sábado, 15 de março de 2025

Entrevistas com parceiros de Carlos Castaneda: Mariví de Teresa

As Testemunhas do Nawal[1]

Entrevistas com parceiros de Carlos Castaneda

Entrevista com Mariví de Teresa


_ Aceitei esta entrevista porque chegou o momento de devolver o que recebi, romper o silêncio e falar do bem que ele nos deixou, do verdadeiro benfeitor que foi para milhares de pessoas que, como eu, até agora têm permanecido caladas.

_ Em sua opinião, por que tem havido silêncio entre os chegados a Castaneda depois de sua partida?

_ Ele nos ensinou que um bruxo não tem nada a defender, e, portanto, tampouco tem muito a dizer. Esse é o sentimento que temos. Mas, ao mesmo tempo, não podemos nos calar. Um bruxo não deixa dívidas de gratidão pelo caminho.

Olha, esta que você vê aqui morreu; o nawal a matou. Minha única razão de seguir neste planeta é limpar meu vínculo com o espírito, e por isso me interessa reconhecer o que devo ao nawal.

_ Além do sentimento de gratidão, há alguma outra razão que a motivou a pôr por escrito suas experiências junto a Castaneda?

_ Sim, os augúrios.

Eu não havia decidido escrever sobre isso até que vi augúrios suficientes para fazê-lo, abrir completamente o que aprendi e vivi.

O primeiro foi quando, sem que o esperasse, tive que falar de Carlos Castaneda. Acabava de chegar a Barcelona e não tinha essa conferência em mente, assim que, quando me pediram, repliquei: “Estão malucos? Não posso, que vou dizer? Não sei de onde vocês tiraram que vou dar uma palestra!”

Finalmente, dei a palestra, e nesse momento soube que minha tarefa era transmitir. Disse para mim mesma: “É tempo de dizer a verdade!”

Outro sinal foi o livro de Armando Torres e as revelações que ele faz ali sobre a regra do nagual de 3 pontas. Esse é um tópico muito profundo. Ele deixou fragmentada a informação sobre a regra entre diversas pessoas.

_ O que é a regra?

_ Ele a descrevia como um mapa, um conjunto de índices, um sistema. Em uma conferência que nos deu na Casa Amatlán, disse-nos:

“A regra é uma série de tarefas, um compromisso que se deixa aos guerreiros de um grupo. Tudo que eu escrevi é a regra.

“A regra se faz evidente para os que lutam pela liberdade através da impecabilidade, já que obrigatoriamente se põem em contato com ela e conseguem ser impecáveis quando vêem que esta se cumpriu.”

_ Qual foi o terceiro augúrio?

_ O terceiro augúrio foi certa informação que tive sobre o passado do meu país.

_ Você disse que Carlos lhes deixou um quebra-cabeças?

_ Sim, essa era sua forma de agir, algo característico dos nawais que têm a constituição energética como a que ele tinha. São transmissores por excelência. E esse é o modo como o espírito dispôs que se transmita o conhecimento.

Carlos era muito específico, a cada um de nós encarregou de coisas, e inclusive nos fez pronunciar um voto de silêncio. Quando lhe perguntei o porquê dessa atitude, me respondeu: “É que há coisas que não se pode dizer até que chegue o momento.”

Não se trata de dar importância ao segredo, e sim de um senso de oportunidade. Seu trabalho não foi o trabalho de um homem. Ele foi o instrumento de uma linhagem de conhecimento que retrocede até tempos muito antigos, por isso o chamamos o nawal.

A linhagem acumulou muita sabedoria através de experimentação e revelações, e cada nawal deve transmitir a porção que corresponde à sua própria época.

A Carlos coube viver em um momento de crise, de mudança. Então, teve que encontrar estratégias para nos legar a extraordinária informação que possuía.

Nunca nos dava o mapa completo, dava as peças para que a gente armasse e descobrisse suas indicações. E a porção de cada um era feita na sua própria medida, era o seu pedaço do quebra-cabeças.

Como ele nunca nos explicou esse assunto, nós pensamos que o que tínhamos era tudo. Não foi senão quando se passaram os anos e alguns de nós começamos a intercambiar informações, que descobrimos que o nawal havia preparado um plano, algo gigantesco, que vai muito além do seu grupo. Ainda é muito cedo para ter uma visão global desse plano, mas percebo alguns de seus elementos.

_ Explique-nos mais sobre esse plano.

_ A questão é fazer as perguntas apropriadas. Por que se forma um grupo de guerreiros? Qual a sua função e como se desenvolve? Por que Dom Juan o configurou tal como o fez, incorporando elementos não indígenas?

_ Que sentido tem a configuração energética de Carlos? Por que a cada um dos grupos, e a cada entidade dentro de um grupo, se dá um ensinamento particular, uma informação, uma tarefa? Aonde leva tudo isso?

