- Você deve entender de uma vez por todas que essas são coisas normais na vida de um feiticeiro. Você não está ficando louco; está simplesmente ouvindo a voz do emissário do sonhar. Depois de atravessar o primeiro ou o segundo portão do sonhar, os feiticeiros chegam a uma fronteira de energia e começam a ver coisas ou a ouvir vozes. Na verdade não são vozes, e sim uma única voz. Os feiticeiros chamam-na de voz do emissário do sonho.
- O que é o emissário do sonho?
- Energia alienígena consciente. Energia alienígena que procura ajudar os sonhadores dizendo coisas. O problema com o emissário do sonho é que ele só pode dizer o que os feiticeiros já sabem ou deveriam saber, se valessem o que comem.
- Dizer que é uma energia alienígena consciente não me ajuda em nada, Dom Juan. Que tipo de energia? Benigna, maligna, certa, errada, o quê?
- É exatamente o que eu disse: energia alienígena. Uma força impessoal que transformamos em muito pessoal, porque tem uma voz. Alguns feiticeiros têm confiança absoluta nela. Até mesmo a vêem. Ou, como aconteceu com você, simplesmente ouvem-na como voz de homem ou de mulher. E a voz pode falar com eles sobre o estado das coisas, o que na maior parte das vezes é visto como um conselho sagrado.
- Por que alguns de nós ouvimos essa energia como se fosse uma voz?
- Nós vemos ou ouvimos porque mantemos o ponto de aglutinação fixo num determinado posicionamento; quanto mais intensa a fixação, mais intensa nossa percepção do emissário. Cuidado! Você pode vê-lo e senti-lo como uma mulher nua.
Dom Juan riu do que disse, mas eu estava assustado demais para levar na brincadeira.
- Essa força é capaz de se materializar?
- Certamente. E tudo depende de como o ponto de aglutinação está fixo. Mas fique tranquilo, se você for capaz de manter um grau de desapego, nada acontece. O emissário continua sendo o que é: uma força impessoal que age em nós por causa da fixação do ponto de aglutinação.
- E o conselho dele é garantido?
- Não pode ser um conselho. Ele só diz o que é o quê, e nós tiramos as conclusões.
Contei a Dom Juan o que a voz me havia dito.
- É como eu falei - Dom Juan observou. - O emissário não disse nada de novo. Sua afirmação estava correta, mas só na aparência era uma coisa reveladora. O que o emissário fez foi meramente repetir o que você já sabia.
- Acho que não posso dizer que já sabia aquilo, Dom Juan.
- Pode sim. Agora você sabe infinitamente mais sobre o mistério do universo do que suspeitava em termos racionais. Mas esse é o mal dos seres humanos: sabemos mais sobre o mistério do universo do que suspeitaríamos. Ter experimentado sozinho esse fenômeno incrível, sem o apoio de Dom Juan, fez com que eu me sentisse exaltado. Queria mais informações sobre o emissário. Comecei a perguntar a Dom Juan se ele também ouvia a voz do emissário.
Ele me interrompeu e disse com um sorriso largo:
- Sim, sim. O emissário também fala comigo. Quando eu era jovem costumava vê-lo como um frade vestindo um capuz preto. Um frade falador que me deixava apavorado todas as vezes em que surgia. Depois, quando meu medo ficou mais manobrável, ele tomou-se uma voz sem corpo, que até hoje me diz coisas.
- Que tipo de coisas, Dom Juan?
- Qualquer coisa em que eu focalize meu intento; coisas que não quero ter o problema de rastrear sozinho. Como, por exemplo, detalhes sobre o comportamento de meus aprendizes. O que eles fazem quando não estou por perto. Ele me diz coisas sobre você, em particular. O emissário me diz tudo que você faz.
Naquele ponto eu realmente não me preocupava com a direção que nossa conversa tomara. Revirei freneticamente o pensamento em busca de perguntas sobre outros tópicos, enquanto ele gargalhava.
- O emissário do sonho é um ser inorgânico? - perguntei.
- Digamos que o emissário do sonho é uma força que vem das esferas dos seres inorgânicos. É por isso que os sonhadores sempre o encontram.
- Quer dizer, Dom Juan, que todo sonhador ouve ou enxerga o emissário do sonho?
- Todos ouvem o emissário; muito poucos o veem ou sentem-no.
- Você tem alguma explicação para isso?
- Não. Mas realmente não me preocupo com o emissário. Num determinado ponto de minha vida precisei decidir se me concentrava nos seres inorgânicos e seguia as pegadas dos feiticeiros antigos ou se recusava isso tudo. Meu professor, o Nagual Julian, me ajudou a decidir pela recusa. Nunca me arrependi dessa decisão.
- Você acha que eu deveria recusar os seres inorgânicos, Dom Juan?
Ele não respondeu. Em vez disso explicou que toda a esfera dos seres inorgânicos tem sempre uma postura de ensinar. Talvez porque tenham uma consciência mais profunda do que a nossa, os seres inorgânicos sentem-se compelidos a nos manter debaixo de suas asas.
- E eu não vejo nenhum sentido em virar aluno deles - acrescentou. - O preço é alto demais.
- Qual é o preço?
- Nossas vidas, nossa energia, nossa devoção a eles. Em outras palavras, nossa liberdade.
A Arte do Sonhar, de Carlos Castaneda, Cap. 04, Fixando o Ponto de Aglutinação.
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