O Ponto Crítico
(Lado Ativo do Infinito - Carlos Castaneda)
Don Juan definiu o silêncio interior como um estado particular de ser onde os pensamentos são eliminados e a pessoa então age a partir de um nível diferente daquele da percepção do dia-a-dia. Ele enfatizou que o silêncio interior significa o cancelamento do diálogo interno – o companheiro perene dos pensamentos – e que desse modo era um estado de profunda quietude.
"Os feiticeiros antigos," disse don Juan, "chamavam de silêncio interior a esse estado porque é um estado onde a percepção não depende dos sentidos. O que funciona durante o silêncio interior é uma outra faculdade que o homem possui, a faculdade que faz dele um ser mágico, a mesma faculdade que foi suprimida, não pelo próprio homem, mas por uma espécie de influência externa."
"Que influência externa é essa que suprimiu a faculdade mágica do homem?" perguntei.
"Esse é um tópico para futura explanação," replicou don Juan, "não está sendo objeto de nossa presente discussão, embora ele seja na verdade o aspecto mais sério da feitiçaria dos xamãs do México antigo.
"O silêncio interior," continuou ele, "é a plataforma da qual tudo o mais é projetado pela feitiçaria. Em outras palavras, tudo o que fazemos nos conduz a essa plataforma, que, como tudo o mais no mundo dos feiticeiros, não revela a si mesmo a menos que algo gigantesco nos sacuda."
Don Juan disse que os feiticeiros do México antigo arquitetaram um sem número de caminhos para sacudi-los, a si mesmos ou a outros praticantes de feitiçaria, dos pés à cabeça com a finalidade de conduzi-los ao cobiçado estado de silêncio interior. Consideravam que os atos mais disparatados, que pareciam não ter nada a ver com a busca do silêncio interior, tais como, por exemplo, pular de cachoeiras ou passar a noite dependurado de cabeça para baixo do ramo mais alto de uma árvore, eram pontos chave que despertavam-no.
Seguindo as bases racionais dos feiticeiros do México antigo, don Juan afirmava categoricamente que o silêncio interior era algo acumulável, algo que pode ser desenvolvido aos poucos. No meu caso, ele esforçou-se para guiar-me no sentido de construir um núcleo de silêncio interior em mim mesmo, e depois adicionar a ele, minuto a minuto, novas porções pela prática em cada momento oportuno. Ele explicou que os feiticeiros do México antigo descobriram que cada indivíduo tem um limiar diferente de silêncio interior em termos de tempo, isso significando que o silêncio interior deve ser mantido por cada um de nós por um período de tempo correspondente ao seu limiar particular antes que possa funcionar.
"Qual é o sinal que indica que o silêncio interior esteja funcionando, don Juan?" perguntei.
"O silêncio interior começa a funcionar a partir do momento em que começa a ser acumulado," replicou ele. "O que os antigos feiticeiros buscavam era o resultado final, dramático, definitivo de se atingir o limiar individual do silêncio. Alguns praticantes muito talentosos necessitam apenas de alguns minutos de silêncio para atingir o cobiçado gol. Outros, menos talentosos, necessitam de longos períodos de silêncio, talvez mais de uma hora de quietude completa, antes de atingir o fim desejado. O resultado desejado é o que os feiticeiros chamam de parar o mundo, momento em que tudo ao nosso redor deixa de ser o que sempre foi.
"Esse é o momento em que os feiticeiros retornam à verdadeira natureza do homem," continuou don Juan. "Os feiticeiros também chamavam-no de liberdade total. Ele é o momento em que o homem escravo transforma-se no homem livre, capaz de feitos de percepção que desafiam nossa imaginação linear."
Don Juan assegurou-me que o silêncio interior é a avenida que conduz à verdadeira suspensão do julgamento – a um momento em que os dados sensoriais emanados do universo ao largo cessam de ser interpretados pelos nossos sentidos; um momento em que a cognição cessa de ser a força com a qual, através do uso e repetição, é tecida a natureza do mundo.
"Os feiticeiros necessitam de um ponto crítico para ajustar o funcionamento do silêncio interior," disse don Juan. "O ponto crítico é como a massa que o pedreiro coloca entre os tijolos. Só quando a massa seca é que os tijolos soltos transformam-se numa estrutura."
Desde o início de nossa associação, don Juan inculcou em mim o valor, a necessidade do silêncio interior. Eu fiz o melhor possível para seguir suas sugestões para acumular o silêncio interior, segundo por segundo. Eu não tinha nem modo de medir o efeito dessa acumulação e nem tive nenhum meio de julgar se atingi ou não qualquer limiar. Eu apenas aspirava evasivamente (o termo mais adequado aqui seria intensamente, e não evasivamente) acumular o silêncio interior, não apenas para satisfazer don Juan mas porque o ato de o acumular tornou-se um desafio em si mesmo.
Um dia, eu e don Juan passeávamos despreocupadamente pela praça principal de Hermossilo. Era no início de uma tarde de um dia nublado. O ar estava quente e seco e realmente muito agradável. Havia grande número de pessoas passeando pelo local. A praça possuía lojas ao seu redor. Eu havia estado em Hermossilo muitas vezes, e mesmo assim nunca notara a existências das lojas. Sabia que elas ali estavam, mas a sua presença não era algo que eu conscientemente percebia. Eu não teria condições de desenhar um mapa da praça mesmo se minha vida dependesse disso. Naquele dia, enquanto andava com don Juan, tentava localizar e identificar as lojas. Procurava alguma coisa para usar como artifício mnemônico que iria ativar minha lembrança no caso de necessidade futura.
"Como já disse para você muitas vezes anteriormente," disse don Juan, sacudindo-me para fora de minha concentração, "cada feiticeiro que conheço, homem ou mulher, cedo ou tarde atinge um ponto crítico em sua vida."
