sábado, 23 de dezembro de 2023

Cada caminhante é em última instância seu próprio caminho

Saudações Ventanias; 

Em mail anterior prometi falar um pouco sobre as origens do Xamanismo em termos históricos. O que vou narrar aqui é história como os (as) xamãs entendem história, não uma narrativa linear de eventos, mas o cerne do interesse dos (as) xamãs é algo sutil, é sobre a manifestação de uma força misteriosa, com a qual lidam todos que buscam a "alma do mundo". 

Leio muitos mails, dos mais diversos, diariamente. Mais jornais e livros e conversas com pessoas e cursos, dá para ir formando uma ideia de como é o "senso comum " da realidade. As pessoas do mundo "comum" foram condicionadas a uma percepção da realidade, por um conjunto de condições históricas que culminou na revolução industrial. Com a ocorrência da revolução industrial há uma produção de manufaturados em larga escala, uma necessidade de matéria prima também em grande quantidade, uma necessidade de que pessoas comprem o que está sendo produzido, enfim, as necessidades da revolução industrial criou toda uma era, a Era Industrial. 

Estudiosos como Toffler, Domenico de Masi, Giovanni Vismara, A. Touraine, Gershuny e tantos outros(as) já falam sobre o fim da Era Industrial e a transição que estamos vivendo para outra Era, outra "Onda " no dizer de Toffler. A revolução industrial, entretanto, ainda representa um conjunto de valores que dominam muitos setores da sociedade, inclusive a mídia e algo que tem poder sobre a mídia tem o poder de vender a própria imagem como quer. Esse poder da mídia é um tipo de magia moderna que muitas vezes passa despercebida.

 Existem pessoas que sabem usar do poder da mídia para criarem frente ao mundo uma imagem, isso é magia, criar, gerar algo por intenção. Este poder da mídia associado a religião, escola e educação familiar são vetores eficientes de conceitos e paradigmas da era industrial. Cada um desses conceitos e paradigmas são limites a nossa percepção. E são esses limites perceptivos que precisam ser investigados e compreendidos para que possamos não apenas deixá-los de lado por um tempo, mas realmente nos tornarmos entes perceptivos e singulares, gerados a partir de nós mesmos, de nosso cerne silencioso, intocado por qualquer programação exterior. Dessa forma vem a memória um dos conceitos importantes sobre xamanismo que o velho nagual apresentou ao novo, no mito tolteca atual: " Não é que a medida que o tempo passa o(a) guerreiro(a) aprenda Xamanismo; antes, o que ele aprende enquanto o tempo passa é economizar energia . Esta energia vai capacitá-lo a manipular alguns campos de energia que são normalmente inacessíveis a ele. Xamanismo é um estado de consciência , a capacidade de usar campos de energia que não são empregados para perceber o mundo cotidiano que conhecemos" (de "O Poder do Silêncio" citado no "A Roda do Tempo". 

Este conceito é de uma sutileza e abrangência fenomenais, a capacidade de exprimir em sintaxe comum tais conceitos revela uma maestria das palavras que é bem mais que a expressão entre dois seres perceptivos e conscientes, mas algo mais mesmo, algo relativo a essa estranha "Força" que permeia a Realidade mais ampla , na qual estamos inseridos, como uma camada em vasta cebola. O Xamanismo tem sido sempre isto, ir mais longe, ir além, ser mais amplo, ampliar a consciência. Os meios que podem ser utilizados são vários e 

cada caminhante é em última instância seu próprio caminho.

Dentro desta proposta o Xamanismo é a herança que temos de uma civilização anterior que existiu num outro tempo e outro espaço, mas que nos antecedeu. Os clãs de vários lugares tem história sobre um mundo anterior a esse, o quarto mundo de onde nossos antepassados vieram depois que tal mundo foi destruído. Há muitas histórias que tentaram com armas, doutrinas, pregações, medo, culpa e dor apagar de nossa memória. 

Mas o tempo mítico está voltando, as emanações de Hunab Ku voltam a incidir sobre nosso plano da realidade. Estávamos como que em um eclipse, em relação a Hunaby Kü, agora outro tipo de energia começa a incidir sobre nós. Nós sabemos disso, mas os Senhores e Senhoras Feudais atuais também sabem e seus feiticeiros de aluguel estão cuidando , através de meios com títulos sofisticados como "engenharia religiosa", " engenharia e gestão de comportamento de massas" entre outros, desenvolver linhas de ações por todo o planeta para evitar que no momento da grande transição, em "aproximadamente" 23 de Dezembro de 2012 façamos a conexão com o vasto poder que vai estar, como uma nuvem, passando por aqui. Se esta conexão for feita estamos reconectados com o Centro Galáctico, com a vasta energia que de lá emana e teremos entrado noutras possibilidades realizadoras em termos efetivos e concretos, no TONAL da Realidade. 

Mas as possibilidades que se abrem no outro campo é também imensa, pois sabemos que o campo adequado para se "treinar" no Nagual é o campo análogo ao tamanho do poder do Tonal sobre a realidade. O velho nagual mostrou isso ao grupo do México levando-os em excursão para um vale distante e lá colocando uma mesa com objetos em cima e usando tal mesa para demonstrar o Tonal, frente a vastidão do Nagual, quando foram a uma montanha longe olhar a mesa, imperceptível, no meio do vasto vale. Recomendam os Naguais da linhagem Tolteca que não nos percamos tolamente no mundo do Nagual, ou seja, em todas as outras realidades alternativas a essa que realmente existem. Este é um detalhe muito sutil no Xamanismo. 

Xamanismo é simplesmente usar o corpo esquerdo para perceber a realidade de forma funcional e ampliar a capacidade do corpo direito para o mesmo fim. Agora a nossa "personalidade", nossa estrutura psíquica frente a tudo isso que podemos fazer é algo que pode ou não ser cultivado. Podemos nos trabalhar, aprender a lidar e ir além das carências e medos, fantasias e culpas que o sistema criou como travas para impedir nossa liberdade por isso o Xamanismo Guerreiro não começa com "caçar animal de poder" ou ir a outros mundos e tudo mais que pode ser sim feito e deve, depois. 

Primeiro é preciso trabalhar o aqui e agora, pois tenho tido cada vez mais certeza na minha experiência pessoal que toda pessoa que consegue se realizar aqui e agora, que consegue lidar com o imanente está pronta para a aventura e o desafio que é suportar a pressão do desconhecido, já quem vive sempre fugindo em universos fantasiosos e explicações rebuscadas de sua preguiça em lidar com o aqui e agora, sempre criam problemas, confusões e acabam cedendo as pressões do infinito se tornando seguidores de algum sistema ou seres, não livres viajantes pela eternidade, que é como concebo o Xamanismo. 

