sábado, 9 de dezembro de 2023

O bruxo, homem só e sem pátria


Entrevista com Carlos Castaneda publicada em 1976
Fonte: Revista Veja nº356 -1976


Após quinze anos de lições, o brasileiro, talvez peruano ou americano, aprendeu a não ter biografia nem raízes.

Desde que começou a relatar em livros seus encontros com Don Juan, que remontam a 1960, Carlos César Aranha Castaneda transformou-se na mais invisível e impalpável personalidade literária da atualidade. Fragmentos incompletos de sua biografia apareceram nas duas únicas publicações a que concedeu entrevista, as revistas Time e Psychology Today, não se deixou fotografar nos últimos dez anos e não se preocupou em esclarecer algumas dúvidas cruciais. Assim, ele teria nascido no interior de São Paulo, no dia de natal de 1935, segundo disse ao Time. Mas, de acordo com a revista, o nascimento de deu dez anos antes numa cidade do Peru.
 
Comunicado desta descoberta, Castaneda reagiu de maneira impecável para um aprendiz de feiticeiro que aspira apagar sua identidade pessoal: "Estas estatísticas não significam nada. Importante o que nós somos, não o que éramos". Assim, com essa nacionalidade incerta e com uma idade que caminharia para os 40 ou 50 anos, embora certamente aparentasse menos, os únicos sinas da existência terrestre de Castaneda eram um Volkswagen e duas casas de sua propriedade, na Califórnia. No começo do ano passado, o estudante brasileiro Luiz André Kossobudzki, então bolsista de educação na Universidade da Califórnia (UCLA), encontrou-o num jantar beneficiente ao lado de personalidades literárias "normais", como Irving Stone e Irving Wallace. Quinze meses depois, no fim de março último, recebeu de Castaneda os negativos das fotos que o autor tirara no México, e que VEJA publica junto com esta entrevista exclusiva, à qual o entrevistado impôs a condição de que deveria ser publicada no Brasil antes de qualquer outro país. Kossobudzki recorda os seus encontros:

"Eu, minha mulher e mais quatro casais de bolsistas estrangeiros éramos talvez os únicos convidados ao jantar que não tínhamos os nomes gravados em alguma placa de honra. 

Tentamos, sem conseguir, um lugar na mesa de Castaneda, mas depois do jantar ele mesmo veio até nós. Disse-lhe logo que não acreditava ser ele brasileiro. Começamos a falar em inglês, mas logo depois ele se dirigiu até nós com lusitana fluência (inclusive sotaque) e afirmou ter nascido no interior do estado de São Paulo, numa cidade do vale do Paraíba, e que passara parte de sua infância em Juqueri* .Combinamos então nos encontrar novamente para uma feijoada, mas Castaneda desapareceu por vários meses. Um telefonema do seu agente literário informou que ele ainda estava interessado em me ver. 

Finalmente, conversamos três vezes, uma na minha casa e outras duas no campus da UCLA, onde ele trabalha de catorze a dezoito horas diariamente, em suas pesquisas sobre ético-hermenêutica (estudos da interpretação perceptiva de diferentes grupos étnicos). Castaneda aparenta ter 35 anos, 1,70 metros de altura e uns 70 quilos. Fisicamente, passaria por caboclo mato-grossense ou mesmo nordestino".

*Não existe nenhum município paulista com esse nome. Juqueri, no entanto, é o nome de um estabelecimento para doentes mentais no município de Franco da Rocha, na Grande São Paulo, que costuma ser confundido com o nome do hospital. Juquiri é o nome antigo do município de Mairiporã, também na Grande São Paulo.

Aprendendo a viver com a bruxaria
 
VEJA - Quando se lê sobre Don Juan, tem-se a impressão que ele é um homem pobre e com um vasto conhecimento da vida. O senhor poderia falar de sua surpresa ao encontrá-lo de terno em "Porta para o Infinito"?
 
CASTANEDA - Tremi de medo, pois estava acostumado a vê-lo somente em roupas de campo. Isto ocorreu na fase final dos ensinamentos e tinha uma razão de ser. Don Juan revelou-me que era proprietário de diversas ações na Bolsa de Valores, e tenho quase certeza que se ele fosse um homem tipicamente ocidental estaria vivendo em um apartamento de cobertura no centro de Nova York. Finalmente aprendi que as duas realidades poderiam ser divididas no que Don Juan denominava tonal (consciente) e nagual (que não se fala). Na realidade do consenso social, o bruxo, o homem de conhecimento, é um perfeito "tonal" - um homem do seu tempo, atual, que usa o mundo da melhor forma possível. Nós usamos história como uma forma de recapturar o mundo passado e planejar para o futuro. Para o bruxo, passado é passado e não existe história pessoal nem coletiva.

 VEJA - O principal de seu encontro com Don Juan está escrito no livro "The teachings of Don Juan"(na versão brasileira, a Erva do Diabo"), mas em lugar nenhum existe menção de exatamente onde estiveram. Seria possível uma descrição mais detalhada do local?
 
CASTANEDA - Na fronteira entre os Estados da Califórnia (Estados Unidos) e Sonora (México) existe uma cidade chamada Nogales. Partindo de Nogales, a rodovia principal passa pela cidade de Hermosillo, capital de Sonora, pela cidade de Guayamas e finalmente cruza a Estácion de Vicam. A oeste da Estação de Vicam, em direção ao Pacífico, encontra-se a cidade de Vicam, habitada em sua maioria por índios yaquis. Vicam é o local onde pela primeira vez encontrei Don Juan. Perto de lá obtive os ensinamentos.

 VEJA - Para não tirar a liberdade de Don Juan, até hoje o senhor não havia revelado este local. Como agora se sente livre em descrevê-lo com exatidão?
 
CASTANEDA - Porque agora ninguém conseguiria achar Don Juan; ele não está mais por lá, e Don Genaro também sumiu das montanhas do México Central (Sierra Madre Ocidental). Não existe jeito nenhum de encontrá-los. Don Juan me mostrou e ensinou tudo o que ele podia e por isso não há necessidade de que ele permaneça à minha disposição. Da mesma forma, você sabe que se quiser me encontrar é só ir até a UCLA, deixar um recado ou me procurar na biblioteca de pesquisas. Mas, se eu deixar de vir à UCLA, você não terá a mínima ideia de onde me encontrar. Como Don Juan, procuro viver como feiticeiro.

 VEJA - Muitas pessoas, eu inclusive, encontram dificuldades em aceitar factualmente as descrições dos ensinamentos de Don Juan. O senhor se preocupa com o fato de as pessoas reagirem dessa forma?
 
CASTANEDA - Não, porque não dou ênfase na importância de minha pessoa, este é um ponto crucial dos ensinamentos que recebi de Don Juan. Raramente converso com alguém, e quando converso é face a face. Nada de gravadores ou fotografias, que trariam peso sobre a minha pessoa. Além de ferir uma das premissas básicas de feitiçaria e bruxaria, eu estaria tolhendo minha própria liberdade. Quando enfatizo a minha pessoa, estou me tachando a mim mesmo, estou colocando nas minhas costas um peso que vai além das minhas possibilidades de carregá-lo. Colocar tal peso nas costas é dar uma enorme importância à minha própria pessoa. Durante os ensinamentos, Don Juan fazia esboços na areia do deserto com o dedão do pé e preenchia os círculos com verbosidade. Ele dizia que "cargase a uno mismo" conduz a pessoa a um senso "importância personal" que combinados não permitem "acciones" por parte da pessoa. Quanto mais peso as pessoas acumulam, mais importantes elas se sentem, e menos ações elas executam.

 VEJA - Por que então publicou seus livros?
 
CASTANEDA - Porque esta era a minha tarefa. O bruxo cumpre tarefas que são colocadas em lugar do peso sobre si mesmo e da importância pessoal. Meu trabalho não é feito de erudição, mas uma recoleção da vida que Don Juan colocou em seus ensinamentos. O bruxo cumpre as tarefas que lhe dão com satisfação. Ele as cumpre sem esperar por reconhecimento da sociedade ou coisa que o valha, o que seria o "carregar-se a si mesmo" exercitado pelo erudito, com o objetivo de obter importância pessoal, o que não é meu caso. Por exemplo, se esta entrevista for tomada como um ato de bruxaria, ela se torna uma tarefa a ser cumprida.
 
VEJA - Esta entrevista, seu trabalho, sua obra, e mesmo o fato de trocarmos idéias por várias horas, tem um efeito que me parece ir além do simples cumprimento de tarefas. Elas lhe trazem satisfação, caso contrário não as faria. Além do mais, o senhor espera que sua mensagem, os ensinamentos de Don Juan, tenham um impacto sobre público. Não seria este o caso de cumprir tarefas e esperar pelo reconhecimento da sociedade?
 
CASTANEDA - Eu cumpro minhas tarefas tão fluidamente que elas não me afetam em termos de auto-importância, mas sim em termos de como vivo minha vida. Conheço dúzias de "professores" que se colocam numa torre de marfim de conhecimento: eles sabem tudo, e comandam o espetáculo para as galerias; quanto mais aclamados, ou quanto mais reconhecimento eles recebem, mais auto-importantes se sentem, mas esta mesma auto-importância se torna peso, a cruz a ser carregada, e eles como pessoas não são nada. O trabalho as afeta em termos de auto-importância, mas não em termos de vida pessoal. A mim o trabalho afeta em termos de vida pessoal, mas não de auto-importância. Don Juan me alertou e aconselhou que nunca me tornasse um pavão, "pavo real", que é o resultado à ênfase da importância pessoal. Quanto menos a pessoa pensa e "pseudo-age" em termos de auto-importância ela se torna mais completa. E quanto mais auto-importante se sente, mais incompleta se torna. O ser incompleto nasce da incessante procura por reconhecimento social.
 