_ Só posso falar do meu espaço, posso contar-lhe sobre as peças do quebra-cabeças que me entregaram. Levei dez anos de trabalho árduo para identificá-las e armá-las, porém só assim pude entender muitas coisas.

_ É casual o fenômeno Carlos Castaneda, ou foi uma convocação da energia?

_ Este tempo é o tempo do ser humano, acabaram-se os gurus, os guias. É tempo da espécie despertar.

O nawal de 3 pontas é um cíclico, e aparece com uma corte de cíclicos. A energia dispôs assim, é um comando.

Os cíclicos estão a serviço do nawal, se metem no tonal dos tempos, não porque gostem mas porque este é seu caminho para a liberdade.

O cíclico vem para encontrar-se consigo mesmo, e ao ver-se se reconhece, porque já se deixou aí, há cinco, dez mil anos. Esclareceu: “Não são reencarnações. Não como a gente a considera, não há nada linear aí.”

Alguém numa conferência lhe perguntou sobre o México e ele respondeu: “Não perguntem para mim! O que vocês podem me dizer sobre o México? É seu, cabe a vocês decifrá-lo!”

Carlos insistia em encontrar a explicação dos cíclicos de seu grupo nas pedras talhadas do México.

Disse:
 

“Quando chega a clareza, morre sua personalidade individualista,
e você entende que não é importante,
e sim uma energia com uma função.
Quanto mais importante se sente, mais se afasta de sua função.”


Inclusive mandou fazer umas camisetas com a legenda: “A importância pessoal mata!” 

Disse-me: “O estresse é uma necessidade imperiosa de sustentar uma imagem de si e de sua realidade, e provoca infartos. 


A importância pessoal mata!”


O desafiante da morte é a pedra angular desta etapa cíclica. Sempre foi, porque ele vive aí, na eternidade do ciclo. Ele é o impulso.

O passado é o tempo linear: se damos meia-volta, podemos entrar no tempo que vem, que não é retilíneo, é curvo, um aqui e agora permanente. Aí não há passado.

Às vezes, a forma como Carlos nos dizia as coisas era tão incompreensível (pensando de maneira linear), que tínhamos que reunir energia para recordá-las. Tive que lutar durante todo esse tempo para entender uma boa parte dos ensinamentos que me deu. Tem sido um trabalho difícil.

O plano do nawal não é só um desenho estratégico aplicado a nossa mente linear. É antes de tudo um desenho energético, que tem efeitos em muitos níveis. Explicar um tema dessa natureza não é possível; é como tentar explicar o sabor de uma manga a quem nunca a provou.

Para cumprir com a tarefa que ele encomendou a cada um de nós, temos que transformar o intelecto em vivência. Mover nosso ponto de encaixe para testemunhar o abstrato e tentar convertê-lo em palavras cotidianas não é possível.

A linguagem é muito limitada e se presta a um sem-fim de interpretações errôneas. Por outro lado, uma vivência produz clareza, e é o único modo de entender realmente. O problema está precisamente na clareza, porque é muito atraente, você quer estar aí todo o tempo, mas não tem jeito, a luta é permanente.

A clareza produz um falso senso de saber, de segurança, do que se aproveita a importância pessoal para nos fazer crer que somos mais importantes que os outros. 

Para os que tratamos diretamente com o nagual, a clareza é um perigo, sentir que você sabe tudo, que percebe o plano. Não está certo! Apenas percebemos pontas, não vemos o conjunto completo.

_ Pode nos falar de sua tarefa em particular?

_ Ele nos deixou uma tarefa. Disse-nos: “Não fiquem sentadas, digam às mulheres que deixem de sustentar o mundo do macho.”

Ordenou-me que levasse às mulheres a mensagem de que podem livrar-se da carga do homem, e que, para isso, não têm que imitá-lo. Dizia: “As mulheres não tem porque jogar com o intelecto, quando têm um órgão tão extraordinário como o útero, um órgão que percebe as coisas de maneira direta.”

Dizia que a mulher é como uma pirâmide invertida: recebe tudo de cima e só se apóia em um ponto sobre a terra. O homem, ao contrário, é como uma pirâmide plantada na terra, tão fixo em suas rotinas, que apenas recebe uma gotinha do alto. É por isso que os homens necessitam construir pontes com as palavras; as mulheres recebem tudo diretamente. Então, as mulheres não têm porque depender dos homens.

_ De que modo se conecta o despertar das mulheres com o plano do nawal?_ A bruxaria é um assunto feminino, um assunto de energia, e as mulheres são a fonte. Desse modo, quando nós nos dermos conta de nosso potencial, as peças do quebra-cabeças dos bruxos se armarão por si mesmas.

Minha certeza é que, se a mulher não despertar, nossa espécie vai desaparecer. Isso é uma certeza absoluta, não tem questionamento para mim!

_ Mudando de assunto, o que pode nos dizer sobre os detratores da mensagem de Carlos?

_ Em geral, são pessoas que se sentem defraudadas.