Alguns temas para meditar.

Nuvem que Passa

Data: Ter Dez 26, 2000 6:04 pm

Assunto: Re: [ventania] Natal e Calendários

 

Duas Perguntas


Mesmo que você acredite em Deus (Cria_dor) você não pode deixar de perguntar de forma bastante racional: por que a Natureza foi criada de uma forma tão predatória, onde um ser devora o outro, num ciclo infinito de sofrimento, onde o mais forte se alimenta do mais fraco? Isso é verdadeiramente de Deus (Cria_dor)?

Por outro lado, se você não acredita em Deus (Cria_dor), você também deve ser perguntar de uma maneira bastante racional como a vida surgiu, afinal, a molécula que deu origem a todos os seres vivos na Terra surgiu a 3,8 bilhões de anos com uma sequência tão complexa de genes - o DNA - que não poderia estar ali por acaso, pois isso significaria algo como um supercomputador ser produzido por geração espontânea... 

E aí?

sexta-feira, 22 de dezembro de 2023

Ritos de Passagem

A civilização na qual estamos inseridos tem algumas falhas estruturais no quesito levar cada ser humano ao atingir de sua maturidade moral e intelectual.

A grande maioria dos seres humanos é levada a viver num estado que nem mesmo imaturo podemos chamar, pois é tal a anulação das vontades individuais, tal a inexistência de propósitos gerados a partir da singularidade que somos, é tão rara a nossa presença no aqui e agora, tal nossa dissolução em passados frustrados ou futuros ansiosos, que chamar de imaturo este estado é muito, pois máquinas robotizadas e hipnotizadas nem mesmo imaturas são.

Os seres humanos foram tornados peças de uma vasta engrenagem, onde atuam como extensão biológica das máquinas diversas, geradas para manter o poder de poucos sobre muitos.

A liberdade fundamental acessível aos seres humanos, a liberdade de realizar sua singularidade existencial é negada aos seres humanos de formas diversas e agora, com o poder tecnológico existente, está sendo negada a outras espécies, com a crescente ação destruidora sobre o meio que esta civilização realiza.

Experimentem observar mapas de vegetação em várias áreas do mundo e observar como a destruição das matas nativas aumenta neste último ciclo, chamado de Era Industrial.

Notem o exemplo da Mata Atlântica.

Os animais extintos, agora enquanto escrevo estas linhas, mais tarde, nos vários tempos e espaços que estas linhas estarão sendo lidas, extinção de espécies poderão estar acontecendo.

Procure sentir o mundo a sua volta, não apenas racionalizar sobre ele, mas sentir.

Quando estamos sensíveis a Natureza percebemos que ela tem ciclos, que as flores e os frutos, as folhas em certas árvores, vem e vão, num ciclo.

Há momentos que marcam essas mudanças.

Nos equinócios e solstícios sabemos que um ciclo atingiu seu apogeu e depois ele irá visitar sua outra condição, como no Tao quando o Yin chega ao seu máximo mergulha na semente do Yang que traz em si, da qual também brotará quando o Yang atingir seu clímax.

Sabemos que após o solstício de inverno o frio chegou ao limite, a noite mais longa do ano depois começa de novo a volta da luz solar.

Para nós neste país tropical é bem mais a luminosidade que nos toca, mas em países mais afastados do equador o calor também é algo que fica bem claro em sua volta.

No equinócio o dia e a noite ficam iguais, o momento de equilíbrio, é a primavera chegando depois do inverno.

Noto que em grande parte da região sul e sudeste do Brasil a chegada da primavera é principalmente a chegada das águas, mais que a ausência de frio, que marca a volta da Vida.

Notem que este dado é de grande importância para estudarmos os ritos de passagem.

Onde estamos, nos nossos ciclos naturais, a Terra, o Ser consciente no qual vivemos, sente a volta da primavera como a volta da umidade, que alimenta e o calor desperta a semente que dorme no seio da Terra.

Então, dia após dia, a claridade chega mais cedo e vai embora mais tarde.

Os dias são maiores.

Os tuns, como chamavam os Maias cada ciclo do nascer ao pôr do sol.

Sinto que o dia se abre com o sol nascendo e se fecha ao pôr do Sol.

Sentir durante o dia o caminho do Sol é uma prática que aumenta muito nossa energia existencial.

Somos o amálgama do poder do Sol e da Terra em nosso corpo sensível.

Assim como o corpo de energia é feito em primeira estância com matéria oriunda das emanações dos astros, por isso corpo ASTRAL na literatura de certas escolas alquímicas e mágicas.

O tema foi depois adulterado, ficando astral para um nível, um orbital do todo que é o corpo de energia.

A ideia de sete corpos e sete planos da Teosofia, em sua versão original era de uma sutileza ímpar.

Depois se tornou adulterada, quando passou a ser lida dentro de paradigmas estranhos a sua essência, oriundos desta civilização que linhas atrás citávamos como robotizante e limitante do nosso potencial perceptivo.

Portanto para meditarmos sobre ritos de passagem precisamos evocar a ideia de passagem, de transformações, como estávamos fazendo agora, tecendo comentários sobre os ciclos.

Nossa vida também é marcada por ciclos.

Temos ciclos nos quais estamos diluídos na existência e pouco a pouco vamos adquirindo uma singularidade, que pode brotar de nosso próprio interior ou ser apenas resultado da programação exercida pelo meio.

Os ritos de passagem eram uma forma que várias civilizações usavam para marcar certos momentos de profunda transformação na jornada de um ser humano.

Homens e mulheres tem uma longa trilha até atingirem a completude de seus seres.

A lagarta brota do ovo, recolhe-se no casulo e então surge borboleta.

Profunda em si, plena, a tensão sutil do casulo fortalece as asas que dele brotam.

Também nós brotamos de nós mesmos várias vezes numa vida, mas pouco disso percebemos, pois faz parte do aparato que restringe a percepção humana prender todos (as) numa abordagem linear da realidade.

A complexidade da vida quando deixamos de ter uma participação linear e nos tornamos coparticipativos, cocriativos frente a realidade com a qual interagimos dinamicamente.

Esta forma de lidar com o mundo muda nosso senso de identidade.

Deixamos de nos identificar com os modelos prontos que nos deram para interpretar a realidade.