VEJA - Mas se a pessoa age, não estaria automaticamente à procura de auto-reconhecimento?
 
CASTANEDA - Não, se estiver agindo como um bruxo. O bruxo vive a vida por si e para si e não para as galerias. Ele não se deixa influenciar pelas reações de consenso social, pois não age em termos de auto-importância. Ele sabe "parar o mundo", ou melhor, ele tem a capacidade de "não fazer".

O "mundo parado", por um passe de mágica.
 
VEJA - E que significa "fazer, "não fazer" e "parar o mundo"?
 
CASTANEDA - O objetivo final do bruxo é se tornar um "homem de conhecimento, mas antes ele tem que aprender a viver como um guerreiro-pirata. Ele tem que ser um impecável caçador à procura de coragem e disciplina. O guerreiro-pirata age por si mesmo, e assume a responsabilidade por suas ações. No processo de me tornar guerreiro-pirata eu encontrei poder pessoal, isto é, o poder da coragem e disciplina. Don Juan me ensinou a enxergar, ver o mundo ao invés de simplesmente olhar. Ele ensinou-me a interpretar o mundo não pelo que se apresenta na superfície, mas pela essência. Porém, antes poder enxergar e interpretar o mundo como um guerreiro-pirata, como um bruxo, tive que aprender como "não fazer", como "parar o mundo". Como você pode notar, é quase que uma taxinomia de tarefas. Para se ter o entendimento de "não fazer" é necessário explicar o significado de "fazer". "Fazer" é o consenso que torna o mundo existente. O mundo da nossa realidade é realidade porque estamos envolvidos no "fazer" dessa realidade. As pessoas nascem com uma auréola de força, poder, que se desenvolve e se entrelaça com o consenso dominante. As pessoas olham o mundo da forma como lhe foi ditada, com os olhos do consenso dominante. Por outro lado, "não fazer" é possível quando uma auréola extra de poder se desenvolve para formar a existência da realidade de um outro mundo. O guerreiro-pirata não escapa do "fazer" do mundo, mas luta dentro desta realidade, a realidade do consenso dominante, o que o auxilia na criação da auréola extra de poder. O ato de "não fazer" conduz ao "parar o mundo", que é o primeiro passo para "enxergar". O mundo da realidade ordinária, do dia-a-dia, nos parece do jeito que é por causa do consenso social. "Parar o mundo" significa interromper a corrente comum de interpretação do mundo, do consenso dominante, ou em outras palavras, parar o consenso é enxergar o mundo como bruxo, numa realidade não-ordinária. "Parar o mundo" é viver num espaço temporal mágico, enquanto que viver na realidade do consenso é viver num espaço temporal ordinário.
 
VEJA - Um bruxo é um pragmático, e o senhor mesmo se rotula assim. Qual seria a aplicação prática de "fazer", "não fazer" e "parar o mundo"?
 
CASTANEDA - Você fuma desbragadamente, como um desesperado. Eu fumava como você, e cheguei a fumar quatro maços de cigarros por dia, até que Don Juan sugeriu que eu usasse a minha compulsão para parar de fumar. Eu deveria ficar envolvido no "não fazer" de fumar. Para isso eu teria que observar o fazer de fumar. Comecei então a observar o "fazer" de levantar pela manhã e procurar imediatamente meus cigarros, o "fazer" de colocá-los no bolso, o "fazer" de apalpar o bolso da minha camisa com minha mão esquerda para ter certeza de que os cigarros lá estavam. O lugar do cigarro, o fumar de dois deles no caminho da universidade, e assim por diante, constituíam o meu "fazer" de fumar. Como eu, você pode observar o que constitui o seu "fazer" de fumar. Uma medida sistemática de fazer leva a pessoa a não executar os detalhes do ato de fumar. Para "parar o mundo" de fumar a pessoa tem que aprender a compulsivamente dizer não para o "fazer" de fumar.1 Este exemplo é grosseiramente uma aplicação dos ensinamentos, pois eu parei de fumar logo nos primeiros contatos com Don Juan, mas somente consegui "parar o mundo" da realidade ordinária depois de dez anos. A partir deste ponto Don Juan deixou de usar plantas alucinógenas como parte dos ensinamentos.

Guias para se acabar com o bom senso
 
VEJA - O senhor não fuma, não bebe e evita até café. Como então vê o uso de drogas como parte dos ensinamentos de Don Juan?
 
CASTANEDA - Don Juan usou psicotrópicos e plantas alucinógenas como um auxílio aos ensinamentos. Uma vez atingido o objetivo, estes veículos se tornaram desnecessários. As drogas são maléficas para o corpo, e não tem nenhum defeito além de uma certa qualidade que o bruxo necessita.

 VEJA - De que modo as drogas serviam de instrumento auxiliar aos ensinamentos de Don Juan?
 
CASTANEDA - O mundo como nós o vemos é apenas uma descrição, e cada item da descrição é uma unidade, o que eu chamo de "gloss" (aparência externa") Uma árvore é um gloss, um quarto ou uma sala são glosses. Nós colocamos significado ao gloss-quarto como sendo a reunião de pequenos glosses - cama, cadeira, camiseira, armário. A realidade do consenso é formada por uma corrente infinita de glosses, os quais, por sua vez são formados e interligados por pequenos glosses. Esta corrente forma, na nossa realidade, um sentido comum, isto é, esta corrente de glosses tem que fluir em uma direção pré-concebida que nós chamamos consenso ou sentido comum. Para quebrar ou interromper a corrente, o bruxo usa drogas que criam um espaço vazio na corrente, implantando uma nova direção, a direção do sentido comum ou do bom senso da realidade não ordinária (realidade da bruxaria). Sentido comum e bom senso estão diretamente ligados ao nosso corpo. Com o uso de drogas, há uma interrupção no bom senso e abertura de uma nova direção, e essa nova direção só pode ser encontrada com um guia (bruxo), pois de outra forma o uso de tais drogas é sem valor. O homem geralmente tem a ideia de gozar a vida através dos vícios. Um viciado é uma criança profissional. Interromper a corrente de glosses, parar o mundo, com o uso de drogas só pelo prazer de interromper, só pode causar dano, além de ser uma brincadeira cujo preço é caro. Uma vez que o corpo aprendeu a interromper a corrente, não há mais necessidade de auxílio para tal interrupção. A pessoa interrompe pela própria vontade.

Uma estranha psicoterapia: sentir-se morto
 
VEJA - Acha que o processo de interrupção voluntária da corrente do "bom senso" seria eficaz se aplicado à psicoterapia?
 
CASTANEDA - O sucesso de Don Juan como psicoterapeuta é impressionante. Ele me fez cônscio de que eu era uma criança profissional, que eu estava colocando muito peso sobre mim mesmo, enfatizando minha importância de pessoal, e não transformando em ações minhas fantasias. Ele me ensinou a viver para o agora, a encarar a minha morte como um fato inevitável e existente em minha vida. O conceito de morte deve ser encarado como uma realidade. Don Juan me ensinou que, se eu me considerasse como morto, nenhuma das minhas ações teria importância pessoal, e com isso eu poderia mudar, ou mudanças poderiam ser feitas e tarefas serem cumpridas. O fato inevitável de morte é muito mórbido para o homem ocidental, e em conseqüência o Ocidente procura interação social com o objetivo de ajustamento ao "bom senso".
 
VEJA - Seria correto dizer que a pessoa, em nossa realidade rotulada de psicótica, para Don Juan seria apenas a pessoa que acidentalmente interrompeu a corrente do "bom senso" e não conseguiu refazer esta corrente?

CASTANEDA - Correto. O bruxo quebra a corrente do bom senso por vontade própria. não é uma coisa acidental. Nas primeiras experiências tenho quase certeza que sem um guia teria perdido o contato com a realidade do consenso; em outras palavras, eu não seria capaz de encontrar o caminho de volta a essa realidade. O guia orienta o aprendiz a sair da realidade do consenso e a entrar na estranha realidade da bruxaria, bem como sair daquela estranha realidade e voltar a realidade do consenso. Este exercício é repetido até que o aprendiz adquira o domínio da sua própria vontade. Para o psicótico, o exercício sobre a direção de um psicólogo clínico ou de um psiquiatra resume-se a retornar à realidade do consenso, e a permanecer conformado. O bruxo, além de guia, é o modelo de "homem do conhecimento". Para Don Juan, qualquer mudança somente é possível se a pessoa praticar seus próprios ensinamentos. Novamente a filosofia "eu faço o que eu digo" prevalece.

 
VEJA - "Porta para o Infinito" menciona o uso de sonhos como um exercício no domínio e controle da própria vontade. Seria este controle da mesma natureza do domínio da própria vontade ao que o senhor acaba de se referir?

CASTANEDA - Eu menciono neste livro os diversos exercícios para controle dos sonhos, ou seja, para que a pessoa possa colocar os sonhos a seu serviço e sonhar produtivamente. Este sonhos requerem o mesmo domínio da vontade que é necessário para sair e voltar à realidade ordinária. Sonhos para um bruxo não são simbólicos, mas frutos do controle que adquire através dos ensinamentos. Ele dorme sonhando sonhos produtivos, como que uma continuação do dia a dia, ao invés de sonhar sonhos ordinários comuns, e sem controle. Aos poucos, uma pessoa consegue se disciplinar, a ponto de, sonhando, ser capaz de ver a sua própria imagem dormindo a sonhar. O caso extremo deste controle pode ser exemplificado pelo que Don Genaro afirma ser capaz - materialização de uma duplicata da sua própria pessoa. Com o controle dos sonhos a pessoa pode aumentar a sua capacidade de ação. Todas essas realidades não exploráveis da realidade do consenso formam um todo - o "homem de conhecimento".

 
VEJA - O senhor acha que nós exploramos e usamos apenas parcialmente o nosso potencial por razões inerentes à nossa educação formal?
 