É como se o nawal lhes houvesse prometido algo e não houvesse cumprido. São pessoas despeitadas. O que têm é pura importância pessoal.

Já lhe disse que o ensinamento não era linear, tínhamos que fazer um grande esforço para entender, um esforço de bruxos. E aos homens, em particular, isso é quase impossível. Daí que muitos se queixaram ou duvidaram dele, e alguns até tentaram sujar seu nome.

Entre o grupo de seus conhecidos, os que mais o detrataram foram aqueles que esperavam ser reconhecidos dentro do grupo como líderes, como futuros continuadores do nawal. E Carlos não jogava esses jogos. Ele atendia aos desígnios do espírito, e não à importância pessoal das pessoas. Isso é o que eu vejo na maior parte dos detratores: desejos não cumpridos. “Não viu como sou maravilhoso! Não compreendeu meu valor, minha capacidade organizadora, meu grande conhecimento!”

Claro que, quando uma pessoa fica aborrecida, o que se aborrece é sua importância pessoal. Em geral, considero que os críticos de Carlos respondem a estereótipos implantados. Uma prova disso são esses detratores que, sem tê-lo conhecido ou sequer lido seus livros nem praticado nada, se dedicam a difamá-lo.

_ A que se refere quando fala de “estereótipos implantados”?

_ A nossos moldes mentais. Todos os seres humanos temos uma visão do que deveria ser um mestre, um guru. Cristo, Buda, Gandhi, Madre Teresa. Esses são os arquétipos que nos venderam, e os trazemos como se estivessem geneticamente gravados em nosso disco rígido.

Então, quando vem um que é diferente, um que promove a liberdade, que se ri de si mesmo, denuncia a importância pessoal e lhe dá uma visão completamente fora de seus esquemas e expectativas, é muito difícil escutá-lo. Você se sente tentado a exagerar ou inventar defeitos, a julgá-lo da sua perspectiva.

De um guru estamos dispostos a reverenciar até a sombra, mas a um nawal que oferece a liberdade chamamos de farsante, um manipulador que nos lava o cérebro e rouba a energia! 

Essa voz que nos faz idolatrar ou execrar provém da mente do voador, a mente que o obriga a ser tímido e não se atrever, para que ao final termine bailando com algum guru.

_ Você acha que não precisamos de mestres?

_ Não, não necessitamos de explicações, nem mestres. Tudo o que precisamos é de uma oportunidade e coragem. Oportunidade de conhecer os postulados dos bruxos, e coragem para deixarmos de olhar e ver, para não ficarmos atados à história pessoal e soltarmos as amarras da percepção, e assim chegar a perceber.

O mito é uma formação arquetípica que assinala uma direção

Por isso é tão estúpida a detração que alguns fazem do ensinamento do nawal. Os detratores buscam uma explicação linear, uma forma de acomodar as coisas no seu limitado inventário pessoal. E, nesse empenho, acabam com uma possibilidade infinita.

Os detratores vão atrás de uma razão, porém o ensinamento do nawal não explica nada, exige que entendamos com outras partes do nosso ser. Por isso, ele não é um mestre, no sentido convencional da palavra. Ele mesmo advertiu: “Acabaram-se os guias”.

_ Entretanto, ele era seu mestre.

_ Não é a mesma coisa um guru e um nagual. Um guru é alguém atraente, você se sente encantado de estar com ele. Ao contrário, todos nós queríamos fugir do nawal. Era muito duro! Pobrezinhos de nós!

A relação entre mestres e discípulos é reflexo da importância pessoal. Portanto, o que faz um mestre, geralmente, é sustentar essa relação, e o faz baseando-se em milagres, explicações, exigências, e sobretudo adulando a importância pessoal do discípulo.

Em compensação, o nawal o fustiga a cada momento, mas, ao mesmo tempo, o deixa livre. Cada vez que me via, Carlos fazia em pedacinhos minha importância pessoal. Este nawal me chutava o traseiro a cada trinta segundos. Por outro lado, com os gurus me sentia tão especial, pertencia ao grupo dos eleitos.

O que dói quando nos batem é a estupidez. Como sua importância vai gostar que você limpe o vínculo com o espírito se a primeira coisa que tem que fazer é descartar sua própria importância? Mas o guerreiro se regozija com isso.

Carlos me dizia o tempo todo: “Você tem que polir seu vínculo!”

Quando sai o medo e chega a clareza, morre a personalidade individualista e você compreende que não é importante, é só uma energia com uma função.

Quanto mais importante você se sente, mais se afasta de sua função real.

_ Sabe se existem outros nawais além do Castaneda?

_ Eu lhe perguntei isso em uma ocasião e me respondeu: “Sim, tem louros, altos e de olhos azuis. E a você coube um preto, feio e baixinho. Odeie-se!”

Explicou-me que houve muitos nawais na história, e não só no México. Perguntei: “E Jesus, também era nawal?” E ele respondeu: “Veja que classe de nawal ele era, que a partir dele se conta o tempo!”

