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sexta-feira, 28 de março de 2025

Entre a vaidade e o medo



Quando era garoto, lá pelos anos 60 e 70, em plena ditadura militar, quase todo o dia tinha que sair na porrada por causa da provocação dos mais velhos contra e entre os mais novos, num versão humana da rinha de galo em via pública. 

Vivia num dos bairros ditos nobres da zona sul do Rio de Janeiro, a três quadras da praia, que naquela época era um verdadeiro paraíso onde ainda podíamos catar tatuís na areia, à beira-mar. Hoje os tatuís não mais existem nas praias da "minha" infância, com eles morre um pouco de nós mesmos. A rua onde moraváoms já carregava uma marca de guerra, tinha nome de almirante e por lá deixamos sangue, dentes, suor e bons amigos.

Aquele agogê mirim começava sempre numa rodinha de garotos da rua que se reuniam para travar as mais diversas brincadeiras, quase todas violentas ou que era raro não acabar em violência: carniça, polícia e ladrão, futebol de rua, boxe em duplas ou times (usando havaianas com arma para golpear e humilhar), guerra de elásticos, cabo de guerra, furtos em mercados ou na carrocinha do bidú, sarradas provocativas, xingamento gratuitos e por aí vai.

Naquela época tv e telefone ainda eram novidade e gamers eram apenas o jogos como damas, loto, xadrez ou carteado. Havia ainda os jogos com bolinhas de gude como mata-mata, bulica ou triângulo. Havia álbuns de figurinhas e disputas mano à mano como bafo-bafo. Havia o futebol de botão, a sinuquinha, o totó, peteca, ping-pong e tudo o mais que a criatividade permitisse, nesse sentido o céu era o limite e o sonho de consumo da garotada eram os carrinhos matchbox, os autoramas e os trenzinhos de ferro.

Na televisão passava Batman (e a incrível Mulher-Gato), Speed Race, Fantomas, Oitavo-Homem e Ultraseven. Morria-se de tédio na maior parte das vezes em frente à TV e os dias chuvosos eram um verdadeiro tormento. A violência que percebíamos talvez fosse um reflexo, um escape ao tédio, à disciplina escolar, ao adestramento imposto nos colégios e ao ambiente autoritário numa época de golpes, contra-golpes, torturas e guerrilhas.

O agogê mirim ainda assim era melhor que tudo isso. Tínhamos naturalmente medo, mas nos sentíamos vivos e não encarcerados em "apertamentos" ou salas de aula com ensinamentos sem o menor sentido. A porrada comia por toda a parte: na rua, no colégio ou em casa. Não lembro da primeira porrada de rua como me lembro da primeira surra de cinto de fivela em casa, algo literalmente marcante, que deixou marcas profundas pelas coxas, mas sem traumas ou ressentimentos, só lembranças de quem viveu uma infância bem vivida.

Mas de uma coisa me lembro bem nas porradas de rua: se achava que ia me dar bem, me dava mal e se achava que ia me dar mal acabava me dando bem. A vaidade era sempre uma péssima conselheira e o medo aquilo que me concedia um poder superior, transformava-me numa verdadeira besta infante.

Aprendi rápido como a vaidade nos enfraquece e como o medo diante do perigo nos fortalece. Não diria que o medo é uma virtude, mas compreendi bem por que um bicho acuado é infinitamente mais perigoso e por que um pavão será sempre algo vistoso e nunca algo para se contar numa situação de conflito. Percebi assim como o medo está muito mais próximo da humildade do que qualquer outra emoção e por que ao enfrentarmos os desafios da vida uma dose de medo é muito mais importante do que um excesso de vaidade.

Hoje, numa outra fase da vida, continuamos num outro agogê, numa outra luta, uma luta para que, sobretudo, não sucumbamos diante de nós mesmos, entre a vaidade e o medo.

Modak


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