"Você quer dizer que eles sofrem um colapso mental, ou algo parecido?" perguntei.
"Não, não," disse ele, rindo. "Colapsos mentais ocorrem nas pessoas auto indulgentes. Os feiticeiros não são pessoas. O que eu quero dizer é que em dado momento a continuidade de suas vidas tem que ser quebrada para que o silêncio interior possa ser instalado, tornando-se uma parte ativa de suas estruturas.
"É importante, muito importante," continuou don Juan, "que você mesmo atinja deliberadamente o ponto crítico, ou que você o crie artificial e inteligentemente."
"O que você quer dizer com isso, don Juan?" perguntei, fisgado pelo seu raciocínio intrigante.
"Seu ponto crítico," disse ele, "é interromper sua vida como você a conhece. Você fez tudo o que eu disse para você fazer, zelosa e acuradamente. Se você é talentoso, nunca o demonstrou. Esse parece ser o seu estilo. Você não é vagaroso, mas age como se fosse. Você é muito seguro de si mesmo, mas age como se fosse inseguro. Você não é tímido e mesmo assim age com se temesse as pessoas. Tudo o que você faz aponta para uma mesma direção: você necessita acabar com tudo isso, impiedosamente."
"Mas de que modo, don Juan? O que você tem em mente?" perguntei, genuinamente agitado.
"Penso que tudo se resume numa coisa," disse ele. "Você deve deixar seus amigos. Deve despedir-se deles, para sempre. Não é possível você continuar no caminho do guerreiro carregando sua história pessoal com você, e a menos que você interrompa seu modo de vida, não terei condições de continuar com a minha instrução."
"E agora, don Juan?" disse eu. "Tenho que colocar os pés no chão. Você está pedindo um preço muito alto. Para ser franco, acho que não posso pagá-lo. Meus amigos são minha família, meu ponto de referência."
"Exatamente, exatamente," afirmou ele. "Eles são o seu ponto de referência. Por isso, eles têm que sair de sua vida. Os feiticeiros têm apenas um ponto de referência: o infinito."
"Mas como você quer que eu proceda, don Juan?" perguntei com uma voz queixosa. Seu pedido estava fazendo-me subir pelas paredes.
"Você deve simplesmente sair," disse ele tranquilamente. "Saia de qualquer modo que conseguir."
"Mas para aonde irei?" perguntei.
"Minha recomendação é que você alugue um quarto num desses hotéis de terceira categoria que você conhece," disse ele. "Quanto pior a aparência do mesmo, melhor. Se o quarto tiver tapetes verdes estragados, cortinas verdes estragadas, e paredes verdes estragadas, será então muitíssimo melhor – um lugar comparável àquele hotel que uma vez mostrei para você em LA."
Ri nervosamente ao lembrar-me da ocasião em que estive dando uma volta de carro com don Juan no setor industrial de LA, onde havia apenas depósitos e hotéis dilapidados para as pessoas em trânsito. Um hotel em particular chamou a atenção de don Juan por causa de seu nome bombástico: Eduardo Sétimo. Paramos por um momento na rua para apreciá-lo.
"Aquele hotel lá," disse don Juan, apontando para ele, "é para mim a representação verdadeira da vida na Terra para o homem comum. Se você tivesse sorte ou se fosse implacável, você alugaria um quarto com vista para a rua, onde você veria este desfile interminável da miséria humana. Se não tivesse tal sorte ou se não for tão implacável, você alugaria um quarto dos fundos, com vista para o prédio ao lado. Pense em passar a vida dividido entre essas duas vistas, tendo inveja da vista da rua se seu quarto for nos fundos, e com inveja da vista do prédio ao lado, se seu quarto for de frente, cansado de tanto olhar para fora."
A metáfora de don Juan aborreceu-me imensuravelmente, pois calou fundo em mim.
Agora, com a perspectiva de ter que alugar um quarto num hotel comparável ao Eduardo Sétimo, eu não sabia o que dizer ou para aonde ir.
"O que você quer que faça lá, don Juan?" perguntei.
"Um feiticeiro usa um lugar como esse para morrer," disse ele, olhando para mim sem piscar uma só vez. "Você nunca esteve sozinho em sua vida. Agora está na hora. Você ficará naquele quarto até morrer."
Sua exigência assustou-me, mas ao mesmo tempo, fez-me rir.
"Não é que eu vá fazer isso, don Juan," disse eu, "mas qual seria o critério para saber que morri? – a menos que você queira que eu morra de fato, fisicamente."
"Não," disse ele, "não quero que seu corpo morra fisicamente. Quero que sua pessoa morra. Essas duas coisas são muito diferentes. Em essência, sua pessoa tem muito pouco a ver com seu corpo. Sua pessoa é sua mente, e acredite-me, a sua mente não é sua."
"Que disparate é esse, don Juan, que minha mente não é minha?" ouvi a mim mesmo dizer com um acento nervoso em minha voz.
"Algum dia irei falar com você sobre isso," disse ele, "mas não enquanto você tiver seus amigos como amortecedores.
"O critério que indica que um feiticeiro está morto," continuou ele, "é o fato de não fazer nenhuma diferença para ele estar sozinho ou ter companhia. O dia em que você não cobiçar a companhia de seus amigos, que você usa com anteparos, esse será o dia em que sua pessoa morreu. O que você me diz? Você topa?"
"Eu não posso fazer isso, don Juan," disse eu. "É inútil tentar mentir para você. Eu não posso deixar meus amigos."
"Está tudo bem," disse ele imperturbável. O que eu disse pareceu não ter lhe afetado nenhum pouco. "Eu não terei mais condições de conversar com você, mas podemos dizer que durante o tempo em que passamos juntos, você aprendeu bastante. Você aprendeu coisas que farão de você uma pessoa muito forte, independentemente de você voltar ou extraviar-se."
