O caminho do conhecimento é um caminho forçado.
A fim de aprender, temos de ser empurrados.
No caminho do conhecimento, estamos sempre lutando contra alguma coisa, evitando alguma coisa, preparados para alguma coisa; e essa coisa é sempre inexplicável, maior, mais poderosa do que nós.
As forças inexplicáveis lhe chegarão.
Hoje é o espírito do olho d'água, depois será seu próprio aliado, de modo que não há nada que você possa fazer agora senão se preparar para a luta. Há anos atrás, La Catalina o provocou, mas ela não passava de uma feiticeira, e foi um truque de principiante.
O mundo está realmente cheio de coisas assustadoras e nós somos criaturas indefesas, rodeadas por forças que são inexplicáveis e inflexíveis.
O homem comum, por ignorância, acredita que essas forças podem ser explicadas ou modificadas; não sabe como realmente fazer isso, mas espera que os atos da humanidade as expliquem ou modifiquem mais cedo ou mais tarde.
O feiticeiro, ao contrário, não pensa em explicá-las ou modificá-las; ele aprende a utilizar essas forças, se redirigindo e adaptando ao curso delas. É esse o truque deles. Há muito pouco mistério na feitiçaria, uma vez que você descubra o truque.
Um feiticeiro está só um pouco melhor do que o homem comum. A feitiçaria não o ajuda a viver uma vida melhor; de fato, eu diria que a feitiçaria o atrapalha; torna a vida dele complicada e precária.
Abrindo-se para o conhecimento, o feiticeiro torna-se mais vulnerável do que o homem comum.
Por um lado, seus semelhantes o detestam, temem e procurarão extinguir sua vida; por outro, as forças inexplicáveis e inflexíveis que cercam a cada um de nós são, para um feiticeiro, uma fonte de perigo maior ainda. Ser furado por um semelhante é realmente doloroso, mas nada que se compare a ser tocado por um aliado.
Um feiticeiro, expondo-se ao conhecimento, fica à mercê dessas forças e só tem um meio de se equilibrar, a sua vontade; assim, tem de sentir e agir como um guerreiro. Repito mais uma vez: só como guerreiro é que a pessoa pode sobreviver no caminho do conhecimento. O que ajuda um feiticeiro a viver uma vida melhor é a força de ser um guerreiro.
"Tenho um compromisso de lhe ensinar a ver. Não porque eu pessoalmente queira fazê-lo, mas porque você foi escolhido; você me foi apontado por Mescalito.
Contudo, sou levado, por meu desejo pessoal, a ensinar-lhe a sentir a agir como um guerreiro. Pessoalmente, acredito que ser um guerreiro é mais próprio do que qualquer outra coisa. Por isso, procurei mostrar-lhe essas forças como um feiticeiro as percebe, pois somente sob seu impacto aterrador é que a pessoa pode tornar-se um guerreiro. Ver sem ser primeiro um guerreiro o tornaria fraco; isso lhe daria uma falsa humildade, um desejo de recuar; seu corpo degeneraria porque você se tornaria indiferente. É meu compromisso pessoal torná-lo um guerreiro, para você não se desmoronar.
"Já o ouvi dizer várias vezes que está preparado para morrer. Não considero esse sentimento necessário. Creio que é um capricho inútil. Um guerreiro só deve estar preparado para combater. Também já o ouvi dizer que seus pais feriram seu espírito. Penso que o espírito do homem é coisa que pode ser muito facilmente ferido, embora não pelos mesmos atos que você considera injuriosos. Acredito que seus pais realmente o lesaram, tornando-o mole, caprichoso e dado a cismar.
"O espírito do guerreiro não é dado a caprichos e nem a reclamações, nem a vencer ou perder. O espírito do guerreiro só é dado à luta, e cada embate é a última batalha de um guerreiro sobre a face da terra. Assim, o resultado lhe importa muito pouco. Em sua última batalha na terra, o guerreiro deixa seu espírito correr, livre e claro. E enquanto trava sua batalha, sabendo que sua vontade é impecável, o guerreiro ri-se à grande."
Uma Estranha Realidade, pg. 199, de Carlos Castaneda