Desci rapidamente para cumprir minha tarefa, e levei Carlos ao quarto de Georgina, onde estava o telefone. Recordo-me de ter perguntado, em proveito de Geo, o que podia nos dizer sobre o Mescalito. É que ela era conhecida como “a filha de Mescalito”, e muitos a consideravam sacerdotisa do peyote. Aparentemente, Carlos pensou que eu estava pedindo permissão para me dopar, porque, de forma cortante, respondeu que esse não era o caminho, e que Dom Juan só lhe deu plantas porque ele era muito rígido. Acrescentou que nós não necessitávamos disso.

Olhei para Georgina como que dizendo: “Ouviu?” Mas, ao observar meu gesto, Carlos pareceu interpretar que eu estava zombando dele, ou pior ainda, que pretendia apresentá-lo a Georgina como um tronado que usava drogas.

Depois de o nawal atender Fausto rapidamente, Georgina mostrou-lhe alguns de seus quadros. Ele gostou muito de suas pinturas. Em seguida, teve uma curta conversa conosco e se justificou, dizendo que tinha um encontro em outro local, e logo iam buscá-lo.

Há tempos que discutia com Ortiz sobre a interpretação da obra de Castaneda. No meu entender, tudo o que ele dizia em seus livros era literal, mas Carlos replicava: “Não, Eddy, são metáforas.”

Pareceu-me que aquele era um bom momento para perguntar isso ao nawal, já que Ortiz estava lá, e assim o fiz, em voz alta para que ele ouvisse:

“Ouça, Carlos, o que você escreve é literal ou são metáforas?”

Notei, pela expressão de seu rosto, que de novo havia interpretado mal minha pergunta. Lançou-me um olhar fulminante e replicou em tom mal humorado:

“Claro que é literal! O que eu escrevo é o que é!”

Ao ir embora, despediu-se de todos nós. Estendi-lhe minha mão e ele a sua, mas me olhou com medo, como se eu fosse esmagá-la. Por brincadeira, toquei-lhe só as pontas dos dedos, fazendo de conta que o cumprimentava. Já na saída, disse-lhe que gostaria muito de poder falar a sós com ele. Assentiu e me respondeu:

“Com você quero conversar durante longo tempo.”

Depois entrou em um automóvel e uma pessoa que me era desconhecida o levou.

A ocasião seguinte também foi na Casa Amatlán. Dessa vez nos ensinou algo dos passes mágicos. Foi quando conheci Carol Tiggs, a mulher nagual. Nosso encontro foi muito interessante, pois, ao cumprimentá-la, ela me perguntou como eu me chamava. Disse-lhe e ela virou o rosto. Pensei que o fazia para que eu lhe desse um beijo, e o dei em sua bochecha. Mas ela me explicou que seu gesto tinha sido porque não escutara direito meu nome. Envergonhado, mas com um sorriso, repeti.

Depois quis saber como era o outro mundo. É que, segundo contava Carlos, ela havia permanecido lá durante dez anos. Ao escutar minha pergunta, Carol ficou nervosa e me disse, em mau espanhol, com forte sotaque americano, que era um lugar difícil de descrever, e que a única coisa que podia dizer é que lá as consciências se deslocam através de linhas de energia.

Quando ia saindo, convidei Carlos para dar uma palestra em meu escritório de turismo. Minha surpresa foi enorme quando aceitou e disse:

“Amanhã nos vemos lá às quatro da tarde.”

Quis explicar-lhe onde era, mas ele me disse que só desse o endereço que ele chegaria.

No outro dia estávamos todos ali, esperando-o. Heiko havia ido comprar umas folhas para o rotafólio, com a esperança de que o nawal escrevesse algo que ele pudesse guardar. Enquanto aguardávamos, não sei como ele apareceu do outro lado da rua, bem em frente a nós, acenando com a mão. Olhamo-nos atônitos, perguntando-nos: “Como ele chegou ali?”

Atravessou a rua e cumprimentou cada um de nós. Logo entrou em meu escritório e pediu permissão para usar o banheiro. Eu tive que dizer-lhe onde estava o interruptor de luz, pois ele não conseguia achar. Depois foi com Alex até a cozinha para buscar algo, quando alguém perguntou o que buscava, respondeu: “Alejandro e eu estamos aqui buscando um passo para a liberdade.”

Só haviam sido convidadas umas dez pessoas, mas logo chegaram outras, entre elas Marcela Gálvez, conhecida como Malini.

Foi então que nos contou a história do bacharel, que era um famoso locutor de rádio do México e de como lhe dizia:

“Mas, Carlos, se tudo isso fosse verdade, nós já o saberíamos.”

Aconteceu que depois de sua morte ele se apresentou a Carlos em seu corpo de energia implorando-lhe que desse uma oportunidade aos seus filhos.

Também se apresentou nessa ocasião Amy Wallace, a filha do famoso escritor, amigo de Carlos.

Pouco depois apareceu Manuel Zurita. Fausto havia me advertido que não o convidasse, já que o nawal não se dava bem com ele. Quando Manuel chegou, Carlos se virou para mim e me perguntou em voz baixa: “Você o conhece?”

Eu o conhecia, mas respondi que não. Não era minha intenção mentir, e sim explicar que eu não o havia convidado, mas as coisas saíram assim.

Durante a reunião, Carlos falou mal de Grinberg. Disse que era um egomaníaco incurável, que queria comer a Carol Tiggs e lhe havia enviado uma carta de amor de doze páginas de extensão. Carol rasgou a carta, e quando ele lhe perguntou, ela respondeu que não a havia recebido. Fez isso para ser delicada com ele, mas Grinberg havia tirado cópias de sua carta, e tornou a enviar!

Enquanto Carlos nos contava essas barbaridades, entrou na sala Jacobo Grinberg. Todos ficamos em suspense, mas o nawal, levantando-se da sua cadeira, deu-lhe um caloroso abraço e o convidou a sentar-se.

Nessa ocasião, nos contou que Dom Juan e seu grupo haviam ido à cúpula dos nawais, como quase todos os da sua linhagem, (mas) o único que havia conseguido saltar à terceira atenção foi o nagual Julian. Para que entendêssemos melhor sua explicação, fez uma comparação usando a tábua de uma mesa oval de conferência que havia na sala. Disse, assinalando o ponto central da mesa:

“Dom Juan chegou até aqui, eu estive além das bordas desta mesa.”

Terminada a conferência, observei que Heiko estava triste, pois o nawal não havia anotado nada nos papéis que ele havia preparado.

Em outra ocasião em que Carlos veio nos ensinar os passes mágicos, alguém me disse que se havia hospedado no Hotel Maria Cristina. Tomei nota do endereço e fui com Alejandro na hora do café da manhã. Nós o encontramos reunido com vários companheiros e companheiras. Eu só queria entregar-lhe alguns presentes que havia trazido de minha última viagem ao Brasil, e os reparti. Ao nawal dei um chaveiro com uma cabeça de piranha. Depois saímos tão rápido quanto chegamos.

No fim de semana regressei ao hotel, sozinho e sem ser convidado, pois sentia urgência de falar com ele para tomar uma decisão. Calculei o horário no qual Carlos descia para tomar seu café da manhã, de modo que me apressei e cheguei justamente quando faltavam três minutos para as nove. Ele foi exato como um relógio; não esperei nem um minuto e o vi descendo as escadas. Ao ver-me contorceu o rosto em claro gesto de desagrado, e me dei conta de que estava sendo inoportuno. Depois de nos cumprimentarmos, pedi desculpas por incomodá-lo e disse:

“Nawal, estou desesperado. Não sinto avanço nenhum no meu caminho e quero fazer algo, porque minha vida está se indo.”

Ele comentou:

“Calma, Eddy, calminha! De fato, você está melhor que todos os outros.”

Pensei que ele estava zombando de mim, pois eu me considerava o mais idiota do grupo. Insisti em afirmar que não me sentia nada bem. Nesse instante se aproximou Carol e Carlos perguntou-lhe, apontando para mim:

“Não é verdade que Eddy está com a energia muito boa?”

Ela me observou por um instante e depois disse:

“Sim, tem as fibras muito esticadas.”

De novo pedi desculpas por irromper em seu ambiente e comecei a caminhar em direção à saída. Carlos correu atrás de mim, me alcançou e me disse:

“Recapitule, Eddy, recapitule!”

Eu disse que o faria e me despedi. Na verdade, sentia-me algo ofendido pelo gesto de desagrado com que ele me havia recebido. Tive a impressão de que ele havia se aborrecido por ter sido pego em meio a uma de suas rotinas, já que a fortaleza de um nawal consiste em não ser previsível.

Daí em diante, tive que chegar aos encontros sem ser convidado. Estava consciente de que não era bem-vindo, mas ainda assim continuei indo às práticas e conferências.