Ele bateu em minhas costas e disse-me adeus. Deu meia volta e simplesmente desapareceu no meio das pessoas que estavam na praça, como se tivesse diluído-se entre elas. Por um instante eu tive a estranha sensação de que as pessoas na praça eram como uma cortina que ele tinha aberto e desaparecido depois atrás dela. O final chegou, como tudo no mundo de don Juan: rápida e imprevisivelmente. De repente, aquilo estava comigo, eu estava à sua mercê, sem que eu nem mesmo soubesse como aconteceu.
Eu deveria sentir-me esmagado. Isso, entretanto não ocorreu. Não sabia por que estava feliz da vida. Fiquei maravilhado com a facilidade como tudo terminou. Don Juan era certamente uma pessoa elegante. Não houve nenhuma recriminação, nem raiva, nem nada parecido, nada. Entrei no carro e comecei a dirigir, feliz como uma cotovia. Eu estava excitado. Como era extraordinário o modo como tudo terminara tão depressa, pensava eu, sem nenhum trauma, sem nenhuma dor.
Minha viagem de volta para casa foi tranqüila. Em LA, estando em meu ambiente familiar, percebi que absorvera uma enorme quantidade de energia em meu último encontro com don Juan. Estava realmente muito feliz, relaxado, e retomei o que considerava ser minha vida normal com sabor renovado. Toda a minha atribulação com meus amigos, e tudo o que percebera sobre eles, tudo o que dissera a don Juan a esse respeito, tudo, tudo estava definitivamente esquecido. Era como se alguma coisa tivesse apagado tudo de minha mente. Fiquei maravilhado por duas vezes com a facilidade com que esquecera algo que fora tão significativo, e de como esse esquecimento fora tão completo.
Tudo estava como esperava. Havia apenas uma única inconsistência que perturbava o claro paradigma de minha volta à boa vida anterior: lembrava-me distintamente de ouvir don Juan dizer-me que minha partida do mundo dos feiticeiros era puramente acadêmica, e que eu voltaria. Eu lembrei-me de ter anotado cada uma das palavras de nossa conversa. De acordo com o meu modo linear de raciocinar e lembrar-me das coisas, don Juan nunca dissera tal coisa. Como seria possível que eu me lembrasse de coisas que nunca aconteceram? Eu ponderei sobre aquilo sem conseguir esclarecer nada. Minha pseudo lembrança era bastante estranha para que eu pudesse levá-la a sério, mas então decidi que não mais iria pensar no assunto. No que me dizia respeito, estava fora do ambiente de don Juan.
Seguindo as sugestões de don Juan com relação ao meu comportamento para com as pessoas que de algum modo me favoreceram, eu cheguei a uma conclusão que para mim era tremenda: honrar e agradecer meus amigos antes que fosse tarde demais. Um caso específico era o meu amigo Rodrigo Cummings. Um incidente envolvendo meu amigo Rodrigo, entretanto, desmoronou meu novo paradigma do que resultou outros desmoronamentos até a destruição total.
Minha atitude para com ele mudou radicalmente quando eu consegui vencer minha competitividade para com ele. Descobri que era a coisa mais fácil do mundo para mim projetar-me cem por cento em qualquer coisa que Rodrigo fizesse. Eu era, de fato, exatamente igual a ele, mas só descobri isso depois que parei de competir com ele. A verdade então emergiu para mim com uma clareza enlouquecedora. Um dos desejos mais ardentes de Rodrigo era terminar o colégio. Cada semestre, ele matriculava-se no maior número permitido de matérias. Depois, quando o semestre avançava, ele desistia de cada uma das matérias, uma atrás da outra. Em algumas vezes ele até mesmo saía da escola. Em outras vezes, ele fazia um curso de três matérias durante todo o semestre até o final amargo.
Durante seu último semestre, ele fazia um curso de sociologia porque gostava da matéria. O exame final aproximava-se. Ele me disse que tinha três semanas para estudar, para ler o livro texto do curso. Ele pensava que tal quantidade de tempo era um desperdício para ler apenas seiscentas páginas do livro. Considerava-se uma espécie de leitor-relâmpago, e que retinha o que lia em um nível muito alto; em sua opinião, sua memória era cem por cento fotográfica.
Ele pensava que tinha muito tempo para o exame e por isso pediu-me para ajudá-lo no recondicionamento do seu carro no sentido de facilitar jogar papel fora. Queria remover a porta direita para poder jogar o papel pela abertura com a mão direita, em lugar de jogar o papel sobre a capota do carro, com a esquerda. Chamei sua atenção para o fato de que era canhoto e ele então argumentou que, entre suas múltiplas habilidades, uma delas era ser ambidestro, fato que nenhum de seus amigos notara. Tinha razão nessa parte; eu mesmo nunca notara isso. Depois que lhe ajudei a remover a porta, ele decidiu remover também o forro do teto, que estava muito estragado. Ele disse que seu carro estava em ótimas condições na parte mecânica e que iria levá-lo a Tijuana, no México, cidade que ele, como bom angelino que era, chamava de TJ, e onde trocaria o forro por alguns poucos dólares.
"Poderíamos aproveitar a viagem," disse ele alegremente. Chegou até mesmo a escolher os amigos que iriam com ele. "Em TJ, estou certo de que você irá procurar livros usados, porque é um bobo. O restante da turma irá para algum bordel. Eu conheço uma porção deles."