Deu-me exemplos sobre a atividade dos nawais conhecidos e desconhecidos no desenvolvimento da sociedade humana.

_ Qual é a sua impressão pessoal sobre Carlos Castaneda? Era um homem de poder ou uma pessoa comum e corrente?

_ Fazia manipulações na nossa energia, movia nosso ponto de encaixe. Moveu meu ponto de encaixe em várias ocasiões e, para mim, essa é a prova do seu poder pessoal. Mas o que mais lhe agradeço é ter-me dado uma direção. Carlos era contra os milagres. Fazer milagres teria sido corroborar nossas crenças e converter-nos em entidades dogmáticas de um novo ensinamento.

Pelo contrário, fustigava nossos estereótipos mentais para pôr abaixo todas as crenças, para nos desestruturar, e nunca se aproveitava desse vazio para nos impor sua interpretação do mundo. Enfatizava que buscássemos nossa própria visão. Disse mil vezes: “Não acreditem em mim! Façam, comprovem! Tudo o que eu lhes digo é para convidá-los à ação, para que confirmem algumas das propostas dos bruxos através da experiência.”

Em uma ocasião, ao observar a forma como a maioria dos seus seguidores acolhia seus ensinamentos, comentei: “Nawal, isso está se tornando a Santa Igreja Castanedense.” Fez um gesto de desgosto e respondeu: “Todos os ‘ismos’ são iguais e vêm da mente do voador. Não sejam tão idiotas de converter um ensinamento que lhes propõe a liberdade em um dogma a mais!”

_ Quer dizer que as propostas de Castaneda só devem ser tomadas com um sentido prático?

_ Exatamente!

As propostas do nawal só devem ser tomadas em um sentido prático; no entanto, somos compelidos a interpretar, não podemos evitá-lo. A questão é não tomarmos nossas leituras como dogmas, e sim como unidades operacionais que nos orientam para a verificação.

Recordo que uma vez estivemos falando sobre a forma como a interpretação se cola em tudo que fazemos. Perguntei por que levamos essa imposição social a momentos tão íntimos quanto o sonho ou a viagem com plantas de poder.

Respondeu: “Isso é porque é uma ordem da Águia que transmitamos nossas experiências. Para transmitir temos que interpretar, senão vem abaixo todo o sistema de ensinamentos. Não veja isso como uma maldição. A interpretação é uma dádiva para interagirmos e nos comunicarmos. Mas temos que perceber que, acima de nossa interpretação, está nossa capacidade de escolher, escolher acreditar para em seguida verificar. Esses são os dois passos: primeiro, um ato de vontade, seguido de uma corroboração experimental. E se ainda lhe restarem forças para intentar o caminho dos bruxos, então se deixe ir no que escolheu acreditar, em um ato de loucura controlada.”

_ O que é a loucura controlada?

_ É a liberação de nossas percepções. Uma coisa é acreditar impulsionado pelo temor, sugestão ou esperança, outra é escolher sua crença, de um modo livre e soberano.

A diferença entre o ensinamento do nawal e os dogmas que as religiões nos impõem é que ele o dirigia todo ao objetivo de sermos livres. Ao referir-se ao modo como os pastores conduzem seus rebanhos para objetivos muito distantes do nosso verdadeiro destino, dizia: “Estes fdp nos apresentaram um deus derrotado!

O que ele fez realmente por mim foi me dar a opção da liberdade, dizer-me que isso é possível, que não tinha que me contentar com os contos escravizantes que me fizeram a vida toda. Ele me mostrou que a liberdade é literal, um estado de ser, um ato de vontade definitivo.

Dizia, quando falávamos do céu: “Não quero ser livre amanhã, quero aqui e agora.”

_ Como podemos alcançar a liberdade?

_ Sacrificando as cadeias que nos atam às coisas: os apegos, os medos, a importância e a história pessoal, o desejo de reconhecimento, tudo isso.

Somos livres por natureza: assim que descartamos as imposições, recuperamos nossa liberdade.

No caso de Carlos, ele teve que aprender a se fazer invisível. Dona Florinda – a velha – lhe deu uma ordem direta: disse-lhe que tinha que passar desapercebido, pois o sucesso de seus livros o estava colocando em uma situação comprometedora (o sucesso tira a liberdade, pois põe a pessoa na mira para que todos atirem: por isso um nawal precisa ser invisível).

Então ele adotou o nome de Joe Cortez e foi trabalhar em um restaurante como cozinheiro especialista em fazer ovos. Ali ocorreu uma história que revela sua verdadeira personalidade.

Uma garçonete que lá trabalhava era fanática por Castaneda e morria de vontade de conhecê-lo. Um dia ela chegou muito emocionada, dizendo que lhe haviam informado que Castaneda ia passar por ali e teriam oportunidade de conhecê-lo. Era um segredo, porém o boato havia corrido.

