segunda-feira, 27 de novembro de 2023

Lamas e Xamãs, por Nuvem que Passa (filme: O Pequeno Buda)


Sempre lembrando... 

Não esqueçam de ver o sorriso despreocupado nestas palavras. 

Escrever ideias tem a limitação de passar termos sem os tons de voz, expressões faciais e corporais e tantos outros sinais subliminares que numa conversa pessoal ajudam a entender melhor o que já é um esforço concentrado expressar pela fala. 

Tenho notado em algumas listas que participei que trocas de idéias produtivas rapidamente se perdem no jogo de egos que insistimos muitas vezes em nos entregar. 

Gostaria de partilhar com vocês esta observação quanto a este limite da comunicação virtual. 

Assim, na busca do correto falar, ou ainda do reto falar, fica colocada esta sinalização quanto a leitura das mensagens. 

Temos que ter o cuidado para não projetarmos nossas interpretações pessoais, mas tentar nos descentrarmos, como diria Piaget, nos desegotizarmos, sairmos da posição do "eu"' e entender o outro, a outra perspectiva da realidade que nos é apresentada como real e efetiva. 

É sempre bom lembrar que nunca há a intenção de agressividade nestas colocações. Por vezes palavras incisivas podem aparentar tal efeito, mas é mera aparência. O objetivo principal é sempre o mesmo. Melhorar a qualidade das perguntas. As respostas por vezes interrompem o diálogo. Compreender cada povo e cada cultura, cada forma de expressão da vida. Não como os pseudoecumênicos fazem, com seus sorrisos compreensivos, mas secretamente sentindo-se superiores e mais salvos . Vi isso aos montes nos pastores e padres "progressistas" junto as tribos que vivi. 

Sinto que pode ter ficado parecendo que aludi ao budismo tibetano como algo confuso. De forma alguma. Tenho um profundo respeito pelo budismo tibetano desde o dia que no centro cultural Vergueiro, participando da mandala da cura, realizada por lamas, vi nos olhos dos que conversei uma pureza diferente. Assim quaisquer que sejam as jangadas que usem para auxiliar na travessia rumo a outra margem, tem algo de paz , algo que já vi em alguns monges cristãos, alguns sufis , alguns xamãs. 

Quando aprendi na prática que não importa o caminho, desde que ele tenha coração. Para mim isso significa que os lamas possuem um caminho que leva ao despertar efetivo. Como curiosidade antropológica me permitam compartilhar como minha linhagem de xamãs vê os lamas. 

Espero que entendam que não é de forma alguma uma visão desrespeitosa. É uma visão alternativa, uma interpretação do tema. 

Alguns dos estrangeiros, isso é, não índios, como eu, que se ligaram a essa linhagem de xamãs que sou ligado eram taoistas, hsien, eremitas que vivendo em peregrinação foram ter a Tailândia e arredores, onde a civilização que ali florescia tem tal semelhança com a do período olmeca e anteriores que ainda instiga os pesquisadores. Dali vieram ter ao México e contaram da prática de monges poderosos que viviam no alto das neves eternas. Tais monges eram curadores e conheciam muitas formas de magia. Eles tinham desenvolvido um profundo conhecimento da natureza da vida e da consciência. Eles sabiam que se um ser humano desenvolvesse durante a vida a consciência de si haveria chance de prosseguir existindo. Caso contrário apenas se dissolveria como a espessa névoa vai com o vento ao meio da manhã, dissipar-se pela mata, toda e, ao meio dia, nem lembrança dela restará àquele que por ela atravessou quando o dia nascia e ainda carpe o pasto, tudo roçando, carpe, mas não carpie die. 

Contavam que tais monges em grandes mosteiros sabiam que as experiências, os jeitos de ser, de sentir, de pensar, de agir, iam de um ser para outro, se misturando em tramas e depois se separando, como se um tapete fosse tecido, depois desfeito e sua lã aproveitada em outros tapetes, cada cor em um diferente. Cada novo tapete gera uma forma final, um novo e único tapete, mas sua lã veio de outro tapete. E eis que certo dia um tapete acorda e diz: Hoje sonhei que fui um tapete em frente a vasta lareira do imperador. E se sente orgulhoso por isso. Ele tem algo do tapete da lareira do imperador. 

Os monges descobriram isso com sua clarividência. 

Mas eles não eram mais o tapete da lareira do imperador. Podiam até mesmo usar o que traziam de aprendizado dali. Mas era um novo tapete, único e singular. E podia até mesmo se lembrar de muitos outros tapetes que as várias cores de lãs que o compunha haviam antes composto. 

Feito e desfeito, até o distante dia que cada lã daquela foi pela primeira vez fiada, pela primeira vez cardada. A distante roca original que pegou a lã cardada e fez fio, fio que tecido e retecido em tantos tapetes esteve e o tapete, resultante dos fios, ainda perplexo, confunde-se com eles, negando-se tapete. Descobriram também que quanto mais se trabalha o ser, mais lãs juntas vão de tapete a tapete e em certos casos chega a ocorrer uma autêntica reencarnação, um tapete é desfeito e refeito com a mesma lã. Ainda assim a resultante é única, distinta. 

Pois é isso que o tapeceiro, incriado a criar tapetes, busca, revelar-se a si mesmo, despertar-se no que desperta. 

Tais monges passaram então a ir em busca daqueles que treinavam. Numa vida um monge treinava. Ao morrer os monges seguiam sinais e encontravam várias fibras do antigo companheiro¹

Para explicar às pessoas o que faziam usaram conceitos mais simples como reencarnação. 

Tais monges podem ser os antepassados espirituais dos lamas tibetanos. 

Em outros contos a similitude é ainda maior. Percebem que é uma forma de ver o processo acontecendo. Apenas uma hipótese de trabalho a mais. 

Como comentei antes a questão fundamental para nossa época é como auxiliar a restaurar em cada ser uma profunda gentileza para com a vida a sua volta, para consigo. Todo mais são instigantes histórias, maneiras, mas só isso. 

Restaurar a sensibilidade dos seres humanos é algo imperativo a nossa sobrevivência enquanto espécie. E com o poder de destruição evidente, é a sobrevivência de todo o planeta que está em risco. 

Paz Profunda!!!


Notas

¹ Sobre o assunto desse parágrafo recomendamos o filme "O Pequeno Buda". Tal filme conta a história de alguns monges do Nepal em busca da "reencarnação" de um lama chamado Geshe Tsultim Gyelsen.

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