Podemos usar esses modelos prontos, a dita cuja realidade e nela treinarmos nossas habilidades fundamentais.

Assim usando a realidade na qual já estamos "travados" como campo de treino no desenvolver de uma atenção plena, de um estar aqui e agora sem nenhum medo ou culpa, no presente, inteiros (as), sentindo a música da vida, dançando a dança do existir, a Eternidade por parceira.

Celebrar os momentos nos quais nos transformamos é uma forma de fortalecer os momentos nos quais agimos com foco, consciência, presença no aqui e agora, num aqui e agora que marcou uma alteração profunda na forma de interagir com a realidade.

Os ritos de passagem entram nessa categoria de celebração que nada adoram, nada suplicam, nada "dominam".

Os ritos de passagem são momentos de celebração, de uma fase que se vai, de uma vitória existencial e de uma fase que se inicia, um desafio existencial.

E num estado de espírito de harmonia com a fase que se foi, um desgrudar-se de toda e qualquer energia que os eventos e pessoas envolvidos nesta fase podem ter deixado em ti, recuperar toda a tua própria energia que ficou dissipada em pessoas e eventos e com integridade seguir em frente, rumo ao desafio.

Celebrar esses ritos é afinar a consciência individual com a totalidade da qual faz parte, mas ressaltando também sua singularidade.

A questão de sermos singularidades, imersas e túrgidas da Eternidade que nos faz existir e ainda assim, singulares.

A pretensa singularidade do conceito de "eu" hoje vigente é uma singularidade apartada da Vida e da Natureza, o que gera seres sem visão sistêmica, capazes de levar a Vida ao desequilíbrio e ameaça de destruição total que é realidade pouco percebida pelos(as) hipnotizados(as) que se chamam civilizados(as).

A singularidade a qual me refiro é outra, é uma singularidade que se sabe existente, uma percepção que tem consciência de si como ente perceptivo.

Assim sendo, como um ente perceptivo, um núcleo partícula/onda de percepção pura pode de alguma forma crer-se apartado de qualquer coisa que seja que está a sua volta.

Sensível, ressonante, quando estamos neste eixo, que como o da roda da carroça se revela em cada ponto do aro da roda que toca no solo.

O caminho rumo ao despertar, desabrochar e o entrar em plena atividade destas dimensões outras de nossa realidade interior, a qual tivemos por esta era que se finda, o acesso negado é um caminho árduo, mas não sofrido, como um artista ou atleta dedica-se com afinco, sem sofrer com isso, pois o fato de ter metas faz de quem trilha um caminho, um treino e não algo que lhe acontece apenas agitando uma paranoica vida de ansiedades.

Os ritos de passagem surgem como ritos que reatualizam o mito, pois viver miticamente sua própria existência é algo que nos coloca sobre efeito de leis bem mais amplas e interessantes que as geradas por sistemas que buscaram pelos últimos séculos apenas dominar, subjugar, converter e escravizar.

Nossos sistemas "oficiais" de pensar e sentir a realidade estão impregnados dessas travas, que limitam e condicionam as pessoas a serem menos que elas mesmas, a não mais fazer história, apenas sofrer a história.

Um novo pensar, um novo sentir é o que urge desenvolver não só no organismo coletivo da humanidade como, antes de mais nada e como caminho para tal meta, em nós mesmos.

Os ritos de passagem apresentam outra forma de lidar com nossa vida.

Ao invés de ficarmos contando anos, obedecendo calendários propositadamente deturpados, podemos sentir o fluxo da Vida de uma forma mais ampla e real em nossa existência.

Os ritos de passagem fazem parte dos paradigmas fundamentais dos povos que estiveram como guardiães desta antiga sabedoria, de ancestral cultura global que existiu, que soçobrou há inexatos 10.000 anos atrás.

Sempre lembrando que este conceito de tempo tem mais da sua fantasia e imaginação que de realidade quando o interpreta.

Vou enviar uma sequência de mails sobre esta questão dos ritos de passagem para meditarmos em conjunto sobre o Tema.

Nuvem que passa
Data: Dom Out 8, 2000 7:47 pm

Estoicismo Nagual

Estoicismo, a filosofia de 2 mil anos cada vez mais usada como ...
O nagual Carlos Castaneda definia o nagualismo como a práxis da Fenomenologia. Se formos pensar em termos filosóficos, devido a natureza prática e sóbria de tal práxis, veremos que o Nagualismo pode ser visto como uma escola estoica, um estoicismo, tendo muitos pontos de contato com tal filosofia, como neste pensamento de Epíteto, que era um famoso filósofo estoico e ao mesmo tempo escravo:

"A filosofia não visa a assegurar qualquer coisa externa ao homem. Isso seria admitir algo que está além de seu próprio objeto. Pois assim como o material do carpinteiro é a madeira, e o do estatuário é o bronze, a matéria-prima da arte de viver é a própria vida de cada pessoa".

Pode-se dizer que a matéria-prima de cada guerreiro(a) é a sua própria energia.

quinta-feira, 21 de dezembro de 2023

Nosso filme de Natal: Deus no banco dos réus

Eis o nosso filme de Natal. Se Natal é nascimento, deve ser então o nascimento de uma nova consciência, uma consciência na qual a crença em Deus ceda lugar a uma consciência de responsabilidade 100% em nós mesmos, como diz a filosofia kahuna, dos xamãs havaianos.

A crença em Deus tal como o descrito na Bíblia e num messias salvador é de tal forma limitante que é a maior influência na fixação de nosso ponto de aglutinação nesta prisão chamada de realidade ordinária, segundo Dom Juan Matus:

"Dom Juan lembrou-me de que havia falado bastante sobre um dos aspectos mais inflexíveis de nosso inventário: nossa ideia de Deus. Esse aspecto, disse, é como uma cola poderosa que prende o ponto de aglutinação à sua posição original. Se eu pretendesse aglutinar outro mundo verdadeiro com outra grande faixa de emanações, tinha de dar um passo obrigatório a fim de afrouxar todos os laços do meu ponto de aglutinação" - O Fogo Interior.

Esse filme é como um golpe do nagual, obra de arte na arte de desafixar o ponto de aglutinação, pois é uma martelada nietzchiana na crença dos crentes de diversas ordens.

"No campo de concentração nazista de Auschwitz, um grupo de judeus coloca Deus no banco dos réus, sob a acusação de romper sua aliança com o povo judeu. Excerto do filme "God on Trial", da BBC escocesa".

A natureza de deus revelando a natureza do homem e a natureza do homem revelando a si mesma num filme que questiona a mais arraigada crença da cultura judaico-cristã: deus.