De repente passou uma limusine com um tipo louro de olhos claros que dava cursos sobre nawalismo e usurpava a personalidade de Carlos. Ela gritou: - “Olha, é Castaneda!” - e saiu correndo até o carro. Mas o sujeito nem a olhou, desprezou-a. A moça voltou chorando para junto de Joe Cortez, que a abraçou e consolou: “Fique calma, não se preocupe. É que essa gente famosa nem liga para nós, os pobres.”

Essa moça nunca soube que Joe era o verdadeiro Castaneda.

_ Como Carlos reagiu ao fenômeno de seus duplos?

_ Ele nunca se importou que outros o suplantassem. Ria muitíssimo com isso. Estávamos jantando com Florinda Donner e comentei que havia gente verdadeiramente gananciosa e Florinda disse a ele que não o permitisse. Foi quando ele trouxe a público um artigo no qual advertia contra aqueles que usurpavam sua personalidade para ganhar dinheiro.

Numa ocasião em que estava com seu editor, de repente lhes avisam: “Chegou o Sr. Castaneda.” O editor lhe disse: “Carlos, não diga nada, vamos ver quem é.” Ele respondeu: “Ok, vou cuidar das suas plantas e, enquanto isso, você o recebe.”

Assim foi. Entrou o suposto Castaneda, que era um tipo alto, bonito e bem vestido, e se apresentou: “Prazer, sou o doutor Carlos Castaneda.” Logo perguntou, referindo-se a Carlos, que continuava trabalhando a um canto: “E este, quem é?” O editor respondeu: “Não se preocupe, é meu jardineiro. Por certo, é um grande fanático pelos seus livros, vai ser uma honra para ele ser apresentado ao senhor.”

E, virando-se para Carlos, gritou: “Olha, Joe, lhe apresento o doutor Castaneda!”

Ao escutar isso, Carlos se levantou das flores, lavou as mãos e foi correndo conhecer seu duplo. Deu-lhe a mão e disse: “Muito prazer, senhor Castaneda, sou seu admirador.”

O outro interrompeu: “Senhor, não: doutor Castaneda, doutor em antropologia.”

Carlos respondeu: “O senhor me desculpe, doutor, é que estou muito emocionado.”

“Me disseram que é fanático pelos meus livros, você leu todos?”

“Sim, alguns.”

“E compreendeu?”

“Ah doutor, bem mesmo não entendi, mas gosto muito como o senhor escreve.”

Depois que o indivíduo se foi, Carlos e seu editor se atiraram ao chão de tanto rir. Quando se recordava do fato, dizia: “Pregamos uma peça no doutor Castaneda!”

_ Você esteve entre os fundadores da Casa Amatlán. Pode nos falar sobre essa experiência?

_ Sim. Em 1992 abrimos a Casa Amatlán junto com outros companheiros que formavam parte do círculo de conhecidos, a fim de propiciar ao nawal um espaço para dar suas conferências. Foi uma experiência única para mim.

Supunha-se que a casa estava sob a condução de Carlos Hidalgo. Mas um dia o nawal me chamou e disse: “Você que tem que abrir a casa, pois Carlitos não vai fazer nada.”

Eu tomei literalmente sua recomendação e em um desses ímpetos de auto-suficiência abri a Casa Amatlán. Quase me mataram a importância pessoal e a prepotência.

O edifício estava em más condições, tivemos que repará-lo e pintá-lo com as mãos. O nawal queria provar-nos. Chamou-me e deu-me suas recomendações: “Sua tarefa é fazer o que menos goste na vida.”

Como o que eu menos gosto é cozinhar, pus um restaurante no andar térreo da casa.

_ E o que faziam nesse lugar?

_ A princípio nos dedicávamos a fazer exercícios elaborados por Carlos para romper nossa importância pessoal. Também convidei diversos amigos que eram conferencistas conhecidos. Ali se passaram coisas estranhas. Lembro que uma sexta veio um amigo chamado Miguel e nos contou a lenda das “Filhas da Grande Flauta”. O nawal costumava nos chamar de filhas da grande flauta mas, como não conhecíamos a história, não sabíamos se estava nos ofendendo ou elogiando. Então pedimos a Miguel, que sabia dessas coisas, que nos contasse a história.

Ele disse que na cadeia montanhosa dos Bacatetes vivem uns seres chamados Surem, e com eles umas entidades femininas que estavam pelos quatro pontos cardeais. Acrescentou: “Conta a lenda que quando a grande flauta fala, a terra treme.”

No momento em que Miguel disse isso, a terra tremeu. Ficamos pasmos.

Ele nos perguntou: “Por que me olham com essa cara de estúpidos?”

Não sabíamos se o terremoto havia sido real ou produto da sugestão. Então ligamos o rádio e escutamos que acabava de haver um tremor de terra com epicentro no estado de Guerrero.