CASTANEDA - A educação formal e informal do homem ocidental não dá margem a nada estranho ou diferente do consenso social. O que é fora da norma do nosso bom senso é considerado anormalidade. Também falta ênfase na noção de responsabilidade para consigo mesmo: não falamos suficientemente da responsabilidade para as nossas crianças, e por esta razão poucos deixam de ser crianças, e vivem a vida como crianças-profissionais. Explicando melhor: a criança profissional é a pessoa que precisa de carinho e é recompensada por meio de atenção dispensada a sua pessoa. Ela é auto.importante, um eterno infant terrible. Queria deixar de uma vez por todas de ser criança, mas eu era muito querido por mim mesmo, e sempre tinha uma desculpa para que continuasse alimentando minha auto-importância. Não fazia nada, não produzia nada, ações eram abafadas pelos meus planos e decisões, e pelo meu senso de importância pessoal. Até que aprendi com Don Juan a deixar de ser criança profissional e me tornei guerreiro-pirata.. Ficar sentado, esperando que me dessem tudo ou sonhando acordado com a glória da minha auto-importância, não me trouxe nada. Eu tive que ir procurar coragem e disciplina.
 
De criança profissional a guerreiro-pirata
 
VEJA - O senhor vive como um bruxo, isto é, uma vida de anonimato, enquanto o seu trabalho é público e de muito sucesso. Qual é a satisfação pessoal que resulta deste aparente antagonismo entre autor e pessoa?
 
CASTANEDA - Minha satisfação vem de escrever impecavelmente e de apresentar minha pessoa à luz da verdade. Eu realmente não vejo antagonismo, pois minha vida pessoal é um reflexo da minha obra. Novamente afirmo que faço aquilo que digo, pratico aquilo que prego. E uma vez que sou honesto comigo mesmo, não me importa o que e como a galeria pensa ou reage. Desta forma, sou livre dos altos e baixos. Veja o exemplo de Timothy Leary, o guru do ácido lisérgico. Ele é um exemplo típico de excesso de auto-importância. Lá pelas tantas o peso se tornou demasiado e ele teve que pagar o preço extremo. Muitos são os escritores que pregam mas não seguem a própria pregação, muitas são as pessoas que promovem um corpo forte e uma mente sadia, mas acabam destruindo gradativamente o próprio corpo e mente. Don Juan era o modelo que fazia e praticava tudo aquilo que era colocado como tarefa para mim, durante todos os anos da aprendizagem.
 
VEJA - O senhor mencionou o modelo de Don Juan, mas foi também exposto a um outro modelo: o consenso social. Como alia esses modelos em sua vida?
 
CASTANEDA - O modelo de Don Juan me deu os parâmetros de uma realidade diferente da do consenso social. Outro modelo me conduzia ao eterno enfant terrible. Ao longo dos ensinamentos, abandonei este último. Um modelo me conduzia à criança profissional, e outro ao verdadeiro guerreiro-pirata. Quando a pessoa tira o senso de auto-importância do seu caminho e toma a consciência de que o homem que puxa a corda e trama os pauzinhos é tão humano quanto eu ou você, ela pode atingir aquilo que quiser. A pessoa pode ser ultra-inteligente e cheia de recursos, mas se somente espera que as coisas lhe venham às mãos, quando não é atendida pelo mundo cai num estado de ódio, remorso e medo. O guerreiro-pirata não tem medo, ele não espera que as coisas venham até ele. Ele age, cumpre suas tarefas, e ao mesmo tempo não se preocupa com as conseqüências.
 
Notas

1Em uma entrevista mais recente, concedida a Carmina Fort, Castaneda relata que Don Juan, para fazê-lo parar de fumar, certa vez levou ao deserto, avisando que iam passar lá vários dias. Castaneda fez um estoque de cigarros, com várias caixas embrulhadas. Enquanto dormiam, os cigarros sumiram. Castaneda, desesperado, procurava uma explicação. Don Juan disse que talvez tivesse sido os lobos. Rondaram as habitações próximas mas não acharam nada para Castaneda fumar. Esse acontecimento foi decisivo para ele largar o mau-hábito (nota do redator).

sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

Ho'oponopono e a Filosofia Kahuna




O Ho'ponopono é uma técnica de cura espiritual efetiva, mas qualquer ferramenta xamânica depende do poder pessoal daquele que o utiliza para que se mostre eficaz. O poder pessoal nesse sentido é tudo, por isso importa cultivá-lo, e isso pode ser feito através do Ho'oponopono e dos princípios fundamentais que regem o Xamanismo dos Kahunas. Um desses princípios liga-se ao conceito de pragmatismo e funcionalidade: o que é verdadeiro é aquilo que funciona. Esse é o espírito prático dos kahunas que liga-se ao conceito de poder pessoal: para manifestar o poder é preciso ter poder. Isso parece bastante óbvio, mas é também bastante esquecido por aqueles que se utilizam pela primeira vez dessas ferramentas e buscam resultado imediato sem antes terem trabalhado em si o poder e seu exercício através de uma disciplina intensa, longa e dedicada.

O poder de tal prática é imenso, mas age em função do poder do praticante. O Xamanismo é um caminho muito exigente, mas sua exigência está em sintonia com seus desafios. Pode-se curar os outros a partir de si mesmo e pode-se mesmo curar não apenas pessoas, mas "coisas", pois tudo é vivo e tem poder. Não há limites para o nosso poder, a não ser por nós mesmos.

De maneira que apresento aqui um resumo da Filosofia Kahuna seguido de uma entrevista com dois dos representantes de tal ideologia xamânica.


Os Sete Princípios do Xamanismo Havaiano, seus Atributos e Talentos

  • IKE: O mundo é o que você pensar que ele é.
  • KALA: Não existem limites.
  • MAKIA: Para onde for a atenção para lá irá a energia.
  • MANAWA: O momento do Poder é agora!
  • ALOHA: Amar é estar feliz com...
  • MANA: Todo o poder vem do seu interior.
  • PONO: A verdade é medida por sua efetividade.

COROLÁRIO – é o que se deduz de uma verdade estabelecida

1º. Ike - O mundo é o que você pensa que é.

Corolário: 
  • Tudo é sonho. 
  • Todos os sistemas são arbitrários.
  • Utilização do poder do pensamento.
  • Princípio do mentalismo.
  • Usar a mente para transcender a mente: iluminação.
  • Cor branca; pureza da mente; meditação. 
Citando o Ribhu Gita, em especial o capítulo 26 tão recomendado por Ramana Maharshi:

39. Eu tenho, portanto, ó Nidagha, claramente explicado a você o estado de ser um com o Ser Supremo. Pensando constantemente que você é o Ser Supremo indiferenciado, você pode atingir esse estado e gozar de constante felicidade. Depois disso, tendo se tornado a Suprema Realidade Absoluta, você nunca experimentará a miséria que vem da identificação com o nascimento e a morte.

2º. Kala - Não há limites.

Corolário: 
  • Tudo está interligado.
  • Tudo é possível.
  • Separação é apenas uma ilusão útil.
  • Utilização das ligações energéticas.
  • Princípio da Interdependência.
  • Como não há limites podemos dizer que não há limites entre eu e Deus, aliás, como o próprio ego é uma ilusão o que há é apenas o ilimitado oceano da consciência, sendo o ego tão somente um gota que se acha distinta do Todo. Nas palavras da Santa Cristã, Catarina de Gênova, “O meu Mim é Deus, nem reconheço eu qualquer outro Mim exceto o Próprio meu Deus.
  • Cor vermelha.

3º. Makia - A energia segue o fluxo do pensamento.

Corolário: 
  • A atenção segue o fluxo energético.
  • Tudo é energia.
  • Utilização do fluxo de energia.
  • Cor laranja

4º. Manawa - Seu momento de poder é agora.

Corolário: 
  • Tudo é relativo.
  • Utilização do momento presente.
  • Cor amarela

5º. Aloha - Amar é compartilhar.

Corolário: 
  • O amor aumenta quando o julgamento diminui.
  • Tudo está vivo, atento e reativo.
  • Utilização do poder do amor.
  • Cor verde

6º. Mana - Todo poder vem de dentro.

Corolário: 
  • Tudo tem poder.
  • O poder vem da permissão (da criação).
  • Utilização do poder da permissão (da criação).
  • Cor azul
Observação sobre a origem da palavra permissão - latim PERMISSIO, de PERMITTERE, “deixar seguir, deixar passar”, de PER, “através”, mais MITTERE, “enviar, deixar ir”.

É preciso ser uma passagem para o Poder, para o Abstrato.

7º. Pono - A efetividade é a medida da verdade.

Corolário: 
  • Existe sempre outra forma de se fazer algo.
  • Utilização do poder da flexibilidade.
  • Cor lilás

A cada princípio corresponde um atributo que representam qualidades especiais a serem desenvolvidas e são percebidos de maneira diferente do que comumente fazemos.

Os Talentos

Os princípios e seus talentos são:

1º. Ike - Visão. Princípio do Mentalismo. É uma maneira diferente de se perceber as coisas, é a visão metafísica da realidade.

A visão comum das coisas chama-se Ike Papakahi; é a visão do primeiro nível. A visão metafísica chama-se Ike Papalua; é a maneira de se perceber a realidade atuando num segundo nível, do qual se controla o primeiro.

2º. Kala - Esclarecimento. Princípio da Interdependência. É a maneira que se tem para agir fazendo com que se consiga claramente a união do seu eu com o universo, é a transformação do homem em um ser holístico. Dissolução do eu.