Este é um filme excelente! No estilo de 12 homens e uma sentença! O que muda é a natureza do réu. Judeus prestes a serem assassinados num campo de concentração alemão, em plena 2ª guerra mundial, colocam o seu deus em questão, por descumprimento do contrato com aquele que é tido como o povo escolhido. Colocar deus em questão é colocar a justiça divina em xeque e o filme é brilhante neste sentido, com diálogos primorosos, argumentações bem embasadas e um desfecho inesperado.

Não é um filme para quem tem crenças arraigadas ou profundo apego religioso. É um filme profundamente humano, onde na verdade quem está em questão não é deus, mas o homem e suas crenças, sua ideologia, sua visão de mundo diante dos fatos. Imperdível este filme!

Uma observação importante. A palavra deus como usada no contexto da cultura religiosa judaico-cristã é apenas um conceito, uma crença, devidamente estruturada através de um processo histórico que começa dentro de um culto tribal. A palavra portanto não pode expressar Aquilo que é por sua própria natureza indescritível. É como dissem os taoístas:

O Tao que pode ser pronunciado não é o verdadeiro Tao.

A Obra do Nagual, por Nuvem que passa


"A obra de Carlos Castañeda poder ser considerada como uma das obras mais interessantes e revolucionárias de nosso século. Ali conceitos completamente novos são apresentados, abordagens realmente novas da realidade e da nossa percepção das mesmas, são apresentadas lado a lado com conhecimentos similares a encontrados no Taoismo, certas linhas de budhismo, islamismo, hinduismo, cristianismo, judaísmo chamadas de "esotéricas". 

Existe um livro que tenta provar que Castaneda não viveu nenhuma das experiências que narra, o background espaço temporal que ele usa como contexto para expor os conhecimentos ali liberados pela primeira vez fora dos fechadíssimos, discretos e ciosos grupos que exploram há milênios esse mesmo saber. 

Para alguém que ensina a ausência de história pessoal nada mais coerente que ter um livro publicado por um estudioso sério desmentindo o fundo "pessoal" dos conhecimentos apresentados.

O Doutor Carlos Castañeda tenta mostrar ser a América possuidora de civilizações tão complexas como as que deixaram seus sinais em outras partes do Globo. Perguntas fundamentais que resultaram como resposta à Arte, à Magia ou à Ciência oficial, em outras partes do mundo, aqui geraram formas de magia e ciência muito complexas e a dizimação quase completa dos povos nativos, ainda em curso, diga-se de passagem, não quebrou esse elo de transmissão.

Uma leitura atenta dos 3 primeiros livros nos quais este relato é mais intenso, revela que as informações chave, como os 4 inimigos daquele(a) que busca o conhecimento, tem valor intrínseco, independente do contexto em que foram apresentadas. O valor do conhecimento expresso vai muito além do contexto onde ele está inserido. Se o Doutor Carlos Castañeda estava aprendendo com o velho índio no deserto mexicano ou no parque de sua cidade ou em seu quintal em Los Angeles não é este o ponto focal. 

Mas o que me interessa bastante é que numa era de paparazzis que são de uma forma ou de outra, corresponsáveis pela morte de uma princesa do Império Britânico, num mundo onde ninguém passa totalmente despercebido, num mundo cheio de recursos, alguém que passou os últimos anos de sua vida dando seminários para mais de 300 pessoas em cada um deles, nos EUA e na Europa, não tenha mais que algumas poucas e contraditórias fotos suas. Nesta era de total invasão da privacidade em nome dessa imprensa marrom que sustenta o esporte preferido, mexericos, desde que os hábitos das cortes parecem ter contaminado nossas vidas, nesta era da imagem, quase nenhuma foto.

E depois que ele "morreu" de câncer de fígado, como Krishnamurti antes dele, em prometeica herança, o seu livro, mais vendido por meses, foi um livro chamado "Passes Mágicos" - Um livro de posturas de poder, em fotos, para longevidade e bem estar, saúde e harmonia. 

Contradição, paradoxo, os que leem Castañeda são birutas mesmo, derreteram o cérebro brincando com plantas de poder? 

O que sinto após tornar a ler a obra inteira de uma vez em duas semanas, é que estamos diante de um tratado, algo que supera grande parte dos tratados de magia escrito no século passado, embora integre harmonicamente os conceitos apresentados por muitas escolas competentes. 

De alguma forma, nunca saberemos exatamente como, C. C., também conhecido como Joe, ou como Isidoro Baltazar ou outros nomes, entrou em contato com um saber ancestral. Por anos ele conviveu com homens e mulheres que eram herdeiros diretos desse saber. 

Ponto um: nenhum desses homens ou mulheres tinham a menor intenção de criar uma seita, uma religião ou fazer proselitismo de seu saber. Eles estavam apenas perpetuando uma linhagem. Estavam dando continuidade a uma magia antiga, a uma linhagem de poder e ser que começara em tempo indeterminado, na Era mítica. Cada um desses homens e mulheres afirmaram que só como mito poder-se-ia viver plenamente o caminho que eles apontavam ao relutante aprendiz. E por ser relutante, por ser difícil ele era bastante apreciado. Num caminho onde voluntários são vistos com reservas, pois voluntários costumam acreditar que sabem o que estão procurando e deturpam o conhecimento para adaptar-se a seus padrões preconcebidos. Pois para aqueles homens e mulheres, ao menos foram homens e mulheres um dia, voluntários raramente eram bem-vindos. Voluntários têm ideias muito preconcebidas e raramente aceitam mudar realmente, não aceitam a morte que toda iniciação propõe. 

E aprendendo de uma forma muito complexa começou Carlos Castañeda a aprender com aquele grupo. E nesse aprendizado se viu ludibriado várias vezes pelo velho índio que era estranhamente inteligente e sofisticado, coisas que o preconceito acadêmico raramente permite a um "nativo". Ludibriado, pois enquanto sua atenção estava fixa em algum aspecto que lhe era colocado a frente, a verdadeira ação de D. Juan Matus, também conhecido como John Michael Abelar e Mariano Aureliano, entre outros, enquanto o verdadeiro aprendizado acontecia disfarçadamente, evitando que sua mente racional e condicionada lutasse contra tal saber, deixando que ele sedimentasse como ganho efetivo. Aprendizado complexo, pois lidava também com um outro estado de consciência que antes dele nenhuma escola esotérica explicitou com tanta clareza. Todos sabemos que estar dentro de uma escola, estar ligado a um mestre ou mestra cria uma atmosfera psíquica própria, a energia de quem ensina, quando é real, permite um catalisar do processo de aprendizagem, baixa a energia de ativação necessária para se alcançar certos resultados. 