Foi extraordinário. Cada palavra que disse Miguel sobre os Bacatetes, os Surem e as Filhas da Grande Flauta se ia manifestando fisicamente naquela sexta lendária. Éramos vinte pessoas vivendo a experiência. Não foi algo mental.

_ Pode contar-nos mais sobre os Surem?

_ Se lhe conto o que vi, vou parecer demente. Só posso lhe dizer que o mundo está cheio de mistérios. Sei com certeza absoluta que há forças no universo que não são humanas e têm consciência própria.

_ Essas forças podem nos ajudar em nossa evolução pessoal?

_ Algumas estão a favor do espírito humano e outras estão contra. Porém, falar delas como boas ou más não reflete sua verdadeira natureza. Não tenho idéia de como chamá-las. A única maneira que poderia descrevê-las é como ausência de luz, como buracos negros. Um buraco negro não é bom nem mau, é de sua natureza capturar a energia.

Podem nos dar um poderoso empurrão, mas, se nos aproximamos demais, então sua existência vai contra nossos interesses como entidades humanas. Por isso interagir com esse mundo é tão perigoso. O nawal o descrevia de uma forma muito especial: “Somos um galinheiro cósmico no qual outras energias predatórias se alimentam de nós. Por que em um universo predatório seríamos nós a exceção?”

Nós seres humanos nos cremos tão importantes que pensamos estar por cima de tudo. Essa é a arrogância que nos induz a ver as coisas através do filtro racional. Para Carlos, o único modo de lidar com essas forças é como guerreiro. Dizia: 

“É muito fácil ir ao reino inorgânico. O difícil é envolver-se em uma guerra eterna neste universo predatório. 
Se algum dia tiver que ir com eles, vão ter que lutar pela minha consciência.”

_ Quer dizer que o objetivo dos naguais é uma guerra eterna?

_ Definitivamente. No caminho do guerreiro não há descanso, porque não há nada no qual fixar-se. Carlos dizia: “O universo está em constante movimento, porque eu vou estar fixo?”

Em uma ocasião, Eddy e Matias fizeram um plano para comprar um rancho e retirar-se do meio social. Insistiam que se tinha que estar próximo à natureza para calar a mente. Ao saber disso, perguntei ao nawal: “Vejo seus fanáticos retirarem-se do mundo. É necessário isso para se tornar um guerreiro?”

Respondeu-me: “Não. Um guerreiro está onde está o campo de batalha.”

_ Pode nos dizer qual é, em sua opinião, a essência da mensagem de Carlos?

_ A essência da mensagem de Carlos era economizar energia. Quando os níveis de energia sobem, você sabe sem necessidade de palavras. Seu corpo vibra e seu ponto de encaixe se desloca. Isso é entrar no consenso dos bruxos.

Para economizar energia, antes de tudo temos que saber o que é a energia, e isso se consegue economizando-a, e não intelectualizando a respeito. Por isso que é um assunto prático.

Começa-se pouco a pouco, estudando os aspectos de nossa personalidade que mais nos afetam, como as crenças que temos, a importância que nos damos, a imagem que aparentamos ante os outros e a conduta sexual. Depois, começamos a mudar os hábitos, substituímos coisas que nos esgotam por outras que nos renovam. É uma redistribuição consciente dos elementos do nosso tonal.

_ Como Carlos enfocava a questão sexual?

_ Esse é um tema muito difícil de explicar com palavras, porque todo mundo tem idéias muito definidas e quase sempre errôneas sobre o que é a sexualidade e sobre o modo como influi em nossos níveis energéticos.

Em uma ocasião, Carlos nos explicou que a vida sexual de um guerreiro não tem parâmetros rígidos, tudo depende da quantidade de energia que a pessoa tem. Comentou: “Quando falo de sexualidade, todo mundo acha que estou dizendo que não transem. Não falo disso!”, disse, com fúria, “Vocês estão tão fixos em suas rotinas que não querem me ouvir, ouvem o que querem. O que eu digo é: homens, deixem de machismo! Mulheres, deixem de sustentar o mundo do macho! Porque vocês o sustentam, é uma cumplicidade doentia.”

Explicou que a sexualidade tem muitos níveis, e que sua expressão máxima entre os seres humanos é o manejo da energia sexual para o sonho, que é o que caracteriza os bruxos. Deu o exemplo do homem e da mulher nawal, uma parceria que produz harmonia, e, em lugar de entregar-se aos desgastes emocionais que gera o intercâmbio sexual, confabulam para a liberdade. “Já que somos cúmplices na destruição de nossa energia, por que não nos fazemos cúmplices em sua criação e evolução?”

_ Como podemos redistribuir os elementos de nossa personalidade?

_ O único modo de manejar seus elementos é conhecendo-se a si mesmo. Para isso existe uma técnica infalível, e Carlos nos explicou muitas vezes: a recapitulação.

_ Você se refere a recordar nosso passado?