3º. Makia - Focalização. Princípio da Focalização. Focalizar em sua mente suas intenções, objetivos, metas e propósitos são os modos de se conseguir uma revisão permanente de suas motivações, o que lhe dá maior eficiência em suas ações e uma maior capacidade de realizações. Isso é possível quando se consegue sentir que na focalização existe uma segunda situação, que só é percebida quando a percepção TRANSCENDE O RACIONAL transformando a linguagem de analítica em intuitiva. Nessa fase não há separação: nós somos o todo.

4º. Manawa - Presença. Princípio Presencial. Sendo o presente o nosso tempo, o aqui/agora e o agora/aqui são situações das quais tiramos todo proveito para nosso entendimento e compreensão e quanto mais atentos estivermos, mais presentes nos faremos e mais frutos colheremos de nossas ações. O poder pode ser extraído em qualquer situação, no cotidiano. Tudo é treinamento, é preciso lembrar de si.

5º. Aloha - Bênção; em todas nossas intenções, atitudes e ações, se conseguirmos reforçar o bem presente ou potencial, quer pela palavra, imagem ou ação, poderemos sentir a bondade, enxergar a beleza e apreciar a perícia com que se age. Assim, estaremos abençoando. O Xamã age de maneira diferente porque é capaz de abençoar o bem potencial através de desejos de sucesso às pessoas a quem se dirige.

6º. Mana - Permissão; para que qualquer coisa tenha poder, é necessário que lhe atribuamos este poder que queremos transmitir, isto é, autorizamos que tenha este poder. Isto pode ser feito com pessoas e objetos. Só se consegue isto com a energização do que queremos atribuir poder.

Assim como podemos dar poder, também podemos tirar.

O Xamã guerreiro personifica o mal lhe dando poder, aprendendo como conquistá-lo. O Xamã destemido tira o poder do mal o despersonificando e aprendendo sobre ele, conseguindo a harmonia, fazendo assim, que o mal desapareça.

7º. Pono - Tecelão de sonhos; o Xamã tece seus próprios sonhos desenvolvendo suas habilidades e assim, poderá ajudar os outros a tecerem seus sonhos. Ele usa esta habilidade para fazer suas curas que têm um sentido diferente das curas comuns. Por exemplo, um massagista, massageando o corpo de um paciente está usando suas mãos para curar o corpo físico do paciente. O Xamã massagista, massageando, estará usando o corpo físico como ferramenta para tecer um novo sonho e curar o espírito. São duas situações em que as ações são semelhantes, mas as intenções e atitudes são diferentes.

COMPLEMENTANDO:

1º IKE - Como você se sente depende de como você pensa. Sua realidade é criada pelo que você pensa e sente.

2º KALA - Tudo ouve o que você diz e sente o que você sente. Sua realidade é criada pelo que você sente, ouve, diz e pensa!

3º MAKIA - O que você quer é mais importante do que o que você não quer. Reafirme sempre o que quer, dando força e reafirmando todo o tempo a vibração do que quer para você. Quando pensamos no que não queremos damos força e reafirmamos o que não queremos para nós mantendo a vibração próxima, não nos afastando e sim nos aproximando do que não queremos!

4º MANAWA - As coisas não acontecem ontem e elas não acontecem amanhã; elas só podem acontecer agora. Não pense no que já aconteceu, pois não há como refazer, não pense em como seria bom se tivesse, pois se usar seu presente só pensando no que seria, não construirá agora o que quer para você!

5º ALOHA - Quanto mais feliz você é, mais sorte você tem. A felicidade vibra numa freqüência que aproxima mais felicidade e mais sorte para quem a sente!

6º MANA - Sempre há alguma coisa que você pode fazer. Não há problema insolúvel, não há estrada sem saída! Tudo sempre tem uma saída, tudo sempre tem uma solução!

7º PONO - Sempre faça o que funciona. Se você fizer algo que não funcione, faça diferente! É necessário aprender a diferença entre persistência e teimosia!

Sebastião de Melo

O primeiro ocidental que começou a desvendar os segredos da filosofia de vida dos havaianos tenha sido o americano Max Long. O cotidiano ancestral já havia sido destruído por missionários religiosos e pela invasão de valores ocidentais há um bom tempo quando ele chegou ao Havaí, em 1917. Depois de 18 anos mergulhado em seus estudos nas áreas da psicologia e da etimologia, Long, chegou à conclusão de que havia uma filosofia psico-religiosa por traz do dia-a-dia ancestral e do simples ato de surfar.

A língua havaiana não é apenas um idioma, e sim um verdadeiro raciocínio lingüístico. Cada palavra é um "cacho" de significados, indicados pelos contextos em que se encaixam. Não existia um profano dissociado do sagrado, ou vice-versa. Um exemplo: em nossa sociedade, ora buscamos dinheiro, ora buscamos Deus, numa proporção cada vez mais descompensada.

Os havaianos buscavam os dois o tempo inteiro. "Tudo que eles faziam era com devoção.


Eles viviam na eternidade do agora, como sugeririam Eckhart Tolle, Deepak Chopra, Dalai Lama e os demais gurus de hoje. Na sabedoria havaiana, o aqui e o agora de cada tarefa do cotidiano é o único território onde a fusão entre o profano e o sagrado pode ser efetivamente realizada e perpetuada. Talvez a maior prova disso seja o fato de que na língua havaiana não há termos para o futuro ou o passado.

As atividades do cotidiano (plantar, colher, construir, surfar…), por mais diversas que aparentem ser, são unidas no plano sagrado por "segundas intenções" espirituais que todas as tarefas têm em comum. Elas são a busca de uma energia metafísica que o havaiano chama de "mana". Essa energia, ignorada pelo mundo ocidental, é cultuada pelo mundo oriental na forma de "prana" na Índia, e de "chi" na China. Cada uma dessas três tradições considera essa energia vital, o alimento primordial da alma, que também sustenta o corpo.

A Filosofia

Huna quer dizer: Segredo, não no sentido de manter algo oculto, mas sim de descobrir um sentido mais profundo da nossa existência.

Conhecimento oculto ou realidade secreta é a realidade mais difícil de ser vista. Também significa princípio feminino mais princípio masculino o que corresponde à manifestação da vida.

Leinani Melville diz que Huna é "profundidade". Serge Kahili King define Huna como “o que é oculto ou o que não é obvio; nome dado ao conhecimento dos Kahunas, filosofia de realização, utilizada em qualquer contexto pessoal, científico, religioso".

Max Freedom Long assegura que "qualquer associado da Huna não deve desistir de sua fé tradicional, pois Huna é uma ferramenta que pode ser usada por todos a qualquer hora em qualquer contexto." E esta definição é a mais correta e a que é mais aceita pelos que praticam o Kahuna!

Conceitos

1. A parte teórica nos diz que o ser humano é formado de três espíritos ou aspectos independentes entre si, mas interligados nas ações, quando um depende do outro para se desenvolverem e de um corpo físico quando reencarnados. Existe uma energia que chamamos de “mana” que é o elemento de coesão entre os três, tendo cada um sua própria mana. O corpo é uma imagem manifestada dessa coesão por meio de uma substância. Essa substância de origem divina permeia todo o universo e em consonância com a mana torna possíveis as manifestações – a qual se denomina “substância aka”. Para que isso ocorra, cada espírito possui um corpo-aka que lhe é peculiar e tem funções determinadas. Sendo a Huna uma teoria de transformações, costumamos denominar cada um desses elementos pelos seus nomes na Língua Havaiana.

Esses conceitos chegaram até nós por intermédio dos estudos de Max Freedom Long, Serge King e outros que buscaram na antiga tradição havaiana os elementos teóricos. Essa conceituação teórica se sintetiza na prática no que se denomina “Prece Ação”.

Como todo sistema é arbitrário e relativo por ser interpretativo, a Huna também o é. Isso nos dá a liberdade de sermos ou não adeptos da Huna, conforme nossa interpretação desses ensinamentos.

2. Na parte prática, temos entre outros elementos, a Prece Ação já citada acima, com a qual obtemos bons resultados. Ela é usada principalmente, para curas e alívio de qualquer tipo de sofrimento. Obtemos resultados eficazes, pelo fato de trazer um enfoque diferente de como se deve fazer uma prece. Isso só se torna possível depois de conhecermos os conceitos da Huna. A leitura atenta e livre dos Evangelhos nos mostra que esses princípios da Huna não foram esquecidos por Jesus.

A parte prática da Huna está concentrada no xamanismo. O xamanismo ensinado pela Huna refere-se ao Xamanismo Havaiano. Tudo começou quando se reuniram grandes mestres Kahuna para sintetizarem os ensinamentos em alguns princípios que pudessem traduzir o pensamento e as atitudes que deveriam ter aqueles que se dedicassem a usar a Huna.

Princípios

O princípio básico da Psicofilosofia Huna é não ferir, isto é, não causar sofrimento a si mesmo, aos outros e à natureza.

Podemos evitar isso não nos omitindo nas situações que exigem de nós atitudes coerentes, que promovam o nosso equilíbrio e do meio em que vivemos. Não devemos nos exceder em ocasiões em que depende de nós um bom senso para que tudo transcorra serenamente. Não podemos permitir que sejamos usados para ações que causem prejuízos por exacerbação das mesmas. Qualquer ação que pratiquemos depende de uma intenção; assim, é a intenção a mãe de todos os problemas e virtudes que acontecem. Concluímos então, que é na intenção que está tudo que praticamos na vida e é nela que devemos focalizar toda nossa atenção para que não caiamos na omissão ou no excesso que nos conduzem ao desequilíbrio físico e mental, quando praticamos ações que provocam sofrimento e danos a nós mesmos e em geral.

Assim sendo, é a intenção o alvo de nosso “orai e vigiai” para que possamos crescer e evoluir na constante busca da felicidade. A Huna tem princípios e ensinamentos que nos ajudam nessa busca de uma maneira mais suave e simples, deixando de ser o sofrimento o paradigma de crescimento e evolução.