Foi por essa época que ele começou a cobrar por suas palestras. Lembro-me que, como desculpa, disse que seu contador o havia feito assinar alguns papéis que ele assinou sem prestar atenção, e logo o sujeito sumiu, roubando-lhe tudo o que tinha. Por isso estava cobrando pelos seminários. Eu, que sempre fui um buscador desconfiado, comentei com meus companheiros: “Mas ele não é um vidente? Como não viu que o enganavam?”

O tempo mais longo que passei com Carlos foi no seu primeiro seminário em Culver City High School, um lugar próximo a Los Angeles, onde passamos quinze dias escutando-o manhã, tarde e noite. Cada um que assistiu ao seminário pagou dois mil dólares, e como éramos mais de mil pessoas, para todos ficou claro que se tratava de um muito bom negócio. Creio que foi a partir dali que realmente comecei a analisar o que estava acontecendo: mais do que entrar em um caminho de conhecimento e nawalismo, me deu a impressão de que estávamos sendo explorados como qualquer crente.

No seminário tentei cumprimentar Florinda, mas ela fez um gesto de negação, ainda que tenha me dado brevemente a mão. Mais tarde, no meio dos exercícios, decidi ir ao banheiro e passei perto dela. Chamou-me e me perguntou: “Que aconteceu com você, Eddy?”

Referia-se a um terrível acidente que eu havia sofrido pouco antes, mas preferi fingir que não entendia e repliquei: “Está tudo bem, obrigado!”

Perguntou se eu estava praticando a Tensegridade e respondi que sim, todos os dias. Ela repetiu, em tom de assombro: “Todos os dias?”

Tornei a repetir: “Todos os dias!”, e sem esperar que ela continuasse falando, dei-lhe a mão em sinal de despedida e fui para o banheiro.

O que lhe disse era verdade, por aquela época eu dedicava muito tempo e esforço a praticar os exercícios. Queria corroborar com total sinceridade o que havia lido e escutado.

Em determinado momento do encontro, Carlos nos contou que a mulher nawal havia recebido de presente um chicote e o havia transformado em um objeto de poder. Depois anunciou que ela ia nos envolver a todos com seu Intento, e nos pediu que baixássemos a cabeça e fechássemos os olhos, advertindo que, depois disso, já não seríamos os mesmos. Como então eu já me sentia meio incrédulo, nem baixei a cabeça nem fechei os olhos. Pude ver como Carol passeava pelo palco, açoitando a palma da mão com o chicote. Não aconteceu nada! Escutei alguns comentários de decepção em torno de mim, mas eu mesmo não me decepcionei, porque já não esperava nada do assunto.

Entretanto, tenho que confessar que também ocorreram coisas estranhas. Por exemplo, uma das palestras foi dedicada somente às mulheres. Aproveitei o dia para visitar um amigo que vivia um pouco distante dali, numa cidade em que existem cassinos. Quando cheguei, fui jogar em um cassino. Depois peguei o avião e voltei rapidinho para a conferência do outro dia. Assim que entrei, Carlos começou a falar sobre aqueles “guerreiros” que vão a cassinos. Senti que esfriava por dentro e fiquei bem quietinho.

Ele tinha esses momentos de intuição. Recordo que, em outra ocasião, antes de ir à conferência comprei um sorvete como os que eu gosto, de baunilha por dentro e chocolate por cima. Pelo caminho, fui saboreando com total desfrute o sorvete e o terminei antes de chegar. Não sei como o nawal percebeu, mas pôs-se a dizer:

“Tem gente que vem com sua merda de sorvete grandototote... e se põe a lamber assim!”, fez uma mímica exagerada, como um cachorro lambendo um osso. “O sorvete cai em cima deles e eles continuam lambendo, lambendo... até lamberem a si mesmos!”

O sinal definitivo de nossa ruptura teve a ver com uma reunião a que eu, por questões de trabalho, não pude assistir. No entanto, os dirigentes da Cleargreen debitaram a conta no meu cartão de crédito. Fui reclamar por essa irregularidade e me devolveram a metade do dinheiro, mas com má vontade.

Algum tempo depois, Carlos deu uma série de conferências no Pawley Pavillion de Westwood, a um custo de mil e quinhentos dólares a entrada. Dessa vez sim, poderia assistir, mas, quando ia pagar o boleto, as pessoas que estavam cobrando se afastaram um instante e voltaram com a resposta: “Você não é bem-vindo aqui”. Em seguida chamaram dois seguranças e me puseram para fora.

Este incidente me doeu muitíssimo. Passei uma época muito amargurado, com a mesma sensação que se eu houvesse rompido um noivado e muitas coisas tivessem ficado mal resolvidas. Eu só pensava e falava sobre o mesmo tema, porque para mim era impossível negar as experiências pessoais que havia tido a partir da obra do nawal. Mas, ao mesmo tempo, era claro que havia algo nas atividades e no desenho dos grupos que não funcionava bem.

Foi por esse tempo que recebi um dos maiores presentes que jamais me deram. Um dia, encontrei um companheiro de práticas chamado Armando Torres, e ele notou de imediato meu estado de abatimento. Contei a ele, e me sugeriu: 

“Por que não se faz responsável você mesmo por sua busca?”

Essa pergunta foi como uma ducha de água fria para mim, pois era verdade que eu havia posto todas as minhas expectativas em Carlos, como se ele fosse me salvar, em consequência, me sentia defraudado. Armando me fez ver que o nawalismo não tem nada a ver com um grupo de fiéis reunidos, esperando com a boca aberta que lhes lancem alguma migalha de conhecimento, que eu podia seguir adiante sozinho e sem a ajuda de ninguém.

Assegurou-me que nas ações dos bruxos não há nada pessoal, porque quem toma a decisão final é o Espírito, e me aconselhou a não julgar o nawal a partir do ser humano Carlos, já que isso era injusto tanto para Carlos quanto para o nawal.

Essas palavras me foram difíceis de aceitar, mas finalmente compreendi. Desde então me tornei mais livre. Em meio ao caos, encontrei uma base surpreendentemente sólida, onde o Eu é somente uma parte de algo infinitamente maior. Minha busca deixou de ser pelo pessoal e se transformou em um intento abstrato de bruxos.

_ O que pode nos dizer sobre o ensinamento de Castaneda?

_ Veja, Carlos é um nawal da liberdade. Sua obra está além dos juízos cotidianos. Não podemos chegar até ele como quem se acerca desses mestres que tanto abundam em nossa época. Se alguém não vai ao nawalismo como guerreiro, o mais certo é que saia ofendido.

Todo ser humano em algum momento pensa: “Qual é o significado de minha existência?” O que fez Carlos foi nos dar uma resposta a essa pergunta, que é tão antiga quanto o homem mesmo. E sua resposta foi: 

“O significado de sua vida é que você seja livre.”

A grandiosidade da lição de Carlos não é que desse explicações razoáveis ou que fizesse milagres. Ele não fazia aparecer coelhos! Mas punha você em situações nas quais tinha que decidir entre a conduta ordinária ou a conduta impecável. Deu-me elementos concretos para ser livre, e a primeira coisa que fez foi cortar a fascinação que eu sentia por ele.

Em uma ocasião esteve falando do transitório de nossa situação como seres humanos, e nos disse:

A única coisa que conta para mim é poder deixar algo de valor ao meu irmão, o homem. Não me importa quanto tempo leve para vocês entendam o que é que estou fazendo, porque sei que chegará o dia em que o ser humano lançará fora seu jugo perceptual e será livre.”

A mensagem de Castaneda é que sejamos honestos conosco mesmos. Se você está buscando o conhecimento, investigue, experimente. Não espere nada, nem dele, nem de ninguém. Não engula as coisas que lhe dizem assim sem mais nem menos, busque suas próprias respostas. Se lhe dizem que um mais um são dois, vai e verifique-o, porque, de outro modo, você vai se transformar em um crente, e os crentes não têm futuro.

O nawalismo não é uma congregação de crentes, é uma aliança de experimentadores. Em uma ocasião, Carlos nos ordenou que queimássemos seus livros. Isso não significa queimá-los literalmente, como entenderam alguns, significa que devemos aprender a pensar por nós mesmos. A maior mensagem que o nawal nos deixou é: vocês são livres, pensem por si mesmos.

Nesse sentido, as obras de Castaneda são uma fonte incomparável de inspiração para mim. Há uma parte que me toca em particular, e é quando ele nos pergunta por que somos tão frouxos que ficamos esperando que outros venham fazer as coisas por nós. Que grande pergunta essa! Estamos facultados por natureza para ver que o mundo é um mistério: por que temos que esperar que outro nos venha dizê-lo?

O ensinamento de Carlos também tem uma dimensão social, já que a resposta que ele deu para o enigma de nossa existência tem a ver com o conhecimento acumulado durante milhares de anos por grupos de experimentadores da América pré-hispânica. É absurdo pensar que esse conhecimento tão antigo vai se deter só porque Carlos morreu. Não! O plano da consciência ultrapassa seus participantes.