_ Não, recapitular não é deleitar-se em lembrar o que lhe ocorreu, e sim tentar decifrá-lo, encontrar as chaves, para que possa aplicar sua atenção nos pontos onde se fixaram seus hábitos e rotinas. O intento inicial desse exercício é recolher o que lhe corresponde e entregar o que não é seu, ver o que fez com o seu capital energético.

A palavra “capitular” significa ceder uma praça, perder um espaço na guerra. Por isso, recapitular é saber quantas vezes seu ser real cedeu ao domínio da sua domesticidade, quantas vezes você capitulou, se auto-derrotou, onde deixou sua energia, em que eventos, intercâmbios, emocionalidades, compromissos, saber em que se envolve, como cede seu potencial à modalidade da sua época.

A recapitulação é uma técnica tão efetiva quanto dura. Carlos Hidalgo nos contava que havia estado recapitulando e sua vida tinha sido magnífica, uma maravilha.

O nawal lhe respondia: “Você não está recapitulando, está recordando sua vida. Isso não é recapitulação.”

Ninguém desfruta de uma verdadeira recapitulação, porque dói quando vemos as entidades mecânicas e repetitivas em que nos converteram, quando detectamos o animal doméstico que temos dentro. Ninguém se regozija de sua domesticação.

Eu vomitava cada vez que recapitulava. Contei a Carlos: “Nawal, recapitulo e me dá nojo ver plasmada minha estupidez.” Disse-me que isso também acontecia com ele.

_ Qual é o resultado desse exercício?

_ A recapitulação o conecta com a consciência cósmica. Quando recapitula, o que você faz é juntar suficiente energia para poder estar nesse sonho que temos na Terra, e também nesse outro que temos aí, no desconhecido. Se você faz uma leitura intelectual do recapitulado, pode sentir que tudo ocorreu no decorrer do tempo, mas isso é uma reinterpretação. Na realidade, tudo sucede aqui e agora.

Os bruxos sabem que, se abstraímos o tempo da memória, o que sobra é consciência pura. É por isso que a recapitulação se torna uma necessidade imperiosa e um vício para o guerreiro.

A consciência é o veículo universal e a recapitulação uma técnica para ter acesso a ela. Por isso a recapitulação vai muito além de nossa existência pessoal, além dessa vida. É algo que não termina nunca, chega a tudo, depende de quão profundamente você pode mover seu ponto de encaixe. Pode ver o que se passa nesses mundos simultâneos de energia.

Do ponto de vista do indivíduo, recapitular é recordar; mas, como entidades cósmicas, sabemos que é consciência pura e total. Cada movimento do ponto de encaixe o conecta com uma linha, um sulco diferente do tempo, e podemos viajar por aí, se sabemos como conservar o sentido de ser. Por isso o nawal dizia que uma das bruxas tinha seiscentos sonhos. É que ela podia mudar de um mundo a outro, viver intensidades correspondentes a muitos séculos de tempo linear. Ele chamava a esse feito a audácia final, o salto da consciência.

_ Você se refere a que essa bruxa podia reencarnar conscientemente?

_ Não, não tem nada a ver com isso. A ansiedade do ser humano por continuar consciente, unida ao temor de perder os limites da personalidade, nos faz elaborar teorias estranhas, crenças numa sobrevivência linear. É como um cachorro sobre um barril que flutua na água, dando voltas sem parar, mas sem sair de sua situação. O quê, isso é a reencarnação?

Tantos mundos, tantas galáxias, consciências por todo lado, seres orgânicos e inorgânicos por onde queira, que nem imagina... e o cachorro babaca agarrado ao seu barril em um mundinho chamado Terra! Essas crenças repetitivas são reflexo das vidas aborrecidas que levamos. E aí vem o ser humano fazer as mesmas idiotices uma e outra vez, e, ainda por cima, sem se lembrar! Volta à modalidade da época, a viver sistemas.

Olhe onde chega a fixação, que os egípcios mumificavam seus mortos com o intuito de mantê-los atados a este mundo.

_ Se não é através da reencarnação, então como explica que podemos passar de uma existência individual a outra?

_ Isso não é para se explicar, tem que ser vivido. Eu me dei conta disso antes de conhecer Carlos. Uma noite tive um sonho longuíssimo. Amanheceu e disse a mim mesma: “Essa merda não existe! A porra da reencarnação não existe! Existem vidas simultâneas!”

Não tinha a menor idéia de como explicar isso, até que chega o nawal e começa a me dar as peças do quebra-cabeças.

Um dia, tentando explicar a uma amiga o que eram as vidas simultâneas, conto que é como se a consciência fosse uma só, e a própria consciência como um polvo que tivesse muitos braços.

Cada braço é um sonho, e o guerreiro pode se meter em qualquer dos sonhos através da matriz que lhe permite conectar-se com todos.

Quando recapitula, junta energia suficiente para estar neste sonho ou neste outro, aqui e ali. Tudo acontece aqui e agora, porém, se você faz uma leitura intelectual, pode sentir que aconteceu no passado. Reinterpreta o fato e a reinterpretação dá forma a sua energia.