“O mistério da vida está além de toda concepção humana. Tudo o que conhecemos é limitado pela terminologia dos conceitos de ser e não ser, plural e singular, verdadeiro e falso. Sempre pensamos em termos de opostos, mas Deus, o Supremo, está além dos pares de opostos, já contém tudo em Si”.
Joseph Campbell

Abraham Fornander, que morava no Havaí no Século XIX, fez extensos estudos da cultura e da lingüística desse povo na tentativa de provar que o berço da civilização Polinésia foi o Oriente Próximo.

Max Freedom Long também estava convencido disso, e alegava ter recebido confirmação para sua hipótese de Stewart, que viveu entre os berberes no norte da África. Atualmente, antropologistas mantêm opinião de que os Polinésios vieram da Índia ou do sudeste da Ásia e Thor Hyerdahl acredita que a origem foi na América do Sul.

Os havaianos, no entanto, reivindicam que seu conhecimento e sua cultura são originários da região do Pacífico e que dali expandiram para o resto do mundo. Assim pensam Leinani Melville, James Churchward e Serge Kahili King.

Existem inúmeras coincidências de nomes e significados em diversos lugares da terra, que fazem os estudiosos pensarem na antiguidade e difusão dos ensinamentos polinésios.

No Antigo Testamento há muito conhecimento Huna oculto nos nomes de pessoas e lugares. Um bom exemplo é a historia do Jardim do Éden que possui uma gama de significados ocultos que descrevem o processo para se manter um elevado estado de prosperidade e alegria e os efeitos que ocorrem quando se permite que pensamentos e atitudes negativas dominem. O Jardim do Éden é um estado de consciência e não um local que existiu na terra.

Compreender a essência das filosofias ocultas requer uma completa mudança no pensar por parte do estudante
 e são poucos os que realmente se interessam. A maioria das pessoas é preguiçosa e deseja a lua, mas não quer se esforçar esperando milagres sem conseguir a necessária transformação interior.

A pessoa que idealizou o símbolo da Huna devia conhecer ocultismo e o modo como colocar a essência de um conhecimento secreto em um desenho com algumas frases escritas. A grande dificuldade não é descrever e explicar o conteúdo do símbolo. O difícil é apreender os princípios aí implicados e praticá-los para a melhoria pessoal e da humanidade.

O símbolo Huna tem em sua parte inferior a seguinte inscrição“IKE AO NEI”, cujo significado é “Antigas Revelações para o Mundo”.

A figura utilizada pelos desenhistas do símbolo foi o círculo. Segundo Jung“o círculo é uma das grandes imagens primordiais da humanidade e ao nos determos nesse símbolo estamos analisando o próprio eu. As imagens circulares refletem a psique – relação entre essa forma geométrica e a real estruturação de nossas funções espirituais”.

O círculo representa a totalidade. Tudo dentro do círculo é uma coisa só, limitada e circundada – é o aspecto espacial.

O aspecto atemporal refere-se à parte que vai a algum lugar e volta sempre.

A Huna é plena de símbolos em sua mitologia e também na parte psicofilosófica. Os seus primórdios remontam à época dos primeiros habitantes de Mu, no Pacifico. Os primeiros espíritos vieram do Criador e adquiriram a veste corporal humana em Mu também chamado de Ta Rua, Havai’i-ti-Havai’i, Tahiti. Desenvolveram um sistema de vida, uma linguagem bastante aprimorada para conter os ensinamentos e prepararam indivíduos para a propagação dos conhecimentos por ele praticados (os naacals).

O povo de Mu era definido pelos kahuna como predecessores, pessoas pequenas que formaram a primeira civilização do mundo; pessoas silenciosas que se moviam tranqüilamente e trabalhavam sem barulho, pessoas reservadas que preservaram seu conhecimento em silêncio. Referem-se a eles como pessoas lendárias, que viveram no Havai’i há muito tempo.

Após o desaparecimento de Mu em um terrível cataclismo, restaram os mestres do sistema em outros continentes e nas ilhas Polinésias.

Esse conhecimento não se perdeu porque transmitiram oralmente a muitos seguidores toda a mitologia, lendas e conhecimentos sobre a psique humana.

Teria sido essa a forma que as divindades encontraram para transmitir os ensinamentos psicofilosóficos?

Se assim foi, muitos pesquisadores das civilizações da Polinésia estavam certos, pois acreditavam que a maioria dos preceitos existente provinha das lendas e narrativas transmitidas pelos Deuses. As ilhas do Havaí não poderiam fugir à regra, pois os kahuna sabiam muito sobre a mente humana, talvez mais do que possamos imaginar.

Apesar de ser uma tradição oral, de ter ocorrido grandes mudanças de ordem política e religiosa, a história e a mitologia ainda nos proporcionam muitas áreas de estudo.

Como no círculo simbólico a Huna caminhou bastante e voltou aos princípios básicos existentes na tradição secreta, na mitologia e no conhecimento da mente com explicações psicológicas que só foram desenvolvidas no século XX.

As grandes revelações muito antigas deixadas para o mundo foram: a mitologia havaiana, o Tumuripo ou Cântico da Criação (embora faça parte da mitologia deve ser estudado separadamente, devido à importância do conteúdo para esclarecimento na história da humanidade) e a tradição secreta.

Mitologia

Todos os mitos são verdadeiros em diferentes sentidos. Toda mitologia tem a ver com a sabedoria da vida, relacionada com uma cultura específica, numa época específica. Integra o individuo na sociedade e a sociedade no campo da natureza. Une o campo da natureza à natureza individual. É uma força harmonizadora.

A mitologia havaiana se integra perfeitamente dentro desse conceito.

O Criador Supremo era a figura mais importante da mitologia havaiana e seu símbolo era um círculo com um ponto no centro. O panteão da mitologia havaiana possuía doze divindades principais.

No plano celestial mais elevado encontra-se o SupremoTeave ou Ra que tinha em seu pensamento a essência da futura polaridade (Eri Eri e Uri Uri).
Teave Eri Eri e Uri Uri formam a Trindade Suprema. A seguir Tane e Na’Vahine que são manifestações dos filhos diletos de Teave (Eri Eri e Uri Uri) deram origem à primeira trindade manifestada TeaveTane e Na’Vahine. As manifestações seguintes são as dos filhos de Tane e Na’Vahine, os príncipes TanaroaTu e RonoTanaroa é o regente do Pacífico Sul onde reina sobre as águas; é também o Deus da noite que zela pelas crianças do arco-íris depois que o sol se põe.

TuDeus das colheitas e da agricultura e também membro da justiça do tribunal divino. É o guardião dos mistérios da natureza.

Rono é o Deus do sol terrestre e o Tumuripo foi composto em homenagem a ele. Rono é também o Deus da medicina, responsável pelas plantas que irão curar as crianças de Tane quando adoeceram. Responsável pelas crianças do arco-íris no período diurno.

Tane e Na’Vahine tiveram mais três filhas Rata, Tapo e Hina. Formavam a terceira trindade celestial. Rata tornou-se a companheira de Rono e a principal senhora do sol dessa Terra. Tapo tornou-se a esposa de Tanaroa e a deusa do Pacífico Sul. Hina casou-se com Tu, tornando-se a deusa da agricultura e chefe da justiça do tribunal das leis do céu.

A outra trindade era formada por VateaPapa e Miru.

Vatea era o rei de Nu’umearani, o reino dos deuses e deusas da natureza. A deusa Papa, esposa de Vatea e regente feminina do quinto céu. Papa era conhecida por Haumea e às vezes mencionada como Ta Ruahine (senhora da cratera) era a mãe terra, a mãe da natureza dessa Terra.

Miru foi designado como o “Senhor do Mundo dos Espíritos”, onde vivem as almas dos homens após a morte física e tornou-se conhecido como o “Rei do Mundo dos Mortos”.

Na religião popular do Havaí havia muitos deuses, deusas, fantasmas, gnomos, duendes e espíritos que mudavam de forma de acordo com suas vontades e que poderiam ser amigos ou inimigos dos homens. No entanto, esse aspecto era apenas uma distorção do verdadeiro conhecimento Huna.

Deus para a população e os missionários era akua. A verdade para a compreensão da psicofilosofia é de que akua significa “idéia pronta, totalmente em ação”.

Uma idéia totalmente ativa que provoca efeitos. A deusa Pele, por exemplo, é um akua.

O Tumuripo (Kumulipo no vernáculo moderno).

Muito da filosofia dos Kahuna, está contida no chamado cântico da Criação – Tumuripo, que está mais próximo de uma bíblia kahuna do que qualquer outra coisa. Originalmente era parte de uma tradição oral transmitida por kahunaS treinados em memorização e foi compilada na forma atual, em 1700 pelo Kahuna Keaulumoku. Todas as traduções que foram feitas, são de um manuscrito que era propriedade do Rei Kalakaua, muito interessado na origem divina dos reis do Havaí, na preservação das tradições havaianas, inclusive nos segredos da Huna e o papel dos kahuna como curandeiros.

Na filosofia kahuna tanto o mundo espiritual quanto o material adquirem forma, como resultado de uma interação entre forças relativas, frequentemente representada por um macho e uma fêmea. Para cada Deus no panteão havaiano com pouquíssimas exceções, há uma complementação feminina para ajudar na criação. Muitos são nomeados nas primeiras sete seções do Tumuripo, juntamente com versos que falam sobre a formação das plantas e da vida animal na Terra. O oitavo e o nono cântico relatam o nascimento do homem com percepção consciente e sua multiplicação sobre a face da terra. As outras dezesseis seções na versão Kalakaua tratam das principais genealogias, com exceção de uma narrativa sobre um herói cultural Mauí.