Como nagual, ele nos traçou um caminho, agora depende de nós segui-lo. Tudo o que fez foi para ampliar a consciência, e isso não terminou, está mais ativo que nunca, apesar de algumas pessoas se sentirem ameaçadas por isso.

_ O que pode nos dizer sobre os cíclicos?

_ Esse é um ensinamento que poderíamos considerar “esotérico”. Carlos não o publicou, porque o reservava para o trato pessoal. Segundo o que entendi do assunto, os cíclicos são pessoas que nascem com o mesmo selo energético, com as mesmas configurações em sua luminosidade. Isso não significa que compartilhem a personalidade ou a alma, como supõem os crentes. Por exemplo, um nagual que tem quatro divisões em seu campo energético é cíclico do nagual anterior, do mesmo modo, uma guerreira do sul, que tem a energia um pouco opaca, é cíclica da que a precede, e assim sucessivamente.

Mas os seres humanos estamos normalmente tão misturados, que poucos de nós somos puros, não somos tonais plenos, porque não cultivamos o caminho do guerreiro. Pode-se dizer que não somos “puro sangue”, e sim híbridos. 

O trabalho de um homem comum e corrente é limpar-se de todas as misturas, de todas as contaminações, até que o pessoal diminua ao mínimo e o indivíduo comece a ser o reflexo do seu cíclico.

Os bruxos fazem isso deliberadamente, é a essência de sua preparação. Pode-se observar esse processo em Silvio Manuel, que começou com uma cor âmbar rosado comum e terminou com o âmbar mais puro de todos. A Gorda foi identificada a princípio como uma cíclica das mulheres do sul, mas, quando se purificou, mostrou ser cíclica das mulheres do norte.

À medida que o guerreiro avança em seu treinamento sua massa energética sofre mudanças. Por isso, os organizadores de um grupo têm que ser muito afinados, têm que ser videntes para determinar. É sumamente arriscado dizer a um aprendiz: “Você é uma sul, uma norte, um erudito...”, porque a energia muda com o trabalho. É por isso que Carlos não gostava de falar desses assuntos.

_ O que opina sobre os cíclicos especiais, que vêm a cada certo tempo com um nawal de três pontas?

_ Não tenho muito clara a função desses nawais. Entretanto, de acordo com a regra, para esse tipo de líderes existe um plano muito mais amplo que tem a ver, não com as particularidades de um grupo, mas com o tonal dos tempos. Esse plano inclui a raça humana em sua totalidade, mesmo que sem perceber. Todos nós somos partes da regra, ainda que não o saibamos.

Perguntei aos companheiros que estiveram mais próximos de Carlos, particularmente aqueles que o conheceram na época em que ele se relacionava com a tradição mexicana. E o que entendi foi que os antigos bruxos tinham um calendário que servia para muito mais que somente medir o tempo, era um sistema que abarcava a energia do planeta e do ser humano, e estava em harmonia com os ciclos dos tempos, o que dentro do nawalismo se conhece como a modalidade da época. Dizem que o advento de um nawal de três pontas acontece aproximadamente a cada mil anos. Os pré-hispânicos simbolizavam as mudanças cíclicas apagando seus fogos e reconstruindo suas cidades a cada 52 anos, em sinal de renovação total.

O grupo de um nawal de três pontas, como foi o caso de Carlos, é completamente atípico dentro dos cânones de uma linhagem. De fato, não é um grupo, e sim um intento desesperado de alcançar a liberdade pelos próprios meios. Os guerreiros que se agrupam em torno de um nawal deste tipo também são atípicos e, logicamente, pertencem a uma faixa especial da energia. A maioria deles manifesta características próprias dos nawais.

Nós, que o conhecemos e tratamos com ele, somos um reflexo de Carlos, não podemos evitá-lo. Portanto, nos devemos ao público e por isso estamos falando para todos. Acredito, como disse uma de minhas companheiras, que estamos imbuídos da energia do nawal de três pontas e irradiamos suas maneiras. Somos cíclicos de pessoas que viveram na antiguidade há mil anos.

O nawalismo está iniciando uma nova etapa e de alguma maneira, as coisas começam a tomar forma.

Carlos já o havia previsto: disse-nos que o novo milênio estará dedicado à consciência com uma força nunca antes vista, será uma época em que o homem buscará a si mesmo, afastando-se mais e mais do impulso do rebanho. Afirmou que era uma questão de tempo até as pessoas começarem a se fazer perguntas e a experimentar.

A abertura do conhecimento provocou um giro da energia. Conheço vários grupos bem estruturados, que estão trabalhando com seriedade para aumentar o nível de consciência de seus integrantes e preparando-se para o salto final. Embora deva advertir que a tendência geral é de que a poeira se assente, para que se possa regressar às práticas do nawalismo clássico.

_ A que se deve seu interesse em publicar as memórias de Castaneda?

_ Nós, que participamos de reuniões e conferências dadas pelo nagual Carlos, temos o compromisso, perante outros buscadores que não tiveram essa sorte, de dar a conhecer o que ouvimos. Ele nos ensinou de viva voz seu conhecimento, e nos disse que não poderíamos restringi-lo como se fosse uma propriedade pessoal, porque isso atentaria contra o objetivo da liberdade.

Isso é algo que me custou muitos anos entender, mas, uma vez que o entendi, me senti comprometido.

Meu erro com ele foi ter sonhos, expectativas, tentar interpretar seu ensinamento de acordo com a imagem que fiz dele a partir da leitura de seus livros, idealizei o que devia ser um grupo de nawais. Já me via como parte do grupo, alguém que ia participar do intento coletivo para a liberdade.

E não foi assim!

Agora, com o passar do tempo, vejo que, com efeito, havia um plano para mim, e meu plano é apoiar a divulgação do conhecimento. Por razões que contarei em outra ocasião, estou envolvido com o ramo editorial, fazendo quanto esteja ao meu alcance para manter a memória de Carlos, e aproveitando para expressar-lhe meu eterno agradecimento por me haver ensinado o caminho da liberdade.

Ofereço a todos os discípulos e não discípulos do nawal, e a todos os que tenham alguma história para contar sobre ele, a oportunidade de publicar suas memórias. Eu mesmo penso em escrever algum dia com mais detalhes tudo aquilo que testemunhei.

sexta-feira, 21 de março de 2025

Entrevistas com parceiros de Carlos Castaneda: Soledad Ruiz.

As Testemunhas do Nagual

Entrevistas com parceiros de Carlos Castaneda

Entrevista com a xamã, curandeira, mestra e atriz de cinema Soledad Ruiz. Conta-nos como conheceu Dom Juan Matus anos antes de conhecer Carlos Castaneda, de quem foi amiga íntima desde os anos 70.

A princípio se mostrou reticente, porém, quando ouviu que era um trabalho para preservar a memória de Carlos, concordou, mas fez um estranho comentário: “As histórias não importam, o que importa é o Espírito”.

Seu testemunho começa quando em certa ocasião ela foi, junto com outro discípulo, visitar sua mestra, Magdalena Ortega, que era uma bruxa espetacular, tinha grandes poderes e realizava verdadeiras façanhas, mas essa é outra história.

_ Naquele tempo eu já havia lido o primeiro livro de Carlos que acabava de sair em inglês e comentei a respeito com minha mestra e ela me contou que era comadre de Dom Juan Matus. A princípio não quis acreditar e ela, que era uma tremenda vidente, deve ter percebido, pois replicou: “Algum dia eu a apresentarei a ele.”

Em certa ocasião, fomos visitá-la eu e outro de seus alunos. Ela nos disse que Dom Juan estava para chegar com outras pessoas que, suponho, eram seus aprendizes. Enquanto os esperávamos, disse-nos:

“Vou lhes dar uma tarefa: que reconheçam dentre todos os que chegarem qual deles é Dom Juan. Depois escrevam justificando sua conclusão e voltem amanhã.”

Ordenou que não falássemos entre nós sobre nossas impressões até nos encontrarmos com ela no dia seguinte.

Os visitantes chegaram tarde e se justificaram dizendo que haviam se perdido. Do quarto ao lado escutamos como a mestra lhes dava uma amistosa repreensão. Quando entraram na sala, observamos que eram cinco ou seis pessoas de idade avançada, nos levantamos para sair e ela nos apresentou por nossos nomes: “Ela é Soledad, ele é Milosh”, mas não mencionou os nomes dos visitantes.

Assim que os vi, pensei: “Dom Juan deve ser o que está sentado na poltrona”. Nós os cumprimentamos com movimentos de cabeça e ficamos parados, enquanto eles comentavam o engraçado da situação, pois haviam caminhado longo tempo de um lado para outro sem encontrar a casa. Isso aconteceu porque a mestra vivia em Amsterdam, uma rua circular que em outros tempos tinha sido o Jockey Club da Cidade do México.

