sábado, 6 de janeiro de 2024

A morte como companheira: sabedoria saturnal.



Sobre a brevidade da vida /Autor: Sêneca 
Tradução: William Li

3 – 1: Todos os espíritos que alguma vez brilharam consentirão neste único ponto: jamais se cansarão de se espantar com a cegueira das mentes humanas. 

Não se suporta que as propriedades sejam invadidas por ninguém, e, se houver uma pequena discórdia quanto à medida de seus limites, os homens recorrem a pedras e armas; no entanto, permitem que outros se intrometam em suas vidas, a ponto de eles próprios induzirem seus futuros possessores; não se encontra ninguém que queira dividir seu dinheiro, mas a vida, entre quantos cada um a distribui! São avaros em preservar seu patrimônio, enquanto, quando se trata de desperdiçar o tempo, são muito pródigos com relação à única coisa em que a avareza é justificada. 

Por isso, agrada-me interrogar um qualquer, dentre a multidão dos mais velhos: “Vemos que chegaste ao fim da vida, contas já cem ou mais anos. Vamos! Faz o cômputo de tua existência. Calcula quanto deste tempo credor, amante, superior ou cliente, te subtraiu e quanto ainda as querelas conjugais, as reprimendas aos escravos, as atarefadas perambulações pela cidade; acrescenta as doenças que nós próprios nos causamos e também todo o tempo perdido: verás que tens menos anos de vida do que contas. 

Faz um esforço de memória: quando tiveste uma resolução seguida?

 Quão poucas vezes um dia qualquer decorreu como planejaras! 

Quando empregaste teu tempo contigo mesmo? 

Quando mantiveste a aparência imperturbável, o ânimo intrépido?

 Quantas obras fizeste para ti próprio? 

Quantos não terão esbanjado tua vida, sem que percebesses o que estavas perdendo; o quanto de tua vida não subtraíram sofrimentos desnecessários, tolos contentamentos, ávidas paixões, inúteis conversações, e quão pouco não te restou do que era teu! 

Compreendes que morres prematuramente. Qual é pois o motivo?

 Vivestes como se fósseis viver para sempre, nunca vos ocorreu que sois frágeis, não notais quanto tempo já passou; vós o perdeis, como se ele fosse farto e abundante, ao passo que aquele mesmo dia que é dado ao serviço de outro homem ou outra coisa seja o último.

Como mortais, vos aterrorizais de tudo, mas desejais tudo como se fôsseis imortais.

Ouvirás muitos dizerem: “Aos cinquenta anos me refugiarei no ócio, aos sessenta estarei livre de meus encargos.” 

E que fiador tens de uma vida tão longa? 

E quem garantirá que tudo irá conforme planejas? 

Não te envergonhas de reservar para ti apenas as sobras da vida e destinar à meditação somente a idade que já não serve mais para nada? 

Quão tarde começas a viver, quando já é hora de deixar de fazê-lo. Que negligência tão louca a dos mortais, de adiar para o quinquagésimo ou sexagésimo ano os prudentes juízos, e a partir deste ponto, ao qual poucos chegaram, querer começar a viver! 

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