Muitos estudiosos não concordam com a forma que foi traduzido. Em uma tradição oral, numa língua como a havaiana, é difícil traduzir fielmente o sentido das coisas ensinadas, pois há muitas sutilezas na pronúncia o que dificulta a transmissão do contexto para a palavra escrita.

Há no Tumuripo uma descrição muito bonita sobre o aparecimento do primeiro Ser. Isso aconteceu depois dos sete primeiros cânticos, chamados de “A Noite da Criação Espiritual”, que é o significado oculto do Tumuripo.

Na aurora do primeiro dia, quando os raios do sol dissiparam a longa noite, o primeiro Ser pousou na terra no Jardim do Sol Brilhante, Rarovaia. Era a deusa Ra’i Ra’i filha de Eri e Uri. Era o antepassado de Mu. Suas crianças foram concebidas imaculadamente porque o pai delas era o Rei que veio do Céu, o Deus Tane.

Através dos versos estruturados para rimar e terem ritmo, o poeta revela uma incrível compreensão dos poderes criadores do Deus e da Deusa. O Tumuripo eleva-se a altitudes de divina magnitude e é de fato a principal obra oriunda do Havaí.

A Tradição Secreta

O primeiro homem que revelou o código Huna para o ocidente foi Max Freedom Long. Professor no Havaí durante vários anos, era fascinado pelos poderes dos kahuna. Possuíam técnicas de cura e de controle do meio ambiente que realmente funcionavam, mas não revelavam seus métodos a quem não fosse kahuna. Na busca do conhecimento dos kahuna Max Freedom Long observou três elementos: uma forma de consciência (no’ono’o), uma forma de energia (mana) e uma forma de substância (aka). No entanto, demorou muitos anos para decifrar o código oculto no radical das palavras e isso formava uma outra linguagem.

A ideia fundamental na psicofilosofia Huna é de que criamos nossa experiência pessoal de realidade, por nossas crenças, interpretações, ações e reações, pensamentos e sentimentos. Somos cocriadores com o universo.

A Filosofia kahuna e o xamanismo havaiano podem ser sintetizados em sete princípios que conduzem o homem ao ser trino.

Cada um deles é simbolizado por apenas uma palavra chave da Língua Havaiana.

1. Ike – O mundo é o que penso que ele é.

A experiência pessoal é adquirida através das crenças, expectativas, medo, julgamento, interpretação, desejos, sentimentos, intenções e pensamentos constantes ou persistentes.

2. Kala – Não há limites.

Não há fronteiras para sua individualidade, nem entre você e seu corpo, você e o mundo ou você e Deus. Divisões usadas para esclarecimentos são termos funcionais ou convenientes, pois a separação é apenas uma ilusão útil.

3. Makia – A energia segue o curso do pensamento.

Você adquire aquilo em que se concentrou. Os pensamentos e sentimentos revividos conscientemente ou não formam as imagens que trazem para a sua vida, a mais próxima experiência disponível, equivalente aos mesmos pensamentos ou sentimentos.

4. Manawa – Seu momento de poder é agora.

Você não é limitado por qualquer experiência do passado ou qualquer percepção do futuro, porque o passado é apenas uma lembrança e o futuro uma mera possibilidade.

5. Aloha – Amar é compartilhar com...

Aloha é a palavra havaiana que significa amor e este existe à medida que você é feliz com o objeto do seu amor.

6. Mana – Todo poder vem de dentro.

Não há poder fora de você porque o poder divino trabalha através de você na sua vida. Você é o canal ativo para o poder e é direcionado por suas escolhas e decisões. Ninguém tem poder sobre você e seu destino, a não ser que você dê permissão para isso. Quando esse poder é direcionado para as ações, surge a mana energia vital de onde se origina todas as formas de manifestação.

Todos e tudo têm poder e se você aprende a trabalhar respeitosamente com esses poderes, mais do que tentar impor sua vontade, eles poderão ser muito úteis.

7. Pono - A efetividade é a medida da verdade.

Em Pono os meios determinam o fim e não os fins justificam os meios. A cura é a meta e a eficácia é o critério e não a prova de um sistema particular ou método.

A flexibilidade é um dos atributos de Pono; há várias maneiras de se fazer as coisas.

Mana
Mana é o sopro divino que organizou Po e que permeia todo o universo.
A Mana Poder Divino é apanágio de Teave que em sua bondade transforma-a em mana energia vital, através de seus filhos (forças criadoras e geradoras do universo).
A manifestação de mana energia se dá pela força coesiva que forma toda substância e mantém a estrutura de todo kino, e, como fé, tem o poder de transformar uma energia em outra, fator que propicia as curas e a evolução pela permissão do talento do principio xamânico havaiano Mana.

Aka
Aka é a substância básica do universo físico e dela é formada toda manifestação. A palavra tem vários significados como sombra, espelho, reflexo, luminosidade transparência, semelhança, essência e embrião no momento da concepção.

Age como um espelho para refletir padrões de pensamentos nos níveis físico e psíquico.

Em relação ao pensamento é uma simples sombra. Os kahuna acreditam que essa substância pode ser formada e moldada pelo pensamento consciente e inconsciente(dedutivo) e que age como um continente para mana. Quanto mais mana contém, mais densa se apresenta.

Algumas formas de aka são conhecidas pelos sensitivos como matéria etérica ou astral, como em uma percepção mental quando aparece como transparente luminosidade. São as características refletivas dessa matéria que capacitam o curandeiro kahuna, como tecelão de sonhos, a mudar condições mudando o modo de sonhar.

Segundo a interpretação de embrião no momento da concepção, vemos que ai se deu uma transformação adquirindo esse futuro kino, características próprias com uma substancia aka que lhe é peculiar, formando sua própria luminosidade.

Kino – o corpo físico
De acordo com as raízes quer dizer: Uma forma-pensamento altamente energizada.

Em Huna o corpo físico é um pensamento materializado do Aumakua pessoal, modificado por hábitos e atitudes adquiridos pelo uhane e unihipili.

O corpo físico é kino, mas também o é seu mundo físico. Ou seja, seu mundo pessoal, seu ambiente particular como você o experiência, não é apenas percebido por você – é formado por você, especialmente por seus pensamentos, sentimentos, crenças, expectativas, medos e julgamentos sobre ele. Um dos mais importantes segredos sobre você ensinado na Huna é sua habilidade para formar e reformular sua experiência pessoal no mundo.

Conclui-se que sendo uma forma-pensamento possui unihipili e uhane no ser humano e unihipili em qualquer forma manifestada, tendo sempre o Aumakua como guia.

O ser trino
O ser trino na psicofilosofia Huna é um ser espiritual com três aspectos, representados por Aumakua, Uhane e Unihipili em estado de harmonia. A desunião entre Uhane e Unihipili que estão no corpo pode ocorrer e provoca a interrupção da comunicação harmônica entre eles e a perda da efetividade na vida. A descoberta interior do conhecimento da tradição Huna restabelece pela eficácia das ações a união dos três espíritos, terminando com a ilusória separação criada pela individualização do unihipili e uhane, desde o início da longa jornada, através das vidas sucessivas pela compreensão e apreensão simbólica dos sete princípios. É a volta a Po como imagem e semelhança de Tane.

Nós somos únicos. Cada um de nós experiência a vida de forma diferente e nem dois de nós expressam a mesma combinação de talentos e técnicas, a não ser no estado de um ser trino.

Maria Therezinha Mendes de Melo

Bibliografia 
Campbell, Joseph – O Poder do Mito 
Churchward, James – O Continente Perdido de Mu 
Melville, Leinani – Children of the Rainbow 
Melville, Leinani - Dictionary 
King, Serge – Kahuna Healing 
King, Serge – Urban Shaman 
Long, Max Freedom – A Ciência Secreta em Ação 
Long, Max Freedom – Milagres da Ciência Secreta 
Melo, Sebastião – Artigos diversos sobre Huna 
Pukui e Elbert – Hawaiian Dictionary






Não importa que tipo de problema, trabalhe com você mesmo -  Ihaleakala Hew Len.

“Se você quer resolver um problema, 100% de Responsabilidade"

Entrevista com Ihaleakala Hew Len Por Cat Saunders

Como demonstrar gratidão a alguém que lhe ajudou a ser livre?

Como demonstrar gratidão a um homem cuja gentileza de espírito, e agudeza nas declarações, alterou completamente o curso de sua vida?

Ihaleakala Hew Len é a pessoa que significa tudo isso para mim. Como um irmão de alma que aparece inesperadamente num momento de necessidade, Ihaleakala entrou em minha vida em março de 1985, um ano de grandes mudanças para mim. Eu o conheci durante um curso chamado Self I-Dentity Through Ho'oponopono, no qual ele era facilitador, juntamente com a nativa havaiana e kahuna (“guardiã do segredo”) Morrnah Nalamaku Simeona, já falecida. Para mim, Ihaleakala e Morrnah fazem parte do ritmo da vida. Embora eu sinta um grande amor por eles, não consigo vê-los como simples pessoas, porque a forma com que eles influenciam minha vida vem através de um vigoroso pulsar, como o som de tambores africanos na noite. Recentemente, tive a honra de ser convidada a entrevistar Ihaleakala pela Foundation of I, Inc. (Freedom of the Cosmos), organização fundada por Morrnah. Mas minha maior honra foi saber que ele estaria vindo do Havaí especialmente para encontrar-se comigo.

Dr. Ihaleakala S. Hew Len é presidente e administrador da Fundação. Juntamente com Morrnah, ele vem trabalhando com milhares de pessoas há muitos anos, inclusive com grupos das Nações Unidas, UNESCO, Conferência Internacional pela Paz Mundial, Conferência da Medicina Tradicional Indígena, Curadores pela Paz na Europa, e da Associação dos Professores do Estado do Havaí. Tem também uma larga experiência no tratamento de pessoas mentalmente enfermas, com criminosos doentes mentais e suas famílias. Todo o seu trabalho como educador é permeado e tem como suporte o processo Ho'oponopono. 