O método proposto pela escola Tolteca é muito sutil. Num nível alterado de consciência, num nível específico, onde a lembrança do dia a dia fica mais fraca, um nível que não é lembrado no dia a dia, neste nível ocorre outra parte do treinamento do aprendiz. Aqui ele recebe conhecimentos de grande poder, conhecimentos que estarão protegidos pelo esquecimento até que o aprendiz tenha energia suficiente para acessar tal nível por si. Por isso ler a obra de C.C. implica em compreender que tudo que é apresentado tem uma complexidade muito maior. 

C.C. começa seu caminho público quando aparece na mídia e vira guru alternativo, padrinho da nova Era, pela exaltação dos alucinógenos¹ como caminho para se tornar "um homem de conhecimento". Quando chega em Viagem a Ixtlan ele muda suas colocações revelando que os aspectos mais importantes do saber que estava recebendo não eram de forma alguma as viagens que tivera sob efeito das plantas de poder. 

E coloca que partes que havia anotado e deixado de lado se revelavam agora a espinha dorsal do sistema que começava a vislumbrar atrás dos atos aparentemente malucos de seu informante índio. Um velho que, exceto por um companheiro ainda mais louco, D. Genaro, que representava ser realmente demente e capaz de fazer coisas que estarreciam a mente linear, parecia viver isolado e fora do mundo em algum ponto do México, na região de Sonora. 

Quando C.C. lançou Viagem a Ixtlan, seu trabalho de mestrado, obteve uma resposta diferente da mídia.  Pouco a pouco os meios de comunicação passaram a desgostar de sua mensagem, o governo mexicano, conhecido por uma política sistemática de extermínio dos povos nativos, ainda hoje em andamento, vide Chiapas, ficou preocupado. Os povos nativos de todo o continente pela primeira vez tinham suas reais tradições trazidas à tona, quando digo reais digo suas tradições esotéricas, não o arremedo exterior que ficou reproduzido pelos sobreviventes, exilados de si mesmos, como os africanos vieram exilados de sua terra. E neste continente, por estarem exilados de si mesmos, não puderam levar nada, nada sobrou e o mito da puerilidade dos ritos e crenças dos nativos dessas terras ganhou força. 

Mas um grupo continuou ensinando seu aprendiz sem se ocupar disso. Escrever os livros era uma tarefa que C.C. recebera de seu mestre iniciador e cumpri-la era sua missão. Viagem a Ixtlan é um livro de acesso ao Xamanismo Guerreiro. E é importante notar que estamos falando de Xamanismo Guerreiro. O Xamanismo que sobreviveu graças aos iniciados dos clãs guerreiros que sobreviveram aos massacres, primeiro de outras tribos em guerras várias, como os Astecas já um século antes da Conquista, depois dos invasores de além do oceano, que vinham para dizimar e apagar da história da ancestral civilização que se manifestava em muitas formas por todo o continente. 

O fato é que aquele grupo vem da linhagem guerreira, por isso nada mais ilusório que querer fazer proselitismo das ideias de Carlos Castañeda. A obra é o relato de uma linhagem, um partilhar de conhecimentos úteis a quem segue um determinado caminho. Como todo caminho rumo ao despertar tem muitas ideias que servem a todos que desejam uma vida mais plena e forte, mas as nuances mais importantes do processo são algo específico para quem busca o despertar na forma que os(as) xamãs guerreiros(as) consideram a mais adequada para se tornar um ser pleno quando adentrarmos outros mundos. Entrar em outros mundos, atingir outros estados de consciência com autonomia e liberdade, não como servos de criaturas ancestrais que já vivem nessas outras esferas e tem a terrível mania de nos tomar sob sua tutela, a um pesado preço: nossa liberdade. 

É nesse contexto que C.C. aprende e certo dia caminhando numa cidade do interior do México tem outro "assalto a sua razão". O caipira, o índio eremita estava na cidade grande, de terno e gravata, meias combinando como D. Juan mesmo chama a atenção. E começa uma nova fase do aprendizado. Um conceito complexo é apresentado: Tonal e Nagual. E a obra ganha nova profundidade, conhecimentos complexos são apresentados e o inusitado também entra em cena. D. Juan Matus e D. Genaro desaparecem. 

Antes disso criam um drama iniciático catártico e como ato final Carlos Castaneda vai pular num precipício voluntariamente junto com outros aprendizes, corroborando em si e por si, os ensinamentos que havia recebido. O interessante é que em toda a história subsequente a trajetória iniciática fica mais forte e os conhecimentos que acompanham a narrativa são dos mais interessantes. Carlos Castaneda justifica a publicação de sua obra como resultado de um "acidente". D. Juan quando o encontrou pensou que ele, C.C., fosse um nagual, um homem dividido, alguém com um tipo de energia suficientemente elaborada para não apenas aprender a complexa arte da magia tolteca mas também ser um guia de um grupo de xamãs.

No Xamanismo Tolteca não há mestres, gurus ou nada disso, existem apenas homens e mulheres que têm suas posições no grupo, de acordo com seus "ventos" ou conformações energéticas. O líder do grupo é um homem ou mulher que tenha uma energia extra, chamados de Naguais. Um homem ou mulher nagual, graças a sua energia extra pode ajudar o grupo a ir além da vastidão da Eternidade, rumo aos reais objetivos dos "Nuevos Videntes": Liberdade Total! Mas com o passar do tempo descobriu que C.C.não tinha energia para continuar a linhagem². Daí que C.C. e suas companheiras, só citadas nos últimos livros, resolvem publicar relatos de toda sua busca e uma parte dos ensinamentos recebidos, já que fechavam a porta dessa linhagem e não queriam que tal saber simplesmente deixasse esse mundo. Se isto é exato, se de fato ocorreu assim ou é apenas uma esperta manobra do espreitador C.C. para apresentar sua obra ao mundo e escapar da condição de messias e guru que ainda assim lhe foi imputada, fica em segundo plano. O fato é que tivemos acesso a essa linhagem de conhecimento que apresenta conceitos complexos e diferentes, ancestrais em sua origem, originais em sua forma de colocar. 

A obra do nagual - parte 2

O Nagualismo trazido ao nosso conhecimento pela obra do antropólogo doutor Carlos Castaneda apresenta temas dos mais interessantes. 

