Vivi muito tempo, e o caminho da minha vida perde-se nas folhas amarelas e secas - Shakespeare.
Hoje, na sociedade do espetáculo e da imagem, o arquétipo do Eremita, do velho sábio, arcano 9 do Tarot, encontra-se extremamente enfraquecido, basta ver como os aposentados são tratados em termos salariais obrigando-os muitas vezes a uma reinserção no competitivo mercado de trabalho "capetalista". A própria palavra velho é mal vista, não se associa mais com sabedoria, experiência e conhecimento, antes está fortemente associada com algo que ficou para trás, algo superado, ultrapassado, obsoleto. Nota-se assim uma coisificação da vida e do tempo humano onde a velhice é vista como uma espécie de obsolescência programada.
O que é ser velho, o que é envelhecer? Estamos todos envelhecendo mas parece que ninguém quer pensar ou refletir sobre isto... por quê?
Por que somos obrigados a olhar para a morte mais de perto? Por causa da recusa e do menosprezo social pelos velhos? E, contudo, a sociedade como um todo está envelhecendo, o tempo de vida das pessoas tem aumentado, mas e a qualidade do viver? Temos trabalhado no que amamos? Temos trabalhado menos para dedicar mais tempo a outros aspectos da existência? A maioria das pessoas alcança uma velhice de qualidade, de saúde, criatividade e lucidez?
Até os nossos deuses (ou deus) parecem ser sempre jovens e belos, além de imortais, não há deus ou deuses velhos em nossa cultura, parece que ser deus é superar o tempo ou ignorá-lo, mas vemos que na tradição afro existem deuses velhos, por exemplo, Nanã, Omulu ou Oxalufan, sintoma positivo de uma cultura tradicional que valoriza as diferentes estações da existência humana.
Uma sociedade ou cultura que não sabe valorizar as diferentes estações do existir humano é uma sociedade capenga, incompleta e destituída de sabedoria, incapaz de acessar os valores mais sublimes pois não consegue perceber os movimentos da Roda do Tempo, arcano 10 dez do Tarot, diante da qual o arquétipo do Eremita realiza suas meditações. No Eremita estamos no tempo da meditação, tempo de afiar a nós mesmos. Assim deixo esta história para que possamos acessar esta dimensão temporal do Eremita, o velho sábio.
A parábola do velho lenhador
Conta-se que um jovem lenhador ficara impressionado com a eficácia e rapidez com que um velho e experiente lenhador, da região onde morava, cortava e empilhava madeira das árvores que derrubava. O velho lenhador era um homem tranqüilo, bem relacionado com todos e era tido como uma pessoa de bom coração, além de ser considerado o melhor lenhador de toda a redondeza.
O jovem o admirava e o seu desejo permanente era de um dia, torna-se tão bom, se não melhor, que aquele homem, no ofício de cortar madeira. Certo dia, aquele jovem finalmente decidiu procurar o velho lenhador com o propósito de aprender com quem mais sabia e assim tornou-se o melhor lenhador que aquela cidadezinha já tinha ouvido falar.
Passados alguns dias daquele aprendizado, o jovem resolvera que já sabia tudo e que aquele velho não era tão bom quanto falavam. Sendo assim, o jovem decidira afrontar o velho lenhador, desafiando-o para uma disputa: em um dia de trabalho quem cortaria mais árvores?. Aquele velho lenhador aceitou, sabendo que seria mais uma oportunidade de dá uma lição no jovem arrogante. E assim fizeram, reuniram testemunhas, formaram comissão julgadora, organizaram torcida, delimitaram as áreas onde seriam cortadas as árvores e, no dia escolhido para o confronto, lá se foram decidir os dois quem seria o melhor.
De um lado, o jovem forte, robusto e incansável, mantinha-se firme, cortando as suas árvores. Do outro, o velho lenhador, desenvolvendo o seu trabalho silencioso, tranqüilo. Também firme e sem demonstrar nenhum cansaço.
Num dado momento, o jovem olhou para trás a fim de ver como estava o velho lenhador e qual não foi a sua surpresa ao vê-lo sentado. O jovem riu e pensou: ‘ além de velho e cansado, está ficando tolo, por acaso não sabe ele que estamos numa disputa?”. E assim, ele prosseguiu cortando lenha sem parar, sem descansar um minuto.
Ao final do tempo estabelecido, encontraram-se os dois e os representantes da comissão julgadora foram efetuar a contagem e medição e, para admiração de todos, foi constatado que o velho havia cortado duas vezes mais árvores do que o jovem desafiante.
Este, espantado e irritado ao mesmo tempo, indagou-lhe qual o segredo para cortar tantas árvores, já que uma ou duas vezes que parara apenas para olhar, via-o sentado bem tranqüilo, enquanto ele não parou um só minuto. O velho, bastante sereno, respondeu: ” todas as vezes que você me via sentado, eu não estava simplesmente parado, descansando. Eu estava afiando o meu machado.
Escrito quando eu já era velho, um "velho verde".
DR
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