Ho’oponopono significa simplesmente “acertar o passo” ou “corrigir o erro”. 

De acordo com os antigos havaianos, o erro provém de pensamentos contaminados por memórias dolorosas advindas do passado. Ho'oponopono oferece uma forma de liberar a energia desses pensamentos dolorosos, ou erros, os quais causam desequilíbrio e enfermidades. No desenrolar do processo Ho'oponopono, Morrnah foi orientada a incluir as três partes do Eu, que são a chave para a Auto-Identidade. Essas três partes, presentes em cada molécula da realidade, são chamadas de 

Unihipili (criança/subconsciente), 
Uhane (mãe/ consciente) e 
Aumakua (pai/superconsciente). 

Quando esta “família interna” encontra-se alinhada, a pessoa está em sintonia com a Divindade, acontece o equilíbrio e a vida começa a fluir. Assim, Ho'oponopono auxilia na restauração do equilíbrio, primeiramente no individuo e depois em toda a Criação.

Ao me apresentar este sistema tríplice, juntamente com o mais poderoso processo de perdão que eu conheço (Ho'oponopono), Ihaleakala e Morrnah ensinaram-me o seguinte: a melhor maneira de trazer cura para cada aspecto de minha vida, e para o universo inteiro, é assumir 100% de responsabilidade e trabalhar comigo mesma. E ainda aprendi com eles a simples sabedoria do total auto-cuidado. Como disse Ihaleakala, em sua nota de agradecimento após nossa entrevista:
 
“Cuide bem de você. Se fizer isso, todos serão beneficiados.”

Certa vez, Ihaleakala ausentou-se uma tarde inteira, bem no meio de um curso do qual eu participava, simplesmente porque sua Unihipili (criança/subconsciente) pediu para ir ao hotel e tirar uma longa soneca. É claro que ele assumiu sua responsabilidade antes de se retirar, e Morrnah estava lá para dar prosseguimento ao trabalho. Fiquei impressionada com sua atitude. Para alguém como eu, criada numa família que ensinava a sempre colocar os outros em primeiro lugar, a ação de Ihaleakala foi no mínimo surpreendente e divertida. Ele tirou sua soneca e deu uma lição inesquecível de auto-cuidado.
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Cat: Ihaleakala, quando conheci você, em 1985, eu havia recém começado a trabalhar com consultas individuais, depois de ter sido conselheira em agências durante quatro anos. Lembro-me de você dizer: “Toda terapia é uma forma de manipulação.” E eu pensei: “Cruzes! O que é que vou fazer agora?” Eu sabia que você tinha razão, e quase desisti da idéia! É claro que continuei, mas aquela sua colocação mudou completamente minha forma de trabalhar com as pessoas.

Ihaleakala: A manipulação acontece quando eu (o terapeuta) chego com a ideia de que você está doente e eu vou trabalhar em você.

Coisa muito diferente é quando acredito que você veio até mim para me trazer uma oportunidade de olhar o que está acontecendo comigo. 

Nesse caso não acontece a manipulação. Se a terapia for baseada em sua crença de que você está ali para salvar o outro, curar o outro ou orientar o outro, a informação que você traz emerge do intelecto, da mente consciente. Mas o intelecto não é habilitado para entender e abordar problemas. O intelecto não tem a menor condição de solucionar problemas! Ele é incapaz de compreender que, quando uma situação problemática é solucionada por transmutação (como no caso de Ho'oponopono e outros processos semelhantes), não só a situação fica resolvida, mas tudo o que estiver relacionado com ela, atingindo níveis microscópicos e estendendo-se até o início dos tempos.

Sendo assim, penso que a pergunta mais importante a ser feita é: “O que é um problema?” Se você faz uma pergunta como esta, não há clareza. E como não há clareza, eles inventam uma forma de resolver o problema...

Cat: ... como se o problema estivesse “lá fora”.

Ihaleakala: Sim. Por exemplo, outro dia recebi um telefonema de uma mulher, cuja mãe estava com 92 anos. Ela disse: “Minha mãe está com uma horrível dor nos quadris já faz muitas semanas.” Enquanto a mulher falava comigo, eu fazia a seguinte pergunta à Divindade: “O que está acontecendo comigo para ter causado a dor nesta senhora? Como posso resolver este problema dentro de mim?” As respostas vieram e eu fiz o que me foi solicitado.

Pode ser que uma semana depois a mulher me ligue para dizer que sua mãe está melhor. Isto não significa que não haverá reincidência do problema, porque pode haver causas variadas para aquilo que parece ser o mesmo problema.

Cat: Tenho acompanhado muitos casos de doenças crônicas e dores recorrentes. Trabalho com elas o tempo todo, usando Ho'oponopono e outros processos de clarificação, a fim de reparar toda dor que causei, desde o início dos tempos.
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Ihaleakala: Sim. A idéia é que pessoas como nós estão justamente trabalhando em profissões de cura porque já causaram muita dor por aí.

Cat: Que coisa!

Ihaleakala: Não é maravilhoso a gente saber disso? E ainda atendermos pessoas que nos pagam por lhes ter causado problemas!
Eu disse isso a uma mulher em Nova York, e ela exclamou: “Meu Deus, se pelo menos eles soubessem!” Mas, como você vê, ninguém sabe. Psicólogos, psiquiatras continuam acreditando que a função deles é ajudar a curar o outro.

Vamos supor que você veio me consultar. Eu peço à Divindade: “Por favor, o que quer que esteja acontecendo dentro de mim que causou esta dor na Cat, diga-me como posso corrigir.” E então vou ficar continuamente aplicando a orientação recebida, até que a sua dor vá embora, ou até você me pedir que eu pare. O importante não é propriamente o efeito, mas chegar ao problema. Essa é a chave.

Cat: Você não focaliza no resultado porque isto não é de nossa competência.
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Ihaleakala: Certo. Nós só podemos fazer o pedido.

Cat: E nós também não sabemos quando uma determinada dor ou doença vai se alterar.
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Ihaleakala: Pois é. Digamos que se recomendou a uma mulher o tratamento com certa erva, a qual não está surtindo efeito. Novamente a questão: “O que acontece dentro de mim que faz com que esta mulher não receba os benefícios da erva?” E eu vou trabalhar com isso. Vou limpar e ficar de boca fechada, permitindo que o processo de transmutação se opere. Quando acontece de você se apegar a seu intelecto, o processo é interrompido. A coisa mais importante a ser lembrada, no caso de um trabalho de cura não surtir efeito, é aceitar a possibilidade da causa do problema estar em erros múltiplos, em múltiplas questões e memórias dolorosas. Nós não sabemos nada! Só a Divindade sabe o que está acontecendo.

No mês passado, fiz uma apresentação em Dallas. Na conversa com uma mestra em Reiki, perguntei-lhe: “Quando alguém lhe vem com um problema, onde você vai encontrá-lo?” Ela me olhou intrigada. E eu disse: “Em você. Porque foi você quem causou o problema, e o seu cliente vai lhe pagar pela cura de um problema que é seu!”
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Cat: 100% de responsabilidade.

Ihaleakala: 100% de consciência de que foi você quem causou o problema. 100% de consciência de que é sua a responsabilidade corrigir o erro. Imagine o dia em que todos nós formos 100% responsáveis!

Como vou convencer as pessoas de que nós somos 100% responsáveis pelos problemas? Se você quer resolver uma situação problemática, trabalhe-a em si próprio. Se a questão está ligada a outra pessoa, pergunte a si mesmo: “O que há de errado comigo que está levando esta pessoa a me incomodar?” Aliás, pessoas só aparecem na sua vida para lhe incomodar! Quando você sabe disso, pode superar qualquer situação e se libertar. É simples: “Sinto muito por tudo que está acontecendo. Por favor, perdoe-me.”

Cat: Na verdade, você não precisa lhes dizer isto em voz alta, e nem mesmo precisa entender o problema.

Ihaleakala: Aí está a beleza de tudo. Você não tem que entender. É como a Internet. Você não entende nada de como funciona! Você apenas chega até a Divindade e diz: “Vamos dar um download?” A Divindade então proporciona o download e você recebe toda a informação. Mas, como nós não sabemos quem somos, nunca damos o download direto da Luz. Vamos buscar fora.

. Sempre me lembro do que Morrnah dizia: “É um trabalho interno.” Se você quer ter sucesso, trabalhe internamente. Trabalhe em você mesmo!

Cat: Reconheço que a única coisa que funciona é ser 100% responsável. Mas houve um tempo em que questionei isto, porque eu era uma pessoa do tipo super responsável, que cuidava de muita gente. Quando lhe ouvi falar sobre os 100% de responsabilidade, não apenas por mim mesma, mas por todas as situações e problemas, pensei: “Parado lá! Isso é pura loucura! Não preciso que ninguém venha me dizer para ser ainda mais responsável!” O que aconteceu foi que, quanto mais eu refletia sobre isso, mais fui descobrindo que há uma grande diferença entre um super responsável cuidado com o outro e um total cuidado comigo mesma. O primeiro tem a ver com ser uma boa menina, e o segundo, com ser livre.

Lembro-me de quando você contou sobre a época em que trabalhou como psicólogo na ala para loucos criminais no Hospital Estatal do Havaí. Disse que quando começou a trabalhar lá, havia muita violência entre os internos e que, depois de quatro anos, tudo ficou em paz.

Ihaleakala: Basicamente, assumi 100% de responsabilidade. Só trabalhei comigo mesmo.
.
Cat: É verdade que, durante todo aquele tempo, você não teve contato com nenhum dos internos?

Ihaleakala: É verdade. Eu só entrava no pavilhão para verificar os resultados. Se eles ainda apresentavam problemas, eu ia trabalhar mais um pouco comigo mesmo.
.
Cat: Você poderia contar uma história sobre a utilização do Ho'oponopono nos, assim chamados, objetos inanimados?