C.C. após passar por experiências intensas, como o ataque que sofreu nas mãos da feiticeira Soledad, que poderia tê-lo matado, começa a resgatar outra dimensão do seu aprendizado, que havia estado guardada em outra frequência de seu ser. Como se fosse um aparelho de rádio, C.C. descobre que além das ondas AM onde vive, mundo que chama de real, há outro mundo operando em ondas de FM. Ele vai percebendo, a princípio desordenadamente depois, pouco a pouco com mais coerência que tudo que pensava compreender de seu treinamento é apenas a ponta de um iceberg de algo muito mais complexo. 

Começo por aqui este tema para deixar claro que a obra do Doutor Carlos Castañeda não pode ser lida pela metade. Só a leitura completa da obra , todos os volumes, permitem uma abordagem mais adequada do que ele pretende transmitir. Ele esteve exposto a magistrais manipuladores dos estados de consciência que um ser humano pode alcançar e cuidaram para que a parte mais profunda e complexa de seu aprendizado acontecesse neste outro nível, em FM.

Com o auxílio de "La Gorda" ele relembra fragmentos deste mundo paralelo no qual esteve vivendo, essa vida paralela onde aprendia com todo o "grupo do Nagual" composto por 16 pessoas, cada uma depositária de um aspecto do antigo saber Tolteca, herdado e mantido por todos esses milhares de anos, bem nas barbas da orgulhosa e prepotente civilização que pretendia escravizar corpos e almas para seus fins. Cada um dos 16 integrantes do grupo era expert num aspecto do saber dos antigos Toltecas, eram elementos vivos e dinâmicos de um mito, de uma tradição. Isto é um ponto dos mais importantes para quem estuda o caminho Tolteca. Ele não pode ser criado como nós entendemos criação, ele não pode ser forjado em nossas frágeis forjas. 

Embora a herança dos Toltecas, a Liberdade Total, possa ser requerida por muitos, embora não seja necessário estar num grupo nagualístico para reivindicar acesso a herança Tolteca, um grupo Tolteca tradicional está dentro de parâmetros próprios, não aleatórios e não acessíveis a uma manipulação artificial. Embora os conquistadores houvessem tentado exterminar a antiga tradição eles falharam. Os quatro ventos, as quatro direções do mundo, os quatro pilares, enfim, o cerne do poder dos antigos nativos permanecia (e permanece), sendo transmitido em palavras e atos de poder. 

C.C. se lembra de como foi apresentado a cada uma dessas pessoas, como foi testado e trabalhado para abandonar seu falso eu, essa multidão criada pelo Sistema. Abandonar o que acreditava ser para de fato mergulhar na essência perceptiva que era e que poderia desenvolver a tal ponto que poderia ao final, transcender o apelo de morrer e entrar num estado alternativo de continuidade. 

D. Juan Matus, Genaro, Silvio Manuel, Vicente. 

Quatro homens que herdam aspectos do saber Tolteca e o ensinam a C.C. Silvio Manoel, mestre do Intento, poderoso e assustador feiticeiro no princípio para o ainda imaturo C.C. mas que vai se revelar um excelente dançarino, verdadeiro pé de valsa que ensina as companheiras de C.C., já de um grupo diferente do que é citado nos livros até então, a dançarem "a dança do intento", onde(no qual) os passes mágicos da Tensegridade, exercícios de movimento para liberar e fluir a energia em nós, são associados a dança gerando movimentos de grande poder. 

O mundo onde C.C. se vê inserido é complexo e não podemos querer encontrar aí uma textura comum a nossa "realidade" pois, embora material, este mundo está noutra camada da cebola, muito perto desta, é verdade, mas ainda assim distinto. Os conceitos que C.C. recebe de seus iniciadores e iniciadoras vem da ancestral civilização que existiu na região onde hoje estende-se o estado mexicano e algumas outras republicas sulamericanas, mais um pedaço que hoje está nas mãos dos EUA. Esta civilização atingiu seu ápice em algum momento que situa-se há aproximadamente 4000 anos de nosso tempo. Então, algo ocorreu e eles e elas se foram, para alhures. 

Os que ficaram reorganizaram o que restou desse saber e surgiu um segundo ciclo civilizatório com o saber herdado, uma Era de Prata, se chamarmos a Era do auge deste poder de Era de Ouro. Mas então chegaram os primeiros povos conquistadores. Outros povos nativos que vinham com algo diferente em sua mente. Eles só captavam AM não eram mais capazes de sintonizar em FM. Este limite era também uma proteção. Quando poderosos feiticeiros convocavam seus "aliados" e "animais de poder" muitas vezes nada conseguiam, apenas uma flechada ou bordunada e eram mortos. Muitos foram mortos e a civilização mágica caiu. Alguns poucos sobreviveram e em seu refúgio começaram a estudar porque eles haviam conseguido sobreviver e outros não. Por que a magia deles funcionara e a de tantos outros não. 

A primeira coisa que descobriram é que o que consideravam ser o plano "espiritual", um plano superior e mais forte que este era na realidade outra face da moeda, mais vasto é verdade, mas não superior. E que a maioria dos sobreviventes era do clã guerreiro, que ainda se dedicava às práticas físicas e aos trabalhos corporais, revelando que o poder a mais que tinham, o fator determinante para a sua sobrevivência, foi o poder do corpo. 

Este ponto foi fundamental para seus novos estudos, começaram a trabalhar algumas questões antigas e descobriram que resolver este mundo antes de mergulhar na eternidade é gerar condições de energia para evitar se diluir na amplitude da eternidade. Aí começaram um novo caminho, com uma profunda crítica aos hábitos de seus antepassados,  que não foram suficientes para mantê-los vivos, algo fundamental. Quando estavam no auge desse processo, duzentos anos aproximadamente após a queda de uma porção significativa das aldeias ainda resistentes ao domínio dos Astecas chegaram os invasores iberos, estes sim bárbaros e tirânicos. Sob esta condição de profunda opressão os sobreviventes forjaram seu conhecimento, exigente, disciplinado, guerreiro.

Data: Ter Mai 2, 2000 8:27 am

A Obra do nagual 3

A partir de agora o texto só vai interessar ou mesmo ser realmente compreendido aos que estudam a obra do novo nagual. O trabalho que C.C. tem em sistematizar a experiência pela qual passou e colocá-la em palavras é em si mesmo uma das mais complexas abordagens antropológicas de uma civilização em tudo e por tudo alienígena à atual. 

Culturalmente alienígena, vejam bem. 