Gastamos uma semana para tirar o forro velho e lixar o teto para receber o novo. Rodrigo então ficou com apenas duas semanas para estudar e ainda considerava esse tempo muito longo. Ele então engajou-me em ajudá-lo a pintar seu apartamento e consertar o assoalho. Levamos uma semana para pintar o apartamento e lixar o assoalho de madeira. Em um dos quartos, ele não quis pintar sobre o papel de parede que já existia. Teria que alugar uma máquina que removia o papel pela aplicação de vapor d’água. Nem eu e nem Rodrigo, naturalmente, sabia como usar devidamente a máquina, e por isso fizemos o serviço mais porco do mundo. No final, tivemos que usar um produto chamado "Topping", uma mistura muito fina de gesso e outros produtos, que deixava a parede bastante lisa.
Depois de todo esse esforço, acabou que Rodrigo só ficou com dois dias para enfiar na cabeça as 600 páginas do livro. Ele entrou freneticamente numa maratona de leitura durante o dia e a noite, com a ajuda de anfetaminas. Rodrigo foi para a escola no dia do exame, sentou-se em sua carteira, e pegou a folha de múltipla escolha.
O que ele não conseguiu fazer foi ficar acordado para preencher a folha do exame. Seu corpo pendeu para a frente e sua cabeça bateu na carteira com um terrível baque. O exame teve que ser suspenso por um momento. O professor de sociologia ficou histérico, e o mesmo aconteceu com os alunos que estavam nas proximidades de Rodrigo. Seu corpo estava rígido e frio como gelo. A classe inteira suspeitou do pior; pensaram que ele morrera de um ataque do coração. Foram chamados paramédicos para removê-lo. Depois de um rápido exame, eles declararam que Rodrigo dormia profundamente e levaram-no para um hospital para que dormisse até passar o efeito da anfetamina.
Minha projeção em Rodrigo Cummings era tão completa que me assustou. Eu era exatamente como ele. A similitude tornou-se insustentável para mim. Num ato que considerei um aniquilamento total e suicida, aluguei um quarto num hotel dilapidado de Hollywood,
O carpete era verde e tinha manchas horríveis de cigarros queimados, que foram naturalmente esmagados com os pés antes que o carpete pegasse fogo. O quarto tinha cortinas verdes e paredes verdes em mal estado de conservação. O sinal luminoso do nome do hotel, que podia ser visto pela janela, piscava durante toda a noite.
Acabei por fazer o que don Juan recomendara, mas de maneira indireta. Eu não fiz o que fiz para atender qualquer exigência de don Juan ou com a intenção de aplainar as nossas arestas. Permaneci no hotel por meses sem fim, até que minha pessoa, como propusera don Juan, morresse, até que verdadeiramente não fizesse nenhuma diferença para mim estar só ou com amigos.
Depois de deixar o hotel, fui morar sozinho, mais perto da escola. Continuei meus estudos de antropologia, que nunca interrompera, e iniciei um negócio muito lucrativo tendo uma mulher como sócia. Tudo parecia estar perfeitamente em ordem até o dia em que fui atingido por uma percepção que pareceu como um tijolo jogado em minha cabeça: percebi que iria passar o resto de minha vida preocupando-me com meu negócio, ou preocupado com o fantasma da escolha entre ser acadêmico ou um negociante, ou preocupando-me com as fobias e embromações de minha sócia. Um verdadeiro desespero perfurava-me nas profundezas de meu ser. Pela primeira vez em minha vida, a despeito de todas as coisas que tinha feito e visto, sentia-me num beco sem saída. Estava completamente perdido. Comecei seriamente a brincar com a ideia do modo mais pragmático e indolor de dar cabo de minha vida.
Certa manhã uma batida alta e insistente acordou-me. Pensei que fosse a senhoria, e estava certo de que se não respondesse, ela teria entrado com sua chave mestra. Abri a porta, e ali estava don Juan! A minha surpresa foi tanta que fiquei tonto. Eu balbuciei e gaguejei, incapaz de dizer uma só palavra. Queria beijar sua mão, ajoelhar-me aos seus pés. Don Juan entrou e sentou-se na beira da cama tranquilamente.
"Fiz a viagem a LA," disse ele, "só para te ver."
Queria que ele tomasse café comigo, mas ele disse que tinha outras coisas para fazer, e que dispunha apenas de alguns momentos para conversar comigo. Eu contei para ele, apressadamente, a minha experiência no hotel. Sua presença causou-me tanta confusão que eu nem lembrei-me de perguntar-lhe como descobriu o meu endereço. Disse para ele que sentia um remorso intenso por ter dito as palavras que disse em Hermosillo.
"Você não tem que se desculpar," garantiu-me ele. "Cada um de nós faria a mesma coisa. Certa vez, eu mesmo deixei o mundo dos feiticeiros numa carreira desabalada, e quase que tive que morrer para perceber a estupidez do meu ato. O que importa é atingir o ponto crítico, do modo que for, e isso foi exatamente o que você fez. O silêncio interior está tornando-se real para você. Essa é a razão pela qual estou aqui na sua frente, falando com você. Entende o que quero dizer?"
Pensei ter entendido o que ele disse. Pensei que ele tivesse intuído ou lido, pelo modo com que ele lia as coisas no ar, que eu estava no fundo do poço e que ele tinha vindo para me resgatar.
"Você não tem nenhum tempo a perder," disse-me ele. "Deve dissolver a sua firma comercial dentro de uma hora, porque esse é o tempo de que disponho para esperar por você – não porque eu não possa esperar mais, mas porque o infinito está pressionando-me impiedosamente. Digamos que o infinito está dando uma hora para você anular a si mesmo. Para o infinito a única empreitada de um guerreiro que vale a pena é a liberdade. Qualquer outra é fraudulenta. Você pode dissolver tudo em uma hora?"
Não tive que assegurar-lhe que conseguiria. Sabia que tinha que conseguir. Don Juan disse-me então que uma vez realizada a tarefa, deveria encontrar-me com ele no mercado de uma certa cidade do México. Em meu esforço de pensar como terminar meu negócio, não entendi direito o que ele falou. Ele repetiu o que dissera e, é claro, pensei que estivesse brincando.