Nós os observamos durante um breve momento, depois nos despedimos e fomos embora. No dia seguinte regressamos à casa da mestra para comentar nossa dedução.

Eu descobri Dom Juan por uma só razão: o olhar. Seu olho esquerdo estava desviado, e afirma-se que essa é uma característica dos xamãs, mas é óbvio que o fato de não a ter não significa que a pessoa não seja xamã. É só uma convenção. Disse a mim mesma: que vou escrever? De modo que não levei a minha tarefa. Em compensação, Milosh preencheu três páginas completas com suas razões chegando à mesma conclusão que eu.

Ao escutar nossas deduções, a mestra me disse: “Sim, você atinou, esse era Dom Juan. Você também, Milosh.”

Depois nos perguntou como o vimos vestido. Eu lhe respondi: “Tinha um estilo camponês, com calças de gabardine, uma camisa comum e uma chamarrita.”

Nesse momento Milosh e eu nos demos conta de algo extraordinário: ele o havia visto de outro modo, com um terno elegante. Ficamos assombrados, perguntando-nos como podia ser isso.

Afirma-se que um dos poderes que pode ter um xamã é deixar-se ver como quer que o vejam.

Foi somente anos depois que tive a oportunidade de conhecer pessoalmente Castaneda.

Carlos se interessava muito pela tradição indígena do México. Eu o conheci por esse motivo. A primeira vez que me encontrei com ele foi em 1974, em um estúdio de dança na colônia Del Valle compartilhado por uma bailarina de dança moderna e um capitão de dança conchera tradicional chamado Andrés Segura.

Andrés tinha uma mesa de tradição chamada Santo Niño de Atocha. Um dia me convidou para uma sessão de cantos, e ficamos tocando a concha e cantando louvores, como é habitual nas cerimônias dos dançarinos. Nisso chegou Carlos Castaneda, que se integrou à atividade e ficou escutando muito atento os louvores. Depois conversamos com ele e ele fez muitas perguntas sobre aspectos da tradição, e finalmente nos convidou para comer no restaurante chinês da Zona Rosa.

Em determinado momento, contei a Carlos que havia conhecido Dom Juan um par de anos antes, graças à mestra Magdalena. Ao escutar isso, seus cabelos se eriçaram, olhou-me com um interesse extremo e me disse: “Olhe, posso lhe fazer uma visita em sua casa?”

Eu, que estava enfeitiçada por seu livro que acabava de sair em espanhol, respondi: “Encantadíssima!”

Ao observar meu entusiasmo, ele acrescentou: “Pois, se você quiser, vou esta noite mesmo!”

Eu lhe perguntei: “Você se importa se eu convidar três amigos que estão muito interessados nos assuntos da tradição?”

Ele concordou com a ideia, de modo que liguei rapidamente para meus amigos e os avisei. À esposa de um deles eu disse: “Fulana, em troca do convite, faça as tortas, porque acredito que vamos ficar até tarde e pode nos dar fome. Eu faço os refrescos.”

Assim fizemos.

Carlos chegou cerca de 9 horas da noite e foi-se às 2 da madrugada. Ficou fascinado com as tortas e comeu o quanto pôde.

Na noite seguinte voltou, não sei se para conversar ou pelas saborosíssimas tortas. Durante três dias seguidos veio cada noite e nos falou de coisas incríveis. Quando teve que regressar a Los Angeles, combinamos de nos ver de novo quando ele retornasse.

Assim começou nossa relação. Ele vinha ao México, dava suas conferências, e ao terminar, à hora que fosse, ia para minha casa. Ele era um grande conversador, suas histórias eram infinitas, de durar a noite toda. Às 2 ou 3 da manhã comíamos um pão com iogurte, mudava o tema por um instante e conversávamos sobre coisas triviais. Logo voltávamos ao assunto. Quando o dia clareava, ele olhava seu relógio e exclamava: “Oh! Já me vou!”

Às vezes me avisava de Los Angeles: “Soledad, vou ao México e busco você para nos vermos à tal hora.”

Entre nós se desenvolveu uma relação sumamente fraternal, inclusive, me fez uma dedicatória em um de seus livros – creio que “O Presente da Águia”: “À única irmã que o poder me deu.”

Contou-me seus antecedentes, disse que era brasileiro. Por alguma razão que não quis contar, seus pais não o criaram, seu avô o recolheu sendo ainda muito criança e o levou para a Argentina. Dali foi para Los Angeles.

Contou-me anedotas do avô, de como, quando tinha 12 anos, ele o incitou a conhecer mulheres, dizendo-lhe que já estava na idade, embora fosse ainda um garoto.

Um dia, ao voltar de uma aventura com uma mulher, se queixou: “Ai, vovô, aquilo das mulheres cheira muito mal!”

O avô gritou: “Idiota, esse é o odor da vida!”

Confessou que primeiro as mulheres lhe davam nojo, mas depois se tornou o mais mulherengo. Contou-me uma enorme quantidade de aventuras que havia tido com mulheres. Um dia começou até a me galantear. Eu lhe disse: “Cuidado, Carlos, que entre nós isso seria um incesto!”

É que nos tratávamos como irmãos. Na verdade eu o amava muito, com um amor fraternal.

Um dos nossos locais de encontro eram os caríssimos restaurantes aos quais me convidava. Ele gostava de comer muito bem. Pedíamos não sabe quantas coisas, e comíamos tudo! Depois, nos entretínhamos tentando adivinhar que mensagem nos diziam os objetos que estavam sobre a mesa.

Algo que tenho que destacar é que jamais, em nenhuma das tantas conversas que tivemos, ele adotou uma atitude de superioridade. Não se sentia nada excepcional, apesar de sê-lo. Nunca se fez de sábio, de audaz. Ao contrário, sempre exclamava: “Rechórcholis! Mas... em que é que eu fui me meter?”

Contava-me como, no início de seu aprendizado, fazia papel ridículo constantemente, devido à sua importância pessoal, e de como Dom Juan lhe baixava a crista. Uma das histórias que sempre repetia com prazer, morrendo de rir de sua própria estupidez, é aquela de quando se atreveu a comparar-se com Dom Juan:

“Tive a audácia de lhe dizer que éramos iguais, mas no fundo eu me sentia superior. Imagina: um chaparro (baixinho e rechonchudo) horroroso pretendendo que não era igual a Dom Juan porque tinha um título acadêmico! Como me ocorreu dizer-lhe isso? Ele me respondeu: ‘Não, não somos iguais em nada, eu sou um homem de conhecimento e você é um idiota.’ Não sabe a vergonha que senti!”

Como recurso para controlar sua importância, Carlos zombava de si mesmo, de sua estatura e aparência. Ríamos durante horas com ele, observando as maneiras cômicas como fazia sua própria caricatura.

Outra coisa que se notava nele é que sentia uma enorme responsabilidade por ser o transmissor de todo um sistema de ideias, estava preocupadíssimo com isso.

O que mais me causa impacto no ensinamento de Carlos não é sua descrição do Universo, porque cada um tem a sua, segundo suas próprias faculdades de percepção. O que eu considero de grande efeito social e religioso é o tema dos temores, de como o homem se impõe limites a partir do medo do fracasso, da morte, da solidão ou da pobreza. Estes são nossos verdadeiros inimigos, limpar a vida dos medos é um avanço extraordinário.

Carlos constantemente me falava de suas dificuldades, do enorme desafio que significava para ele aceitar plenamente o sistema de pensamento que lhe propôs Dom Juan. Uma vez me disse que os medos sociais, sobretudo o de não ser reconhecido e querido pelos outros, são algo de verdadeiramente demolidor, porque nos impedem de nos reconhecermos como infinito: “Quando você deixa de ter esses medos, pode lançar-se no abismo, se for necessário, porque já nada lhe importa.”

Por essa época, ele acabara de passar por uma experiência na qual foi empurrado por seu mestre para um abismo. Falava muito desse tema, de perder o medo e lançar-se ao infinito, notava-se que tinha ficado realmente muito abalado.

Contou-me que ele só se lembrava do momento em que o empurraram, mas não do que se passou depois. De repente, se vê em seu apartamento em Los Angeles, começa a olhar para todos os lados e pensa: “Sei que cheguei, mas... como cheguei?”

Repara que tem um papel no bolso da camisa, pega-o, e é o bilhete não utilizado do avião! Na época em que me contou essa história assegurou-me que não se lembrava de nada do que tinha acontecido com ele durante a viagem entre Oaxaca e Los Angeles.

Outra das coisas que me impressionavam nele era seu sentimento de orfandade. Em suas conversas pessoais deixava sair muito esse assunto, me contava que sofria muitíssimo por não ter mais Dom Juan vivo. Na realidade, ele nunca pôde superar sua partida, me disse isso até o final.