C.C. se torna praticante, mas não deixa de ser um homem racional do ocidente, que busca explicar, que busca sistematizar o saber que lhe está sendo apresentado. Ele aplica as ferramentas cognitivas e os novos modelos de realidade que lhe são demonstrados junto com a nova "descrição de mundo" que lhe é apresentada nas questões mais fortes de nosso tempo e traz uma sutileza de abordagem da realidade na qual estamos inseridos, que distingue sua obra. 

Ele mostra que tudo é Trabalho, que nada vem de graça (Nada neste mundo é um presente. O que tiver de ser aprendido será aprendido da maneira mais dura, em Roda do Tempo, de Carlos Castaneda.). Vai concordar com Gurdjieff e outros que já haviam dito que os planos da Eternidade para o ser humano nada tem que o permita se considerar "eleito", "favorecido". O ser humano tem uma função cósmica. Ao nascer ganha a consciência. Durante a vida desenvolve e matura essa consciência. Para ao final, a força motriz e original da existência, chamada Águia ou mar escuro da consciência, receba de volta essa consciência enriquecida, imediatamente após a morte ou algum tempo depois, pois a consciência pode sobreviver em várias formas nos muitos mundos que existem paralelos a esse. 

O forte das descobertas dos Toltecas é que existe um caminho alternativo. Que existe uma chance que é apresentada de tal forma que não vamos ler abordagem equivalente em nenhuma outra obra apresentada no ocidente como reveladora da sabedoria ancestral. 

O ser humano pode, a partir de certas práticas, no decorrer de sua vida, escapar dessa dissolução e entrar num estado alternativo de consciência que é quase uma eternidade, embora ainda aqui, fique claro que há um limite. 

Esta abordagem muda toda uma concepção muito em voga nos meios esotéricos. Vidas após vidas para evoluir, para chegar a algum lugar. 

O Xamanismo Guerreiro dos Toltecas afasta toda essa ideia e coloca essa vida como única, como a mais importante e o campo onde a batalha contra nossos oponentes devem ser travadas. 

Quem são esses oponentes? 

Demônios, seres perigosos de outros mundos? 

Os mais perigosos estão em nós, são eles que podem abrir a porta da fortaleza quando o exterior tenta atacar. Se eles forem vencidos, os exteriores perdem seu poder. Aos que buscam o conhecimento quatro já foram apresentados: 

O medo, que paralisa, a clareza que cega, que gera a arrogância de tudo saber, esquecendo que num mundo em expansão o aprendizado é constante, o poder que fascina e aprisiona criando marionetes que se julgam entes poderosos quando na realidade servem os que julgam dominar e a velhice, compreendida como a incapacidade de pôr em atos o que sabemos

São inimigos constantes, nunca totalmente vencidos, sempre prontos a voltar e tomar o controle da situação. 

A importância pessoal é apontada como sua principal arma. 

Há uma estratégia fundamental nesta luta: Desmontar as rotinas da vida, para estar atento a cada momento, sem entrar no "piloto automático". 

Apagar pouco a pouco a história pessoal. 

Essas são as práticas mágicas ensinadas ao aprendiz. E embora pareçam a alguns tolas, quem ousa realizá-las compreenderá que esteve tecendo sua capa mágica, que esteve forjando sua arma mágica, que se chamará Implacabilidade e também esteve trabalhando seu escudo, a ausência de importância pessoal, que tem sua chave na ausência de piedade por si mesmo.

Quando a estratégia da ação abrange o ser implacável, paciente, astuto e gentil, sabe o aprendiz que chegou num ponto decisivo. 

Sua energia acumulada expulsa sua percepção da condição "normal" que até então era mantida. 

Surge um desassossego.

O mundo não é o mesmo, não é mais satisfatório, há algo que te chama além. O chamado do infinito tem vários nomes em cada cultura , mas o fato é que quem já o ouviu nunca mais irá ficar tranquilo se ceder a mediocridade de uma vida conformada ao cotidiano. 

O chamado do infinito tem a estranha habilidade de despertar em nós um senso crítico interior que sempre nos dirá, quer queiramos saber ou não, se continuamos fazendo do dom da vida um caminho para a liberdade ou se voltamos e cedemos e nos vendemos por algum preço ou conforto, ao sistema, à "Matrix".

C.C. percebe que foi isso que aprendeu e aprende que seu campo de batalha era o mundo das cidades, os lugares onde ia, onde estudava, era ali que deveria aprender a aplicar tudo que aprendeu e atingir a condição singular, onde tudo que havia herdado lhe ajudaria a ser ele mesmo, um evento conectado ao infinito, mas único. 

Como um vetor resultante que subitamente deixa de ser apenas o resultado de todas as forças exercidas sobre o móvel, mas se torna uma força ele mesmo, uma força nascida de si mesmo, uma vontade plena. 

C.C. experimenta muitas possibilidades de aglutinar mundos. Vai a muitos lugares diferentes e explora o mistério do ponto de aglutinação, conhecimento de um ineditismo ímpar. Não há conceito similar a esse em outras obras e cito isso aqui para que todos percebam que estamos diante de um conceito "novo", algo raro nessa era de reedições e releituras. 

O ponto de aglutinação será nosso próximo tema.

Nuvem que Passa

Notas

¹ O termo alucinógeno não é adequado, pois não se trata de alucinações, mas de estado alterados de consciência nos quais pode-se interagir com outras realidades de uma forma funcional e pragmática na busca por conhecimento e energia. Uma alternativa poderia ser o termo enteógeno, que nos remete a uma jornada interior pela qual exploramos aspectos mais vastos de nosso ser envolvendo outros aspectos da consciência.

² Ver sobre o regulamento do nagual de três pontas.



Sobre os Naguais de Três Pontas, por Armando Torres

"A regra é final, mas seu desenho e conformação estão em constante evolução. Só que, ao contrário do que opinam os evolucionistas, que vêm nas adaptações da vida a acumulação de mutações genéticas por um acaso, os videntes sabem que não existe casualidade na regra. Eles veem como um comando da águia, na forma de uma onda de energia, sacode de vez em quando as linhagens de poder, produzindo novas fases na bruxaria.

"Um modo mais exato de referir-se a isto, é supondo que todas as variantes possíveis da regra estão contidas em uma matriz prévia, e o que vai mudando com o tempo é o grau de conhecimento que têm os bruxos dessa totalidade e a ênfase que fazem sobre certas porções. Tais períodos de mudança são cíclicos e são representados pelo número três".

"Por que três?"

“Porque os antigos toltecas associavam o numero três com o dinamismo e a renovação. Eles descobriram que as formações ternárias anunciam mudanças inesperadas”.