"Como irei até essa cidade, don Juan? Você quer que eu vá de carro, que tome um avião?" perguntei.
"Dissolva o seu negócio primeiro," ordenou ele, "e então a solução virá. Mas lembre-se, estarei esperando por você por apenas uma hora."
Ele saiu do apartamento, e eu esforcei-me febrilmente para dissolver tudo o que tinha. Naturalmente, gastei mais de uma hora, mas não parei para pensar nisso porque uma vez iniciada a dissolução dos meus negócios, o seu momentum levou-me de roldão. Foi somente depois de tudo terminado que o dilema real surgiu na minha frente. Senti então que falhara e que não havia nenhuma esperança para mim. Encontrava-me sem meus negócios e sem nenhuma possibilidade de ir ao encontro de don Juan.
Fui para a cama e busquei o único consolo que me veio à mente: quietude, silêncio. Para facilitar o aparecimento do silêncio interior, don Juan ensinara-me um modo de sentar-me na cama, com os joelhos dobrados e as solas dos pés juntas, as mãos empurrando os pés juntos, segurando-os pelos calcanhares. Ele dera-me uma grossa cavilha que eu sempre levava comigo para aonde fosse. Tinha cerca de 35 cm e destinava-se a suportar o peso de minha cabeça quando tombada para a frente; uma ponta ficava entre meus pés e a outra, que era almofadada, ficava no meio de minha testa. Todas as vezes que eu ficava em tal posição, caía no sono em questão de segundos.
Devo ter caído no sono com minha facilidade usual, pois sonhei que estava na cidade mexicana onde don Juan disse que me encontraria. Eu sempre ficava intrigado com essa cidade. O mercado só abria uma vez por semana, quando os fazendeiros da redondeza traziam seus produtos para serem vendidos. O que mais me fascinava nessa cidade era a estrada pavimentada que conduzia a ela. No ponto em a estrada chegava na cidade, a topografia possuía uma lombada forte. Eu sempre ficava sentado próximo de uma banca que vendia queijos e olhava para tal lombada. Via as pessoas que chegavam à cidade com seus jumentos carregados com as mercadorias, mas primeiro via apenas suas cabeças; quanto mais se aproximavam, maiores partes de seus corpos podiam ser vistas, até o momento em que atingiam a parte mais alta da lombada, quando então via todo o corpo delas. Eu tinha a impressão de que tais pessoas emergiam-se de dentro da terra, seja vagarosamente seja rapidamente, dependendo de sua velocidade. Em meu sonho, don Juan esperava por mim próximo da banca de queijo. Aproximei-me dele.
"Você conseguiu, a partir do seu silêncio interior," disse-me ele, batendo em minhas costas. "Você atingiu seu ponto crítico. Por um momento comecei a perder a esperança. Mas dei umas voltinhas por aí, pois sabia que você iria conseguir."
Nesse sonho, nós fomos dar umas voltas. Eu estava mais feliz que nunca. O sonho era tão vívido, tão terrivelmente real, que me deixou convencido, sem nenhuma dúvida de que resolvera meu problema, ainda que a solução fosse apenas uma fantasia, um sonho.
Don Juan riu, balançando a cabeça. Ele, claramente, lera meus pensamentos. "Você não está meramente sonhando," disse ele, "mas quem sou eu para dizer isso para você? Você, algum dia, irá saber disso por você mesmo – que não existe sonho a partir do silêncio interior – porque você irá escolher conhecer isso."
EL SILENCIO INTERNO, por Carlos Castaneda.
El conocimiento silencioso fue una faceta entera en la vida y actividades de
los chamanes o brujos que vivieron en México en tiempos antiguos. De acuerdo
con don Juan Matus, el maestro chamán que me introdujo al mundo cognoscitivo de
los chamanes, el conocimiento silencioso era el resultado más codiciado por
ellos, y lo buscaban a través de cada una de sus acciones y pensamientos.
Don Juan definió el conocimiento silencioso como un estado de la conciencia
humana en el que todo lo que es pertinente al hombre es instantáneamente
revelado, no a la mente o al intelecto, sino al ser total. Explicó que
existe una banda de energía en el universo que los chamanes llaman la banda del
hombre, y que dicha banda está presente en los seres humanos. Me aseguró que
para los chamanes videntes, quienes ven directamente cómo fluye la energía en
el universo, y que pueden ver al ser humano como un conglomerado de campos
energéticos en forma de una esfera luminosa, la banda del hombre es un borde de
luminosidad compacta que corta transversalmente la esfera luminosa en un ángulo
de izquierda a derecha. La totalidad de la esfera luminosa es del tamaño de los
brazos extendidos hacia los lados y hacia arriba y, en esa esfera luminosa, la
banda del hombre mide quizá alrededor de treinta centímetros de ancho (largura).
El conocimiento silencioso, explicó don Juan, es la interacción de energía dentro de esa banda, una interacción
que es instantáneamente obvia para el chamán que ha logrado alcanzar el
silencio interno. Don Juan dijo que el hombre común y corriente tiene una
noción vaga de esta interacción energética. El hombre la intuye y trata de
deducir su funcionamiento, de descubrir sus permutaciones. Por otro lado, un
chamán recibe una descarga de la totalidad de esta interacción en cualquier
momento en que la ejecución de esta interacción sea solicitada.
Don Juan me aseguró que el preludio al
conocimiento silencioso es un estado de la percepción humana que los chamanes
llaman el silencio interno, un estado libre de pensamientos y
verbalizaciones silenciosas, al que los chamanes llaman el diálogo interno.