Ihaleakala: Certa vez, eu estava num auditório, preparando-me para dar uma palestra, e eu conversava com as cadeiras. Então, perguntei: “Há alguém aí que eu tenha esquecido? Alguém entre vocês gostaria de expor algum problema que exija cuidado de minha parte?” Uma das cadeiras respondeu: “Sabe, hoje num seminário anterior, havia um rapaz sentado em mim, o qual sofria com problemas financeiros, e agora estou me sentindo péssima!” Tratei de limpar aquele problema e logo pude ver a cadeira se endireitando e dizendo: “Ok! Estou prontinha para acomodar o próximo!” Na verdade, o que eu tento fazer é ensinar a sala. Costumo dizer para a sala, e tudo o que há nela: “Vocês querem aprender o Ho'oponopono? Afinal, breve irei embora, e não seria ótimo se todos vocês pudessem dar continuidade a este trabalho?” Alguns respondem sim, outros respondem não, e há aqueles que dizem: “Estou muito cansado!” Então, pergunto à Divindade: “Para aqueles que dizem que querem aprender, como posso ensiná-los?” Na maioria das vezes, a resposta é: “Deixe o livro azul (Self I-Dentity Through Ho'oponopono) com eles.” E é o que faço. Enquanto estou falando, deixo o livro azul em cima de alguma cadeira ou mesa. Não costumamos acreditar que as mesas ficam ali, quietas e atentas a tudo o que está ocorrendo ao seu redor!

Ho'oponopono é muito simples. Para os antigos havaianos, todos os problemas começam com o pensamento. Mas o problema não está no simples pensar. O problema ocorre quando nossos pensamentos estão impregnados de memórias dolorosas a respeito de pessoas, lugares ou coisas.

. O trabalho intelectual por si só não é capaz de resolver estes problemas, porque a função do intelecto é de apenas administrar. E não é administrando as coisas que se resolvem problemas. Você quer é se livrar deles! Quando você faz Ho'oponopono, o que acontece é que a Divindade pega os pensamentos dolorosos e os neutraliza ou os purifica. Não se trata de neutralizar ou purificar a pessoa, o lugar ou a coisa. O que fica neutralizada é a energia que está associada a pessoa, lugar ou coisa. Portanto, o primeiro estágio de Ho'oponopono é a purificação da energia.

. Então, eis que algo maravilhoso acontece. A energia não é apenas neutralizada; ela é também liberada, e tudo fica limpo. Os budistas chamam de Vazio. O último passo é permitir que a Divindade entre e preencha o vazio com luz.

Para fazer Ho'oponopono, você não precisa saber qual é propriamente o problema ou o erro. Você só tem que se dar conta de que está tendo um problema, seja ele físico, mental, emocional ou qualquer outro. Tão logo você o perceba, é sua responsabilidade começar imediatamente a limpeza, dizendo: “Sinto muito. Perdoe-me, por favor.”

Cat: Quer dizer que a verdadeira função do intelecto não é resolver problemas, mas pedir perdão.

Ihaleakala: Sim. Eu tenho duas tarefas neste mundo. A primeira é, antes qualquer outra coisa, cuidar da limpeza. E a segunda é despertar as pessoas que estão adormecidas. Quase todo mundo está adormecido! Mas a única maneira de fazê-las despertar é trabalhando comigo mesmo! Esta nossa entrevista serve de exemplo. Durante as semanas que precederam nosso encontro, estive fazendo o trabalho de clarificação, de modo que, quando nos encontrássemos, fôssemos como dois lagos juntando suas águas. Eles se unem e vão em frente. Só isso.

Cat: Nesses dez anos que faço entrevistas, esta foi a primeira vez que não me preparei. Toda vez que tentava fazê-lo, minha Unihipili dizia que eu devia apenas vir e estar com você. Meu intelecto fez de tudo para me convencer de que eu tinha que me preparar, mas eu não dei ouvidos.

Ihaleakala: Melhor pra você! A Unihipili, às vezes, é muito engraçada. Certo dia, eu ia descendo por uma estrada no Havaí. Quando me preparava para pegar um declive à direita, por onde eu sempre passava, ouvi a voz melodiosa de minha Unihipili: “Se eu fosse você, eu não descia por aí.” E eu pensei: “Mas a gente sempre vai por aí.” E continuei o meu caminho. Uns cinqüenta metros adiante, ouvi de novo: “Ei! Se eu fosse você, eu não descia por aí!” Segunda chance. “Mas a gente sempre vai por aí!”

Nessa hora, a nossa conversa já era em voz alta e as pessoas nos carros próximos me olhavam achando que eu era um louco. Andei mais 25 metros, e ouvi um estrondoso: “Se eu fosse você, eu não descia por aí!” E eu fui por lá. E lá acabei ficando parado por duas horas e meia. Por causa de um enorme acidente, estava tudo congestionado. Não se podia ir nem para frente nem para trás. Ai, ouvi minha Unihipili dizer: “Não falei?!” E ela ficou sem conversar comigo um tempão. E com razão. Por que falar comigo se eu não a ouvia?

Lembro-me uma vez, quando me preparava para ir à televisão falar sobre Ho'oponopono. Meus filhos olharam para mim e disseram: “Pai, ficamos sabendo que você vai aparecer na TV. Vê lá se põe umas meias que combinam!” Eles não se preocuparam com o que eu ia falar. Eles só estavam preocupados com as minhas meias. Você vê como as crianças sabem o que é realmente importante na vida?

* * *Esta entrevista foi originalmente publicada por The New Times, em setembro de 1997. Para mais informações sobre Ho'oponopono e contato com Ihaleakala Hew Len, Ph.D, visite o site http://www.hooponopono.org/.

Cat Saunders, Ph.D é autora do livro Dr. Cat’s Helping Book. Para mais informações, visite http://www.drcat.org/.

quinta-feira, 7 de dezembro de 2023

Nossa Senhora

A morte sorri para todos, numa eterna alegria, consolo dos miseráveis, terror dos ricos, mas para todos ela se mostra equânime. 

A única questão que fica é a de sempre: todos querem ir para o céu, mas ninguém quer morrer.

Os ricos se apegam a sua riqueza, elegeram seus bens o seu deus, a morte para eles é a verdade comunista da existência.

Os pobres também se apegam, mas nem tanto, pois a morte é para eles a chance de riqueza que aqui não tiveram, julgam ter sofrido o suficiente para o merecido prêmio celeste.

A classe média vive no purgatório de sempre: a invejar os ricos e a temer os pobres e, talvez, mesmo na morte ainda devem invejar os santos ou iluminados, esses ricos espirituais, e temem os quiumbas, os miseráveis do outro mundo.

Muda e sorridente, com olhos profundos de negro buraco a todos Ela aguarda paciente, pois a Morte espera a vida inteira, sem nenhuma necessidade de apocalipse ou fim de mundo.

Essa questão de fim do mundo, aliás, é sempre algo muito particular, pessoal e intransferível. A maioria nem se dá conta.

Ela, Nossa Senhora Morte, percebe que todo esse agito humano, essa luta ansiosa pelo viver não faz o menor sentido. E, tranquila, sorri.



Na morte

Talvez espante ao leitor a franqueza com que lhe exponho e realço a minha mediocridade; advirto que a franqueza é a primeira virtude de um defunto. 

Na vida, o olhar da opinião, o contraste dos interesses, a luta das cobiças obrigam a gente a calar os trapos velhos, a disfarçar os rasgões e os remendos, a não estender ao mundo as revelações que faz à consciência; e o melhor da obrigação é quando, à força de embaçar os outros, embaça-se um homem a si mesmo, porque em tal caso poupa-se o vexame, que é uma sensação penosa, e a hipocrisia, que é um vício hediondo. Mas, na morte, que diferença! Que desabafo! Que liberdade! Como a gente pode sacudir fora a capa, deitar ao fosso as lantejoulas, despregar-se, despintar-se, desafeitar-se, confessar lisamente o que foi e o que deixou de ser! Porque, em suma, já não há vizinhos, nem amigos, nem inimigos, nem conhecidos, nem estranhos; não há plateia. 

O olhar da opinião, esse olhar agudo e judicial, perde a virtude, logo que pisamos o território da morte; não digo que ele se não estenda para cá, e nos não examine e julgue; mas a nós é que não se nos dá do exame nem do julgamento. Senhores vivos, não há nada tão incomensurável como o desdém dos finados.                          

Machado de Assis. Memórias póstumas de Brás Cubas. São Paulo: Ciranda Cultural, 2018. p. 49.

quarta-feira, 6 de dezembro de 2023

Açúcar vicia tanto ou mais que cocaína - estudo científico



A verdadeira porta de entrada das drogas: 

Açúcar.

Segue link com estudo científico sobre o assunto.

https://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0000698

Nossas descobertas demonstram claramente que a doçura intensa pode superar a recompensa da cocaína, mesmo em indivíduos sensibilizados e viciados em drogas. Especulamos que o potencial aditivo da doçura intensa resulta de uma hipersensibilidade inata a saborizantes doces. Na maioria dos mamíferos, incluindo ratos e humanos, os receptores de doces evoluíram em ambientes ancestrais pobres em açúcares e, portanto, não estão adaptados a altas concentrações de saborizantes doces. A estimulação supranormal desses receptores por dietas ricas em açúcar, como as agora amplamente disponíveis nas sociedades modernas, geraria um sinal de recompensa supranormal no cérebro, com o potencial de substituir os mecanismos de autocontrole e, assim, levar ao vício.

Autodomínio

Quando verdadeiramente convencido verás que não é preciso a ninguém convencer. O convencimento do outro é uma violência. Isso fez da polític...