Sou testemunha de sua fascinação pela tradição pré-hispânica. Tínhamos vários pontos de afinidade, mas o principal é que eu era conchera. Ele sabia que eu tinha fontes sobre o conhecimento antigo diferentes das dos antropólogos. Creio que encontrava inspiração em minha atividade como dançarina, ou talvez buscasse corroboração na tradição sobre o conhecimento que lhe transmitiu Dom Juan.

Com frequência me perguntava o que era que sabiam os concheros sobre a tradição tolteca. Eu lhe dizia o que me haviam contado: que os toltecas foram os civilizadores originais, e que não foram uma raça, e sim um grupo de sábios que chegaram a certas descobertas sobre o homem, seu destino e a natureza da percepção.

Carlos me interrogava, extraía os detalhes da tradição como com lupa, não me perguntava qualquer coisa, só os detalhes finos. Uma vez me perguntou como é que os dançarinos de agora sabemos sobre os toltecas. Respondi que toda essa informação foi recebida através da tradição oral.

Certo dia chegou em minha casa e me contou uma história verdadeiramente fantástica: que ia até a Guatemala com outros companheiros, e que fariam a viagem a pé e não levariam dinheiro.

Fiquei um pouco preocupada, e perguntei-lhe se estavam devidamente equipados para a expedição. Respondeu-me que não necessitavam levar nada com eles, porque a Terra os abrigaria e lhes daria de comer.

Quando regressou da aventura, contou-me que estiveram três meses caminhando até a Guatemala e que tudo correu bem, foi muito emocionante. Efetivamente, a Terra se encarregou deles.

Não sei por que foram, mas acredito que buscassem um contato com a cultura maia, porque a relação entre as tradições do norte do México e os maias é muito profunda. Não me estranha que ele e seus companheiros tenham ido fazer uma oferenda à Terra no mundo maia.

Carlos não se relacionava com a mestra Magdalena diretamente, mas através de Dom Juan e dos velhos. Eu tive a oportunidade de estar onze anos perto dela. Contou-me que os bruxos têm suas hierarquias, que uns estão a cargo de outros, e cada xamã tem seu protetor. Geralmente, esses protetores não pertencem a esta realidade, mas sempre há um benfeitor vivo.

Ela tinha a ver com muitos xamãs que às vezes lhe pediam dinheiro para ajudar aos pobres.

Algo interessante é que tanto Dom Juan como a mestra declaravam que eles eram católicos convictos. Dom Juan era desses que vão à igreja todo domingo.

Carlos me contou que uma vez Dom Juan o levou à igreja e ele ficou esperando no átrio, porque tinha certo preconceito contra a religião. Quando se reuniram novamente, ele lhe perguntou:

“Ouça, Dom Juan, você se confessou?”

“Sim”, ele respondeu, “eu me confesso, comungo e tudo o mais.”

A mestra me explicou um dia essa relação com a igreja. Disse: “Como pessoa social, sou católica, mas como bruxa sou livre, não tenho religião.”

Disse-me que a religião tem uma grande energia, então não há porque rechaçá-la. Quando um bruxo se ajusta aos costumes de seu meio – sempre que esses costumes não sejam contrários à economia de energia – então não se desgasta lutando contra a corrente, não tem remorsos, é tão livre que até pode ir e comungar.

Também me explicou que os bruxos veem Deus como energia, não como um ser antropomórfico que nos vigia dia e noite para ver quando é que a gente vai dar uma mancada. A energia não é castigo. Isso de “Deus me castiga” é uma falsa ideia do Criador.

Na tradição do México se diz que Ometeotl se esparramou a si mesmo e gerou a dualidade, ou seja, o princípio masculino e feminino da criação, e daí veio o Homem. 



Os antigos sabiam da divindade o que sabemos hoje. Temos o conceito de Moyocoyani, “aquele que inventa a si mesmo”; quer uma melhor definição de Deus? Isso é saber como está organizado o Universo!

A mestra me levava à missa frequentemente e me dizia:

“Eu cumpro com a mais alta missão da igreja, que é fazer caridade. Não cobro por curar, portanto, ganhei o direito de comungar sem me confessar.”

Um dia em que eu estava caminhando por Mérida, vi uma igreja que tinha a porta aberta e entrei para ver o que havia. Nesse momento ia saindo um sacerdote. Estávamos sós, não havia ninguém na nave. O sacerdote se aproximou e me perguntou: “Você quer se confessar?”

Respondi: “Francamente, padre, quer que eu diga a verdade? Sou curandeira, não acredito no pecado.”

O padre ficou me olhando um pouco e disse: “Está bem, filha, não é necessário que se confesse.”

No caminho do curandeiro a pessoa deve começar curando-se a si mesma.

Deve começar com a premissa de que está doente e de que é possível curar-se, primeiro de todos os males corporais e depois dos males mentais.

Tem que começar limpando as tripas de tantas porcarias e isso se faz através do uso de sete plantas mágicas com as quais se preparam chás, lavagens intestinais e vomitivos.

Depois vem os temascales, onde se purifica o corpo através de sudoração e banhos de ervas e flores.

Junto com uma gama de exercícios físicos estão as massagens e os alongamentos, que servem para manter o corpo ágil e em boa forma.

A mestra deve ter visto que Carlos precisava de ajuda porque uma vez me disse:

Diga a Carlos que ele deveria aprender a curar. É que a cura é uma porta para o mundo oculto. E no caminho do curandeiro a pessoa deve começar curando-se a si mesma.”

Fui até Carlos e lhe transmiti seu recado. Acrescentei: “Acho que seria muito bom que você se encontrasse com ela para que ela o instrua em sua forma de curar.”

Mas notei que lhe dava medo essa possibilidade, porque tinha obsessão pelo assunto de que as pessoas chupam a nossa energia, e na cura há uma grande transferência de energia do curador para o paciente. Ele estava sempre se precavendo quanto a isso, não gostava de reuniões com muita gente e fugia das fotos, dizia que o sugavam.

Eu lhe respondia: “Sim, é verdade que nos chupam, mas nos renovamos descansando e comendo, não é preciso ter medo disso.”

Apesar da minha insistência, ele não quis ir com a mestra, acho que sentiu medo.

Um dia veio ao México e me disse: “Vou à península escandinava” – não me recordo por qual motivo. “O que querem as bruxas de presente?” Referia-se à mestra e a mim.

Respondi: “Não sei, o que você quiser.”

Ao regressar, trouxe-nos de presente uns perfumes maravilhosos, de uma qualidade verdadeiramente insólita, e umas toalhas. Eu levei à mestra Magdalena a parte que lhe cabia. Ela pegou seus presentes e me disse: “Diga a ele que eu lhe agradeço pelo perfume, mas as toalhas vou preparar para ele.”

Quem sabe o que fez com as toalhas, mas um dia as deu para mim e pediu que as entregasse a Carlos. Mas ele não quis pegá-las de volta, notei em seus olhos que tinha medo. Ainda as tenho aqui.

A velha Florinda e a mestra Magdalena não se davam bem. O motivo era que a mestra queria que Carlos se tornasse curandeiro, e Florinda se aborreceu por isso.

Em minha opinião, ela sentiu ciúme de que a outra se metesse com seu discípulo. Carlos me contava que se sentia sufocado pela forma dominante e dura com que Florinda controlava tudo.

Como fui eu que levei a mensagem da mestra, Florinda também se aborreceu comigo, não me queria para nada. Carlos me disse que ela o havia repreendido muito e me culpou de querer mudá-lo de caminho.

Uma noite sonhei com a velha Florinda e ela me tratou duramente, brigou comigo, recriminando-me por eu ser aprendiz de Magdalena.

Eu lhe respondi: “Olhe, senhora, eu não quero mudar Carlos em nenhum sentido, só dei o recado, nem sequer me atrevo a propor nada. Que culpa tenho eu? Quem tem essas ideias é a mestra Magdalena, então, qualquer assunto, fale com ela.”

No dia seguinte vou ter com a mestra e lhe pergunto: “Ouça, Florinda falou ontem com a senhora? Porque ela veio para cima de mim e eu a mandei falar com a senhora!”

Ela me tranquilizou: “Não se preocupe, essa velha não vai voltar a falar com você. Eu a pus em seu lugar!”

E assim foi, nunca mais me perturbou. Mas Carlos me ligou para dizer que Florinda havia exigido que ele não falasse mais comigo, de modo que durante um tempo teríamos que permanecer separados. Isso me doeu muito.

Anos mais tarde, Florinda, a jovem, veio ao México para dar uma palestra em um salão, lá por Las Lomas. Uma amiga minha soube e me avisou. Quando terminou, Florinda me disse: “Venha cumprimentar Carlos, que está na casa de Grinberg!”

Respondi: “Olhe, Florinda, há algo muito obscuro entre mim e ele”, e contei a história de minha desavença com a velha Florinda.

Mas ela me assegurou: “Por sorte, Soledad, esse problema já passou. Florinda se foi e acabou a bronca. Venha comigo, eu levo você até Carlos.”