No importa cuánto se esforzó don Juan por hacerme comprender sus definiciones y
explicaciones sobre el conocimiento silencioso, éstas permanecieron siempre
oscuras, misteriosas, inescrutables. En su esfuerzo por aclarar aún más este
punto, don Juan me dio una serie de ejemplos concretos del conocimiento
silencio. El que más me gusto, debido a su alcance y a su pertinencia, es algo
que el llamaba los lectores del infinito.
Los lectores del infinito es algo que suena como a una metáfora, pero es, más
bien, una descripción fenomenológica que don Juan usaba para describir una
condición perceptiva chamánica. Me dijo que esta condición chamánica concordaba
con las metas y las expectativas del hombre de hoy en día, y que el hombre del
siglo veinte es un lector que lee textos con una predilección especial. Tales
textos pueden tener el formato de un libro, un escrito de computadora, un
manual, literatura, descripciones técnicas, etcétera.
En su búsqueda continua por encontrar soluciones y respuestas a sus
indagaciones, los chamanes del México antiguo descubrieron que cuando se
alcanza el silencio interno, la conciencia del hombre puede dar fácilmente un
salto a la percepción directa de la energía reflejada en cualquier horizonte
dado. Ellos usaban el cielo como horizonte, así como las montañas o, en un
espacio más reducido, las paredes de sus moradas. Eran capaces de ver energía
reflejada en esos horizontes con si estuvieran viendo una película.
Describieron concisamente este fenómeno, como la visualización de la energía
con apariencia de un matiz - para ser precisos, un punto rojizo en el horizonte, color rojo granada. Lo
llamaron el manchón de color granada.
Esos chamanes aseguraban que, en un momento dado, ese manchón de color granada
explotaba y se convertía en imágenes que ellos veían como si estuvieran
realmente viendo una película. Este logro perceptivo los convirtió en lo que
ellos llamaron espectadores del infinito.
Don Juan creía que en mi caso era más apropiado considerar leer el infinito en
lugar de verlo, ya que yo era dado a leer con misma pasión, sino es que con
más, que lo que los chamanes del México antiguo eran dados a ver. Don Juan dejó
perfectamente claro que ser un lector del infinito no quiere decir leer energía
como si uno leyera un periódico, sino que las palabras se formulan con toda
claridad a medida que uno las lee, como si una palabra llevara a otra,
forrnando conceptos totales que se manifiestan y luego se desvanecen. El arte
los charnanes es tener la habilidad de reunir y preservar estos conceptos antes
de que se olviden al ser reemplazados con nuevas palabras, con los conceptos
nuevos de un flujo de conciencia gráfica interminable.
Don Juan continuó explicando que los chamanes que vivieron en México en tiempos
remotos, y que establecieron su linaje, fueron capaces de alcanzar el
conocimiento silencioso después de haber entrado en su matriz: el silencio
interno. Dijo que el
silencio interno era un logro de tan tremenda importancia, que lo consideraban
la condición esencial del chamanismo.
Don Juan puso tal énfasis en este silencio, que mi ambición era alcanzarlo.
Quería llegar al silencio interno de inmediato. Sentía que no tenía un solo
instante que perder. Cuando le pedí a don Juan que me diera una explicación
concisa de los procedimientos a seguir, se rió de mi.
-Aventurarse en el mundo de los chamanes -dijo-, no es como aprender a manejar
un automóvil. Uno necesita manuales e instrucciones para manejar un auto. Para alcanzar el silencio interno uno
necesita intentarlo.
-Pero, ¿cómo puedo intentarlo? -insistí.
-La única manera en que puedes intentarlo es intentándolo - declaró.
Una de las cosas más difíciles de aceptar, para el hombre dc hoy en día, es la
ausencia de procedimientos. En la actualidad, el ser humano parece estar bajo
el poder de manuales, prácticas, métodos, pasos a seguir. EI hombre de hoy en
día toma notas incesantemente, hace diagramas, está profundamente involucrado
en "saber como". Pero en el mundo de los chamanes, dijo don Juan, los
procedimientos y los rituales son meros instrumentos para atraer y enfocar la
atención. Son artificios que se usan para forzar el enfoque de nuestro interés
y determinación. No tienen ningún otro valor.
Don Juan creía que al hombre moderno le encantan las palabras, como si
retuviese un sentimiento que ha sobrevivido hasta hoy de lo significativo que
fue para él hablar por primera vez. Esto parece explicar su intenso énfasis en
la palabra. Las encantaciones verbales parecen ser un retroceso a ese estado de
enamoramiento con las palabras. Los chamanes creen que una larga serie de
palabras, dichas en voz alta, debe haber ejercido un poder mesmérico.
Debido a la fuerza de sus prácticas y sus metas, los chamanes refutan el poder
de la palabra. Se definen a sí mismos como navegantes en el mar de lo
desconocido, Para ellos, la navegación es un hecho práctico, y navegar quiere
decir moverse de un mundo a otro sin perder sobriedad, sin perder fuerza; y,
para lograr realizar esta hazaña de navegación, no puede haber procedimientos o
pasos a seguir, sino un solo acto abstracto que define todo: el acto de
reforzar nuestro lazo con la fuerza que se extiende a través del universo, una
fuerza que los chamanes llaman el intento. Debido a que estamos vivos y
conscientes estamos de por sí, ya, íntimamente relacionados con el intento. Lo
que necesitamos, de acuerdo con los chamanes, es hacer que ese lazo forme parte
de nuestros actos conscientes, y ese acto de volvernos conscientes de nuestro
lazo con el intento es otra forma de definir el conocimiento silencioso.
En el curso del tiempo que pasé con don Juan Matus aprendí, sin embargo, una
cosa con relación a los procedimientos y los métodos. Si existe algo que los seres humanos necesitan
para poder alcanzar El conocimiento silencioso, es reforzar su bienestar, su
claridad, su determinación. Para poder intentar, uno debe poseer destreza
física y mental y un espíritu claro.