"A regra dispõe que, de vez em quando, apareça nas linhagens um tipo especial de nagual cuja energia não é quaternária, mas que tem só três compartimentos. Os videntes os chamam de 'naguais de três pontas".

Perguntei em que estes se diferiam dos outros.

(Carlos Castaneda) Respondeu:

“Sua energia é volátil, sempre estão em movimento, por isso lhes custa trabalho acumular poder. Do ponto de vista da linhagem, sua composição é defeituosa, não chegam a ser verdadeiros naguais. Em compensação, carecem da timidez e a reserva que caracterizam os naguais clássicos, e eles possuem uma capacidade incomum para improvisar e comunicar”.

“Pode-se dizer que os naguais de três pontas são como o pássaro cuco, que é incubado no ninho alheio. São oportunistas, mas necessários. Ao contrário dos naguais de quatro pontas, cuja liberdade é passar despercebidos, os de três pontas são personalidades públicas. Divulgam os segredos e propiciam a fragmentação do conhecimento, mas sem eles as linhagens de poder teriam se extinguido há muito tempo atrás”.

“Entre os novos videntes, a regra é que um nagual deixe como descendência um novo grupo. Alguns, por seus enormes excessos de energia, podem ajudar a organizar uma segunda ou terceira geração de videntes. Por exemplo, o nagual Elias Ulloa viveu o bastante para criar a partida de seu sucessor e influenciar a seguinte. Mas isso não significou que a linhagem se bifurcasse; todos esses grupos fazem parte da mesma linha de transmissão”.

"Por outro lado, ao nagual de três pontas está facultado transmitir seu conhecimento em forma radial, o que implica na diversificação das linhagens. Seus ovos luminosos exercem um efeito de desintegração sobre o grupo que rompe a estrutura linear de transmissão e fomenta nos guerreiros um desejo de mudança e ação, e uma disposição ativa a se envolver com seus semelhantes".

"Isso foi o que se passou com você?"

"Com certeza. Devido à minha disposição luminosa, eu não tenho preocupação em deixar focos de conhecimento onde queira que vá. Eu sei que preciso de uma quantidade enorme de energia para cumprir com minha tarefa, e que só posso obtê-la das massas. Por isso eu estou disposto a difundir o conhecimento e a transformar e redefinir os paradigmas".

"Como você sabe, meu mestre entrou em contato com a regra para o nagual de três pontas quando tentou analisar certas anomalias dentro do novo grupo. Aparentemente, eu não sintonizava com o resto dos aprendizes. Então ele me dedicou bastante atenção para ver que eu mascarava minha configuração energética".

"Quer dizer que o VER de don Juan estava equivocado?"

“Claro que não! O que se confundiu foi o seu olhar. VER é a forma final da percepção; ali não há aparências, assim não é possível se enganar. Porém, devido à pressão que ele exerceu sobre mim durante anos, minha energia lutou para amoldar-se à sua. Isso é comum entre os aprendizes. Como ele estava dividido em quatro compartimentos, eu também comecei a manifestar em minhas ações uma carga energética similar”.

"Quando eu consegui sair o suficiente de sua influência (coisa que me tomou quase dez anos de trabalho árduo), ambos descobrimos algo assombroso: minha luminosidade só tinha três compartimentos; não correspondia a uma pessoa comum que só tem dois, mas tampouco a de um 
nagual. Este descobrimento criou uma grande comoção no grupo de videntes, já que todos pressagiaram uma mudança profunda para a linhagem.

“Então Don Juan recorreu à tradição dos seus antecessores e desempoeirou um aspecto esquecido da regra. Disse que a escolha de um nagual de nenhuma maneira pode ser considerada como um capricho pessoal, já que em todas as épocas é o espírito quem escolhe o sucessor de uma linhagem. Portanto, minha anomalia energética era parte de um comando. Diante de minhas urgentes perguntas, ele me assegurou que, a seu devido tempo, um mensageiro me explicaria a função de minha presença como nagual de três pontas”.

“Anos mais tarde, em uma ocasião em que eu visitava uma das salas do Museu Nacional de Antropologia e História, observei um indígena vestido à moda tarahumara que parecia ter o maior interesse por uma das peças que ali se exibiam. Dava-lhe voltas, examinando-a por todos os lados e demonstrava uma concentração tão absoluta que despertou minha curiosidade e então me aproximei para olhar”.

"Ao avistar-me, o homem dirigiu-me a palavra e começou a explicar-me o significado de um conjunto de desenhos cuidadosamente esculpido sobre a pedra. Depois então, enquanto eu meditava sobre o que ele tinha me falado, eu lembrei da promessa de don Juan e percebi que aquele homem tinha sido enviado pelo espírito para transmitir-me a porção da regra do nagual de três pontas".

"E o que diz essa porção?"

“Afirma que, assim como um grupo tem uma matriz de energia de número dezessete (dois naguais, quatro ensonhadoras, quatro espreitadoras, quatro guerreiros e três mensageiros), a linhagem formada por uma sucessão de grupos também tem uma estrutura de poder, de número cinqüenta e dois. A águia ordenou que cada cinqüenta e duas gerações de naguais de quatro pontas apareça um nagual de três pontas que sirva de ação catártica para a propagação de novas linhagens quaternárias”.

"Também diz a regra que os naguais de três pontas são destruidores da ordem estabelecida, porque sua natureza não é nem criativa nem provedora, e eles têm a tendência de escravizar a todos os que o cercam. Acrescenta que para alcançar a liberdade estes naguais devem fazê-lo sozinhos, porque sua energia não está sintonizada para guiar grupos de guerreiros.

“Como tudo no âmbito da energia, o bloco de cinquenta e duas gerações se divide em duas partes; as primeiras vinte e seis são de expansão e criação de novas linhas, as restantes estão orientadas à conservação e ao isolamento. Esse padrão de comportamento vem se repetindo milênio após milênio, é dessa forma que os bruxos sabem que faz parte da regra”.

"Como resultado das atividades de um nagual de três pontas, o conhecimento se massifica e se formam novas células de naguais de quatro pontas. A partir dali, as linhagens retomam a tradição de transmitir o conhecimento de forma linear".

"A cada quanto tempo aparecem os naguais de três pontas?"

"Aproximadamente uma vez por milênio. Essa é a idade da linhagem à qual eu pertenço".

Autodomínio

Quando verdadeiramente convencido verás que não é preciso a ninguém convencer. O convencimento do outro é uma violência. Isso fez da polític...