Respondi: “Louvado seja Deus! Que bom!”

Assim o fizemos. Eu ia com um pouco de medo, mas quando chegamos à casa de Jacobo, Carlos me deu o abraço mais longo que já recebi em toda a minha vida. Foram uns dez minutos. Ele colocou seu rosto bem junto ao meu e disse aos presentes:

“Vejam minha irmãzinha, não é verdade que somos iguaizinhos?”

A última vez que o vi foi na palestra que deu na Casa Tibet. Cheguei um pouco tarde, ele já havia começado. Sentei-me no fundo da sala para não chamar atenção, mas escutava e via bem.

Quando terminou, o vi sair de braço dado com Carol Tiggs, caminhando com passinhos muito curtos, como um débil ancião. Ela o amparava, porque ele já não podia andar sozinho. Causou-me muito impacto seu estado, porque eu o havia conhecido como um jovem em todo o seu esplendor.

Abracei-o com muito entusiasmo, e senti que se desfazia em meus braços. Perguntei-me como era possível que em tão pouco tempo Carlos houvesse passado de sua plenitude a um nível energético tão baixo.

Como se lesse minha mente, ele respondeu:

“Sabe, tenho um problema muito sério: tenho um pé aqui e outro sabe lá onde. Soledad, fui muito longe e não pude reunir minhas partes. Por isso estou tão mal.”

Explicou-me que sua enfermidade era na realidade um problema energético, pois em um de seus ensonhos se atolou por aí e não pôde juntar de novo sua totalidade. Em tom amargurado, queixou-se:

“Imagine! Eu, que sempre fui tão independente, agora necessito que me ajudem, tem até que me dar banho!”

E acrescentou: “Se conseguir reunir minhas partes novamente, regressarei ao México e ligo para você. Senão, Soledad, nos veremos no além. Lembre-se que eu e você temos um encontro no outro mundo.”

Era verdade, alguns anos antes nós havíamos marcado um encontro em um mundo que não é humano. Selamos o pacto com um pequeno ritual que teve lugar na sala da minha casa.

Nunca mais veio ao México. Diz-se que morreu de câncer do fígado, mas creio que essa explicação foi para cumprir com as formalidades.

Minha conclusão sobre Carlos é que, mais do que contar fatos sobre sua vida privada, vale a pena ressaltar sua monumental importância para o México. Ele é o pesquisador que mais divulgou nossas tradições no mundo inteiro, seus livros foram traduzidos para todos os idiomas importantes e são estudados por suas gigantescas contribuições culturais e espirituais. O México tem uma imperecível dívida de gratidão para com ele.

Tradução: Adriana Northrup

quinta-feira, 20 de março de 2025

Entrevistas com parceiros de Carlos Castaneda: Martha Venegas

Entrevistas com parceiros de Carlos Castaneda

Entrevista com Martha Venegas

_ Como você chegou ao nawalismo?

_ O que me levou às investigações místicas e filosóficas é entender o que estamos fazendo aqui, porque estamos no mundo. Quando era muito jovem, eu queria estudar psicologia, porque pensava que essa matéria continha respostas para minhas inquietudes; mas, por alguma razão, terminei estudando Ciências da Comunicação.

Conheci o nawal através de um amigo comum, Fausto Rosales, editor da Editora Diana, que Carlos chamava afetuosamente de “meu sobrinho”. Fausto é um tipo tremendo: com ele as coisas devem ser claras, por isso o estimo tanto. Um dia me chamou e me disse: “Venha, vou lhe apresentar Carlos Castaneda!”

Eu havia ouvido falar dele como um escritor interessante, mas não como nawal. Fui sem nenhuma expectativa ao University Club, onde Carlos estava participando de um coquetel com diversos intelectuais. Desse primeiro encontro não tenho uma impressão clara. Não me lembro exatamente o que falou, só me lembro que estava presente uma das bruxas, Florinda Donner.

A segunda reunião a que assisti foi diferente. Então já havia começado a ler sua obra, e descobri que ali se encontravam respostas para as minhas inquietudes. Desse modo, me dei a tarefa de anotar tudo o que dizia. Nesta ocasião, explicou como se movia o ponto de encaixe, quer dizer, o centro onde se focaliza a percepção. Disse que todos estamos conectados com os filamentos do ser cósmico que chegam até nós, e que podemos nos mover de um grupo de filamentos a outro, se aprendemos a deslocar o ponto de encaixe. Esse deslocamento pode ocorrer, seja dentro da faixa que é acessível ao homem, ou além dela.

Explicou:

“Se se move para a direita, você se torna um nazista!” – começou a marchar pelo palco como um militar, em ângulos retos. Com isso queria dizer que o movimento da percepção à direita, à área do Tonal, solidifica nossa interpretação do mundo, enchendo-nos de convicções e fazendo-nos crer em “verdades” definidas; em conseqüência, terminamos nos comportando como verdadeiros fanáticos. “Mas se seu movimento é para a esquerda, então você se torna místico!” – ajoelhou-se no chão e começou a rezar, como se estivesse possuído de êxtase religioso.

Fiquei assombrada com sua explicação. Sempre havia acreditado que os santos e os místicos eram produto de uma vida de treinamento, de ver Deus e perceber a unidade da criação, agora compreendia que se tratava de uma escolha deliberada. Percebi que nada é verdade ou mentira; o ponto de encaixe determina o que você é, e, se aprende a movê-lo, aprende a fluir entre diversas realidades.

Estamos adaptados a interpretar que existem causas externas que nos levam a determinadas atitudes, mas não é verdade, basta um simples movimento da atenção para entrar em outro canal e captar uma gama completamente nova de percepções. É como se nos conectássemos a uma antena. Você tem aí em seu aparelho de televisão 160 ou 600 canais, e tudo depende de que conheça suas opções para que as troque. Agora vou ver Deus, e me sintonizo com o molde do homem. Mas se me dá vontade, posso ir a outra visão, outra posição do ponto de encaixe.

Os seres humanos passamos a vida inteira aferrados a um canal, digamos, ao canal das estrelas, devorando espetáculos que não nos acrescentam nada. Por que não mudar? Por que não nos darmos um descanso, mostrar-nos outras possibilidades? Você pode escolher quem quer ser.

_ Como era o caráter de Carlos?

_ A princípio, o que mais me impressionou nele foi seu histrionismo. Recordo que fiquei pensando: “Que senhor tão simpático! Se não fosse nawal, teria sido um excelente comediante.” É que o cara era genial no palco. Para fazer didático o ensinamento desempenhava papéis, fazia várias vozes e atitudes, fazendo-nos rir o tempo todo com suas brincadeiras e imitações dos outros. Envolvia-nos com personagens, situações, quase que a gente podia viver as histórias dos bruxos através do que falava. Não lhe importava deixar de lado a postura de mestre e tornar-se qualquer outra coisa.

Outra coisa que me impressionou é que ele não se escondia atrás de uma máscara de guru nem se dava importância alguma. Qualquer um podia abordá-lo e falar de qualquer coisa, que ele sempre respondia, com um sorriso nos lábios. A princípio, dava ampla margem às pessoas, tomava seu tempo para responder tudo o que quisessem perguntar. Era como se percebesse sinais do Espírito nas perguntas, agarrava um tema e fluía por ali.

Como não correspondia ao protótipo do mestre importante e inacessível, as pessoas ficavam desconcertadas com ele. Em certa ocasião, organizei uma conferência na Casa de Cultura de Coyoacán, a umas cinco quadras da minha casa. Avisei a um amigo meu, dono de uma livraria: “Fulano, venha, porque Carlos Castaneda vai dar uma conferência em tal lugar.”

O homem não acreditou, zombou de mim e disse: “Isso não pode ser! Castaneda jamais daria uma conferência pública!”

Pensou que o nawal era um desses guerreiros míticos que não se põem ao alcance das pessoas.

A princípio, era muito picaresco. Constantemente estava desafiando a moral convencional, falava de sexo e de plantas, e era muito aberto em sua linguagem. É que ainda estávamos nos anos 70, um momento desafiador da sociedade.

Depois, sua linguagem se fez mais formal. Foi como se lhe houvessem dito: não fale de certas coisas! Então adotou outra estratégia, passou do expansivo ao concreto, seu tom se tornou mais equilibrado e começou a desestimular o uso de plantas.

Teve que mudar, pois se havia formado um equívoco em torno dele. Muita gente o buscava, não por conhecimento, mas pelo mito do herói. O que queriam era um modelo de vida, alguém que lhes dissesse o que fazer em cada momento. A maioria dos que acudiam a suas conferências não lhe fazia caso quando falava sobre ser impecável, em compensação, tomavam ao pé da letra sobre o peyote. Chegou um momento em que Carlos se sentiu responsável.

_ Como foi que você se tornou a organizadora dos eventos no México?