De acuerdo con don Juan, los
chamanes del México antiguo pusieron un enorme énfasis en la destreza física y
el bienestar mental, y este mismo énfasis prevalece en los chamanes de hoy en
día. Fui capaz de corroborar la verdad de sus aseveraciones al observar
a don Juan y a sus quince compañeros chamanes. Su soberbio estado de balance
físico y mental era uno de los rasgos más obvios en ellos.
La respuesta que don Juan me dio cuando le pregunte directamente por qué los
chamanes ponen tanto énfasis en el lado físico del hombre, me sorprendió
sobremanera. En aquellos años yo creía en el lado espiritual del hombre, un
lado acerca de cuya existencia podía no estar completamente convencido, pero
por lo menos, estaba inclinado a considerarlo como una posibilidad. Para mí,
don Juan, era un ser espiritual.
-Los chamanes no son en absoluto espirituales -dijo -. Son seres sumamente
prácticos. Sin embargo, es un hecho bien conocido que los chamanes, o los
brujos, como les llaman, son generalmente considerados excéntricos o aun locos.
quizá eso sea lo que te hace pensar que son espirituales. Parecen locos porque
siempre están tratando de explicar cosas que son inexplicables. Al tratar de
hacer esto pierden toda coherencia y dicen insensateces que, si se examinan
desde el punto de vista de los chamanes, no son en absoluto insensateces, sino
tentativas fútiles de dar explicaciones completas que no pueden completarse
bajo ninguna circunstancia.
Don Juan me dijo que esos chamanes del México antiguo descubrieron y
desarrollaron un gran número de procedimientos para alcanzar bienestar físico y
mental, procedimientos que llamaron pases mágicos. También comentó que el
efecto de los pases mágicos fue tan abrumador para ellos, que los pases se
convirtieron, a través del tiempo, en uno de los componentes más importantes en
sus vidas. Don Juan explicó que, dado como eran a comportamientos rituales,
esos chamanes ocultaron rápidamente los pases mágicos en medio de ritos, y
velaron el acto de enseñarlos o practicarlos en gran sigilo. Me aseguró que
estos rituales eran totalmente absurdos, pero que cuanto más idiotas, más
grande era su capacidad de ocultar algo de tan tremendo valor.
Cuando yo entré en el mundo de don Juan, la enseñanza y la práctica de los
pases mágicos eran tan secretas como lo habían sido siempre, pero ya no eran en
exceso rituales. Lo que don Juan comentó al respecto fue que los rituales
habían perdido su ímpetu a medida que las nuevas generaciones de practicantes
se interesaron más en la eficiencia y funcionalidad. Me recomendó, sin embargo,
que no debía hablar sobre los pases mágicos con ninguno de sus discípulos, o
con la gente en general, bajo ninguna circunstancia. La razón que me dio fue
que los pases pertenecían exclusivamente a cada persona y que su efecto era tan
avasallador, que sólo aquellos que habían tomado el camino del guerrero con
verdadera seriedad podían practicarlos.
Don Juan me enseñó a mi y a sus tres discípulas, Taisha Abelar, Florinda
Donner-Grau y Carol Tiggs, un gran número de pases mágicos pero, junto con esta
riqueza de conocimiento, también nos dio la certeza de que éramos los últimos
miembros de su linaje. la aceptación de este legado implicaba automáticamente
encontrar nuevas formas de diseminar el conocimiento de su linaje, debido a que
su continuación ya no era el objetivo.
Necesito aclarar un punto de suma importancia al respecto: don Juan Matus no se
interesó jamás en enseñar su conocimiento. Él estaba interesado en perpetuar su
linaje. Nosotros, sus cuatro discípulos, éramos los elementos, los medios
-escogidos, dijo, por el espíritu mismo ya que él no había participado de
manera activa en ello - que iban a asegurar su perpetuación. Por esta razón
hizo esfuerzos titánicos para enseñarnos todo lo que sabía acerca del
chamanismo, o la brujería, y acerca del desarrollo de su linaje.
En el curso de su enseñanza se dio cuenta de que mi configuración energética
era, de acuerdo con él, tan diferente de la suya que eso no podía tener ningún
otro significado excepto el fin de su línea. Le dije que me molestaba
sobremanera su interpretación de cualquier diferencia invisible que pudiese
existir entre nosotros. No me gustaba cargar con el peso de ser el último de su
línea, ni tampoco comprendía su razonamiento.
-Aunque parece que los chamanes no hacen nada, más que tomar decisiones, en
realidad no toman ninguna decisión -explicó-. Lo único que tienen son sus
descubrimientos. Yo no decidí escogerte, y tampoco decidí que fueras de la
manera que eres. Ya que yo no podía escoger a quién impartir mi conocimiento,
tuve que aceptar a quien el espíritu me ofrecía; y esa persona fuiste tú, y tú
eres energéticamente capaz sólo de terminar, no de continuar.
Dijo que la terminación de su linaje no tenía nada que ver con él o sus
esfuerzos, o con su éxito o fracaso como un chaman en búsqueda de la libertad
total. Lo comprendía como algo que tenía que ver con una elección que provenía
de un nivel más allá del nivel humano, una elección que no fue tomada por seres
o entidades, sino por las fuerzas impersonales del universo.
En un acuerdo unánime, las tres discípulas de don Juan y yo aceptamos lo que él
llamó nuestro destino. El aceptarlo nos puso cara a cara con otro asunto al
cual él se refería como cerrar la puerta detrás de nosotros; es decir, asumimos
la responsabilidad de decidir exactamente qué hacer con todo lo que don Juan
nos enseñó y de hacerlo impecablemente.