_ Velasco Piña disse que sou a mulher-ponte, pois estou sempre conectando pessoas. Essa era minha função nos grupos naguais, avisar a todos: “Aí vem Carlos!” Assim nos reuníamos.

Começou pouco depois de tê-lo conhecido. Um dia chegou Fausto e me disse: “Carlos vai vir e preciso que você me ajude a conseguir dois lugares para dar suas conferências. É que estou muito ocupado e não tenho tempo, agradeceria muito se você o fizesse.”

Me senti muito orgulhosa com seu encargo, pois pensei que o estava ajudando deveras. Mas agora, quando penso nisso, acho que ele estava me pondo à prova para ver se eu atendia aos requisitos.

Fui correndo falar com minha amiga Maru, que tinha uma casa lá por Pedregal, com um auditório com uma tela grande. Ela não sabia bem quem era Castaneda, pois o nawalismo não era sua linha, mas ficou encantada de nos emprestar o lugar. Reuniram-se entre 100 e 150 pessoas.

Nessa oportunidade, Carlos deu uma conferência esplêndida. Falou da importância pessoal. Disse que, para um guerreiro, perder a importância era como bater no cachorro do índio.

Através de suas gesticulações, pudemos compreender o sentido desta metáfora: o índio está no extremo da escala social; pois bem, o cachorro do índio está ainda mais abaixo, e uma vez que você bate nele, ele já não pode se degradar mais! Assim é quando você perde a importância, como Jó quando perdeu tudo: está no chão, não é ninguém; nada pode lhe ofender, porque já passou por tudo; não há dor nem aborrecimento, só o que você pode fazer é dar-se conta ou morrer.

Falou também das cogidas aburridas. Afirmou que o pai e a mãe nos deixam impressos para toda a vida. Disse que ele era produto de uma cogida aburrida, mas eu não acredito, porque derramava uma energia inexplicável.

Deu como exemplo de uma vida perdida a de seu avô, um tipo peculiar, folclórico. Notei que gostava muito dele, parece que foi importante em sua vida. Em certo momento se emocionou e exclamou: “Não quero morrer como ele, babando no colchão!”

Depois dessa conferência, foi para o jardim e conversou longamente com algumas pessoas.

O medo terrível que eu sentia quando tinha que organizar uma conferência era que ele me deixasse plantada depois de ter reunido as pessoas. É que muitas vezes ele dizia que ia mas não chegava.

Algo assim aconteceu uma vez na Universidade Nacional Autônoma, em um centro dirigido por sacerdotes dominicanos. Haviam-se reunido umas 300 ou 400 pessoas; estavam todos os grupos de praticantes do México. Os minutos começaram a passar e as pessoas foram se desesperando. Então chegou correndo um amigo, todo afobado, e nos disse que o nawal acabava de ligar para avisar que não ia vir. Depois subiu à tribuna e anunciou: “Carlos Castaneda pede desculpas a vocês, mas teve uma diarreia e não vai poder dar a conferência.”

As pessoas ficaram frustradas e, para entretê-las um pouco, alguém subiu ao púlpito e começou a falar sobre a obra do nawal. Mas as pessoas não se interessaram muito e começaram a ir embora.

Eu não sabia o que pensar, mas disse para mim mesma: “Não vou até ver o que Carlos vai fazer.” É que já era escolada no assunto e conhecia o truque.

Quando restavam menos da metade das pessoas, aparece Castaneda todo sorridente, pede desculpas e explica que o problema era que havia muita gente reunida, e, como ele não gostava de usar microfone, teve que esperar que alguns se fossem para que sua voz pudesse ser escutada por todos. Acrescentou que, para sentir-se à vontade, precisava de uma audiência íntima.

Essa explicação não me convenceu: era óbvio que o nawal estava manobrando para escolher os que verdadeiramente deveriam escutá-lo. O que deteve os que ficaram, uma vez que fomos advertidos que o evento estava suspenso? Creio que foi o Espírito.

Nessa conferência, talvez porque o auditório estivesse formado principalmente por estudantes, colocou muita ênfase na responsabilidade que temos que ter para encarar a segunda atenção, sobretudo quando através de plantas. Desaconselhou expressamente seu uso, aduzindo que Dom Juan só lhe deu porque ele era muito fixo em suas rotinas.

Pouco depois se deu meu afastamento de Carlos, foi algo físico, não espiritual, e se deveu a um mal-entendido, ou pelo menos foi o que achei. Em uma ocasião correu a notícia de que o nawal tinha vindo ao México e ia dar uma conferência. Manuel Zurita, que era chamado de “o Proibido”, ligou para perguntar se eu sabia de algo. Respondi que não, que quando averiguasse lhe diria.

Por esses dias, minha filha Sandra estava trabalhando no gabinete de um conhecido jornalista, em umas pesquisas sobre fenômenos paranormais. Sem nenhuma razão aparente, eu fui visitá-la justo no momento em que Fausto ligou para avisá-la que Carlos ia falar na Editora Diana. Eu não tinha por que ter ido lá, foi uma casualidade que interpretei como um augúrio, de modo que peguei o telefone e perguntei a Fausto: “Que acha de eu convidar algumas pessoas amigas, como Toni Karam, Mariví de Teresa e Manuel Zurita?”

Respondeu-me com voz alarmada: “Convide quem você quiser, menos Manuel. Por nada deste mundo diga-lhe onde será!”

Como eu tinha ficado de avisar Manuel, liguei de volta e disse-lhe, com toda a sinceridade:

“Olha, não posso lhe convidar, porque vai ser um evento privado e o nawal não quer você lá. De modo que, por favor, não fale sobre essa ligação. Nem posso dizer onde vai ser, porque prometi a Fausto.”

Mas Manuel tinha seus contatos e se apresentou na conferência. Evidentemente, todos acharam que havia sido eu. Dizem que caí em desgraça por isso.

Um dia soube que ia ter uma reunião com Carlos na Casa Tibet. Falei com Miguel, o ajudante de Mariví, para ver porque não me haviam avisado, e ele me disse que eram rumores, que o nawal não ia vir; mas, pelo tom de sua voz, percebi perfeitamente que estava mentindo. O que mais me doeu não foi que me evitassem, mas sim que se tratou de uma conferência aberta, para a qual convidaram até pessoas desconhecidas.

Ainda estou sentida com Fausto porque, por sua causa, Carlos me relacionou com Zurita. Quando falo com ele pelo telefone, digo: “Por sua culpa nunca mais entrei nos grupos!” Mas sei que, na realidade, não é assim.

_ O que você quer dizer?

_ É difícil julgar as razões do nawal. Ele era desapiedado quando tinha que nos dar uma lição, e não gostava que misturássemos seu ensinamento. Em uma conferência, me aproximei para cumprimentá-lo. Ele me abraçou com muito afeto e me disse: “O que aconteceu com você?”

Não entendi racionalmente sua pergunta, mas não me atrevi a perguntar-lhe o que estava vendo. Baixei a cabeça e respondi: “Não sei”.

De algum modo, soube que havia visto uma mudança na minha energia. Quando me fez a pergunta, me vieram à memória certos exercícios que eu estava fazendo com o grupo de Jaime Ribas. Jaime era um instrutor de alquimia; por exigência dele, mudei drasticamente minha dieta e deixei de fumar, o que me fez engordar. Mais tarde, Mariví afirmou que Carlos se aborreceu com isso. Disse-me que a chamou à parte e falou: “Não convide mais Martha para as minhas conferências, porque está muito gorda. Nem Miguel também, porque está muito magro.”

Você pode perceber que esses não são argumentos válidos, e sim pretextos. Neste momento, acredito que o motivo real pelo qual me separou dos grupos é outro, e me custou anos entender.

Carlos cortou vários dos que estávamos mais próximos dele de uma vez. No caso de Manuel, era uma questão de energia. Ele é um homem muito vital, nota-se que teve contato com o Poder. Comigo sempre foi encantador, mas em outros provoca medo, porque seu comportamento é muito desconcertante: seus olhos redondos, como bolas de gude, têm algo de inquietante, como se escondessem algo. Também é um observador muito crítico. Sempre me advertia: “O nagual quer com você!”

Disse-me que, naquela famosa reunião, quando Carlos me abraçou, ele havia visto como puxava minha energia. Entendo porque o nagual não queria vê-lo.

Mas, no meu caso, como no de outros companheiros, o motivo da separação foi nos dar uma lição. Dei-me conta disso um dia, conversando com Fausto sobre um evento relacionado com os huicholes. Conversamos muito e confessei que estava muito afetada pela separação.

Ele fez algumas observações, e de repente ficou óbvio para mim que tudo havia sido parte de um jogo, uma nawalada de Carlos, para que nenhum de nós se achasse mais do que o outro. Nós que andávamos com ele sentíamos que havia um vínculo, que éramos importantes na estratégia. Particularmente os homens não eram nada sóbrios, todos estavam loucos por ele, queriam igualar-se a ele, ser seus continuadores.