Antes que nada nos planteamos la pregunta crucial de qué hacer con los pases
mágicos: la faceta más pragmática y funcional del conocimiento de don Juan.
Decidimos usar los pases mágicos y enseñárselos a quien quisiera aprenderlos.
Nuestra decisión de acabar con el sigilo que los rodeaba por un periodo de
tiempo indeterminado fue, naturalmente, el corolario de nuestra convicción
total de que, en realidad, somos el final del linaje de don Juan. Se volvió
inconcebible para nosotros cargar con secretos que ni siquiera son nuestros.
Encubrir los pases mágicos con secretos no fue nuestra decisión. Sin embargo,
es nuestra decisión terminar con esa condición.
Nosotros cuatro nos dedicamos, entonces, a amalgamar las cuatro líneas
diferentes de pases; pases que nos fueron enseñados a cada uno de nosotros
separada e individualmente, de acuerdo con nuestra constitución física y mental
particular. Tratamos de crear una forma genérica de cada movimiento, una forma
adecuada para todos.
Esta amalgama dio como resultado una configuración de formas ligeramente
modificadas de cada uno de los pases que nos enseñaron. Hemos llamado a esta
nueva configuración Tensegridad, un término que pertenece a la arquitectura y
significa "la propiedad de armazones que emplean miembros de tensión
continua y miembros de compresión discontinua, de tal manera que cada miembro
opera con máxima eficiencia y economía".
Para explicar qué son tos pases mágicos descubiertos por los chamanes de la
antigüedad, como don Juan los llamaba, quisiera aclarar algo: los tiempos
antiguos. Para don Juan esto significaba un tiempo de 7,000 a 10,000 años
atrás; una cifra que parece en cierta forma incongruente si se examina desde el
punto de vista de los esquemas clasificatorios de los eruditos de hoy en día.
Cuando confronté a don Juan con la discrepancia entre sus cálculos y lo que yo
consideraba ser un cálculo más realista, se mantuvo firme en su conviccion. Él
creía que era un hecho, que la gente que vivió en el Nuevo Mundo de 7,000 a
10,000 años atrás, estaba profundamente interesada en asuntos del universo y de
la percepción, asuntos que el hombre moderno no ha empezado ni siquiera a
sondear.
Independientemente de nuestras diferentes opiniones, el sigilo que rodeó los
pases mágicos durante eras y el efecto directo que éstos ejercieron sobre mí,
han tenido una profunda influencia en la manera como los trato. Lo que estoy
presentando en este trabajo es una reflexión intima de esta influencia. Me
siento obligado a elucidar este tema siguiendo estrictamente la forma en que me
fue presentado; para poder hacer esto, necesito regresar a los inicios de mi
aprendizaje con don Juan Matus.
Comenzó haciendo comentarios sobre la habilidad física de lo chamanes de la
antigüedad. Recalcó incesantemente la necesidad de poseer un cuerpo flexible,
ágil; promovía su elasticidad y fuerza como el medio más seguro para alcanzar
el mayor logro en la vida de un chamán: el conocimiento silencioso.
-La sensatez y la habilidad física eran las dos cosas más importantes en la
vida de esos hombres y mujeres -reiteró en una ocasión-. La sobriedad y el
pragmatismo son los dos únicos requisitos indispensables para alcanzar el
conocimiento silencioso -para entrar en otros reinos de percepción. Para
navegar de manera genuina en lo desconocido se necesita una actitud de osadía, pero
no de descuido. Para establecer un balance entre la audacia y el descuido, un
chaman tiene que ser extremadamente sobrio, cauteloso, hábil y estar en una
soberbia condición física.
Don Juan decía que había cinco asuntos en la vida dc esos chamanes alrededor de
los cuales giraba su búsqueda del conocimiento silencioso.
Estos cinco temas eran: 1. Los pases mágicos; 2. EI centro energético en el
cuerpo humano llamado el centro de decisiones; 3. La recapitulación: el medio
para acrecentar el alcance de la conciencia humana; 4. El ensueño: el verdadero
arte de rornper los parámetros de la perecpción normal; 5. El silencio interno:
el estado de la percepción humana desde el cual esos chamanes realizaban cada
uno de sus logros perceptivos.
***
H.H.: Tu fuiste un monje budista por unos años... acechaste la posición de un
monje budista... el silencio interno, puede resultar de esa disciplina también?
Taisha: Por supuesto que hay muchas técnicas de meditación y la meta de los
monjes de cualquiera de estas técnicas es esa. Yo ya había hecho la
recapitulación antes de ser un monje y así fui capaz de acechar estas
posiciones... con eso no quiero decir que si practicas la meditación zen no
llegarás a parar tu dialogó interno... hay muchas técnicas de meditación que
apagan el diálogo interno. Pero eso no es suficiente... que eso lo quiero dejar
claro... no es suficiente tenerlo quieto y tranquilo internamente... ¿qué pasa
cuando vuelves a tu trabajo rodeado de gente y tu jefe enfurecido? o en tu casa
con tus hijos que te están gritando... hace falta mantener ese silencio en
medio de todo eso... de tener, silencio, ecuanimidad y resolución en cualquier
situación... así que siempre nos lo mandaron de vuelta al mundo para comprobar
y practicar el entrar en silencio... no sentado en posición en una cueva o
algún lugar de meditación. He conversado con monjes tibetanos que han venido a
L.A. y me han dicho que les es muy difícil el mantener su silencio y su
ecuanimidad... y lo mismo pasó con los templos taoístas que se han convertido
prácticamente en zonas turísticas que los monjes comentan que ahora, cuando el
mundo ha entrado en sus dominios, han destruido algo de la paz y silencio que
habían construido allí... pero los brujos dicen... no construyas tu silencio
encima de una montaña sino adentro de tí mismo.
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