De repente, o nagual rompeu o laço, fez-nos ver da maneira mais crua que não éramos ninguém, e que o melhor que podíamos fazer era destruir nossa importância pessoal.

_ Como você reagiu à separação?

_ Me doeu muito. Eu estava acostumada aos eventos abertos, que qualquer um podia assistir. Minha visão do nawal era muito livre, nos primeiros tempos Carlos aparecia e ia embora sem compromisso, não havia possibilidade de dizer “quero ser sua aluna”.

De repente se formaram uns grupinhos herméticos, fechados com cadeado. O ensinamento se fez sistemático, e os participantes adquiriram um status social que os diferenciava do resto. Não se podia chegar até eles da rua, praticavam os passes mágicos.

O que mais me doeu foi perder os exercícios. Constantemente me recriminava, dizendo a mim mesma: justo agora, quando Carlos nos traz os exercícios, eu fico de fora! É que até então tudo havia sido conversa e um ou outro exercício isolado, mas agora estavam sendo feitas práticas formais. Tive que me resignar, fui praticar na casa de Mariví, em um grupo secundário.

Depois que caí em desgraça, a organização dos eventos ficou por conta de Mariví. Eu que a tinha apresentado a Carlos.

Foi muito engraçado, porque, apesar de ela ser prima de Carlos Ortiz e já estar há tempos investigando as coisas do Espírito, não sabia nada dos ensinamentos do nawal. Sua aproximação teve a maior transcendência no desenrolar dos acontecimentos. Carlos lhe delegou sua confiança de imediato; encarregou-a de difundir os passes mágicos, sobretudo os passes iniciais, que eram muito fortes.

Os primeiros grupos se reuniam na Quinta Colorada, onde iam praticar os membros do grupo de dança tradicional Citlalmina. Carlos tinha algo a ver com eles, pois lhes dava aulas de Tensegridade.

Devido às minhas boas relações com Mariví, voltei a encontrar-me com ele em 94. Ela havia aberto um café na Casa Amatlán. Eu a apoiei, planejamos as conversas de café, às quais foram convidados muito interessantes, como um ex-sacerdote de Guadalajara e o pessoal de Carlos de León. Foi algo muito animado.

Um dia soube que Carlos estaria ali, de modo que fui. Nessa ocasião, falou de certas práticas para mover a energia. Recordo que utilizou um balde de água para exemplificar o conceito de fluidez. Ao terminar, me cumprimentou afetuosamente, mesmo eu estando proscrita. Entendi que a separação não havia sido nada pessoal.

Meu último encontro foi na reunião do hotel Fiesta Palace. Naquela ocasião, reuniram-se umas 500 pessoas. Enquanto esperávamos que aparecesse o nawal, fui testemunha de algo que não me agradou. Toni Karam subiu ao palco e se dirigiu à multidão, gritando: Intento! Intento! Todos faziam coro com ele. Tive a impressão que isso era fanatismo, pois, pelo que entendi dos ensinamentos, o Intento é algo pessoal.

_ A que se deve a mudança de atitude de Castaneda?

_ Como lhe disse, a princípio era muito aberto. À medida que seus auditórios cresceram, suas respostas se fizeram mais breves e abstratas, e passaram do anedótico ao conceitual. Isso é compreensível, pois, quando você tem sessenta mãos levantadas, fazendo perguntas ao mesmo tempo, não pode conceder a cada um a mesma atenção. Nos últimos tempos, eram as bruxas que respondiam por ele.

Essa mudança se notou em outro assunto, por exemplo, nas estratégias de difusão. Durante muitos anos Carlos recusou o contato com o público. Os que o conheciam nos sentíamos como parte de um movimento underground. De repente ele se abriu à propaganda e começou a falar em grandes foros, cobrando a entrada. Seu nome apareceu por todos os lados. Para o evento do Sheraton, chegou a colocar um enorme outdoor na via pública, cedido por Michael Domit. Também redesenhou os passes mágicos, tornando-os mais leves e suaves, até que terminaram se transformando na Tensegridade.

_ Por que essa mudança de estratégia?

_ Não sei. O que posso dizer é que foi algo muito deliberado.

Naquela época ocorreram coisas estranhas. Por exemplo, justo no momento em que começava a Tensy, Carlos convidou vários companheiros para que se reunissem com ele em Los Angeles. Entre eles estavam Toni, Jacobo, Michael, Carlos e Mariví, entre outros. Ficaram no hotel Claremont, perto da casa do nawal.

Nessa noite, Mariví teve uma revelação. Estava dormindo e sentiu que havia uma presença na casa. Abre os olhos e vê ao pé da cama Carlos e Carol Tiggs, a mulher nagual! Afirma que a tomaram pela mão e a levaram para outro lugar, onde lhe mostraram tantas coisas que regressou completamente alterada.

Eles nunca quiseram falar desse assunto, mas sei que receberam uma informação muito especial; o nawal os iniciou ou algo assim, porque, quando voltaram, Mariví me disse, com a voz trêmula de emoção: “Vivemos algo tão forte, que nos tornamos irmãos! Agora somos uma fraternidade.”

Também me falou sobre um pacto secreto, algo assim como tornar-se cúmplices do conhecimento. Creio que Carlos moveu seu ponto de encaixe coletivamente. Em pouco tempo, cortou-os a todos, com um pretexto qualquer. No caso de Mariví, porque a havia visto fumando em uma reunião. O lugar dela foi ocupado por Marcela Gálvez.

Marcela era uma pessoa muito complicada, sempre com problemas familiares. Pensando que praticar um pouco de Tensy lhe faria bem, liguei para ela e lhe disse para ir ao grupo de Mariví que ela ia gostar.

Ela foi e então a chamaram para as aulas. No início era muito ciumenta e tinha raiva de Mariví por causa do nawal, mas logo começou a escalar degraus e finalmente foi admitida para ter aulas no grupo interno de Carlos, lá em Los Angeles.

Subiu muito rápido. Um dia, fui ao teatro Amália Hernández, onde iam se apresentar o nawal e as chacmoles, e vejo Marcela decidindo quem entrava e quem não, e revistando os convidados para que não passassem gravadores. Sua autoridade se consolidou no evento do hotel Sheraton, onde também desempenhou o papel de chefe de segurança. Esse foi um evento muito grande, chegaram mais de mil pessoas, o que requeria muita organização. Pode-se dizer que ali nasceu Cleargreen, a instituição encarregada de divulgar a Tensegridade.

_ Quando foi a última vez que viu Castaneda?

_ Com a mudança das estratégias de difusão, também mudou meu status. Apesar de não estar mais encarregada dos eventos, fui convidada para apoiar em alguns aspectos, como difusão e contatos de imprensa.

Ainda pude vê-lo no seminário organizado por Michael Domit no Sheraton. Esse foi um desafio muito interessante, porque, depois que Toni Karam levou 500 pessoas ao hotel Fiesta Palace, nós nos propomos levar mil. Além do mais, a maioria desses pertencia às novas gerações, que não sabiam quem era Carlos Castaneda. Michael ofereceu a infra-estrutura e Grisel Vasquez foi a organizadora. Por instruções diretas de Carlos, eles me pediram que os apoiasse com os meios de informação. Foi uma reivindicação para mim.

A última vez que o vi foi no dia 12 de fevereiro de 1996, no evento “Os novos caminhos da Tensegridade”, organizado no Centro Asturino por Guillermo Díaz, dono de uma fábrica de calçados. Sua esposa Lídia foi a porta-voz oficial, junto com Perla e Marcela.

Carlos estava radiante, deu uma conferência preciosa, na qual esclareceu os novos conceitos do ensinamento, respondeu a muitas perguntas e nos disse muitas coisas referentes à continuação do trabalho. Qualificou sua mudança de estratégia como uma evolução natural à qual os praticantes deviam adaptar-se, sem ceder à tendência humana de taxonomizar, quer dizer, atender a minúcias pessoais que não têm nada a ver com o Espírito. É que alguns de seus seguidores estavam investigando detalhes privados de sua vida, como se isso fosse importante.

Disse que quem se dedica a especular sem fazer acaba abandonando a busca, e que, para que as práticas nawais sejam efetivas, o interesse dos participantes deve ser abstrato. Que o centro motor da nossa busca deve ser em todo momento a consciência de uma necessidade de mudança, e não a curiosidade mórbida.

Para mim, esse evento foi muito importante, porque, como encarregada da difusão, me coube organizar uma entrevista coletiva – a única desse tipo que deu em toda a sua carreira. Um detalhe comovedor foi que o dinheiro arrecadado, mais de 150 mil pesos, foi doado a uma instituição de assistência à infância mexicana. Eu estive presente no dia da entrega do donativo.

Depois desse dia, nunca mais o vi.

_ Como recebeu o anúncio do falecimento de Carlos Castaneda?

_ Não acreditei. Não acredito que o nawal tenha morrido.

Tradução: Adriana Northrup

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