Você vê o que se passa nesses mundos simultâneos de energia.

É como se a consciência cósmica quisesse viver experiências diferentes simultâneas. Quando um dos braços percebe a existência dos outros, se acendem as fibras luminosas e você salta à terceira atenção. Volta a ser o que era, um navegante do infinito.

Se você abstrai o tempo da memória, sobra a consciência pura.

Estive recapitulando muito quando tive a perna fraturada. Não tinha outra coisa para fazer. De repente, estou sentada na minha cama, durmo, entro em um sonho e me vejo parada em uma esquina de uma cidade antiga que acredito ser Paris, com um carrinho de mercado desses europeus, que têm lona por trás.

Fico em pé, e tenho consciência de estar dormindo no México, e a que lá está também tem consciência de estar segurando o carrinho.

Há uma brutal dissonância cognitiva em ambos os lados, e sei com certeza que minha consciência pode despertar aqui ou ali: agarrando o carrinho nessa esquina, ou deitada em minha cama no México.

Sem saber o que ia ocorrer depois, olho ao redor e decido acordar no México. Abro os olhos e digo: “Merda!” O regresso à cama foi como um golpe.

Pois bem, este ano fui a Graz, Áustria. Uma amiga me pede que a acompanhe a dar uma terapia, entro na casa e começo a sentir uma opressão no peito, uma nostalgia e vontade de chorar espantosas. Começo a buscar referências do que me cria essa nostalgia, se as escadarias recordam minha infância, ou se algo tem a ver com meu passado. Não encontro nenhuma associação com esse sentimento, não havia mais que uma sensação de saudade espantosa.

Ela faz o trabalho e eu entro em meditação, e de repente ela termina o trabalho e lhe digo: “Vem comigo olhar pela janela, por favor, porque se vejo a esquina onde trazia meu carrinho de compras pela mão, me cago aí mesmo!”

Abro a janela e lá está a esquina. Tremendo, digo a ela: “E agora lhe digo, se a meia quadra daqui houver uma loja de produtos naturais, me cago em dobro!”

Descemos, paro na esquina e meu coração começa a bater selvagemente. Olho e lá está a loja de produtos naturais. Começo a fixar asfixiada. É que não se encaixava com aquela realidade. Tinha a vivência de estar em dois lados, e como sou uma cética, minha mente se rebelava contra o que eu experimentava.

Fui com ela e lhe disse: “Peço-lhe um favor, estou a ponto de enfartar, meu ponto de encaixe está sabe-se lá onde. Dê-me um tempo para saber onde estou, em que sonho estou. Deixa eu relaxar, respirar profundamente, tocar bem o solo de Graz, a chuva, definir quem sou aqui e agora.”

Já que consegui recolher minhas fibras de energias outra vez, me senti em minha realidade de sempre e recuperei o equilíbrio que me caracteriza.

Isso para mim é uma comprovação. Não me venham contar teorias nawalescas; eu as vivi na carne. Se não comprovo, não falo.

Moral da história, quem passar por isso tente controlar o medo que causa esse tipo de experiência. Entendam que é parte do mistério do ser humano. O ser humano é um mistério ainda por desvendar; se aceitamos a domesticação até na parte mais abstrata, que é a energética, nos ferramos!

Dêem-se a oportunidade de viver a experiência como parte do mistério da espécie! Não é loucura, é uma característica da nossa existência.

Não se assustar, observar, não tentar racionalizar, fluir com a experiência, tomar medidas elementares, como respirar, aprender a se acalmar, jogar água fria na cabeça, se for necessário. Foi isso que fiz: fiquei na chuva.

Voar é uma capacidade inerente ao ser humano. Uma vez disse Carlos: “O corpo humano é uma nave intergalática.”

A emoção desorganiza a energia, a sobriedade do guerreiro controla a situação. Dê-se uma fração de segundo para tornar a se situar, flua na experiência, se recoloque e diga: “Stop, estou aqui e agora, esta consciência está trabalhando aqui e agora!” Assumir o movimento e a fixação do ponto de encaixe, aprender a aceitar.

O espírito ajuda a idiotas como eu, não posso dizer outra coisa.

_ Como podemos desenvolver essas potencialidades de nossa percepção?

_ Adotando estratégias do caminho do guerreiro. Pode começar fazendo-se consciente de sua história nesse mundo, o que o leva a economizar sua energia, o que por sua vez o lança nos caminhos da consciência impessoal.

Um dos resultados mais emocionantes dessa aventura é que descobrimos que não somos lineares, somos cíclicos.

Em uma ocasião o nawal nos perguntou: “Por que vocês acham que a cultura do México antigo deixou todo seu conhecimento em algo indestrutível, a pedra? As posições do ponto de encaixe são mensagens dos bruxos antigos para si mesmos, mensagens para o futuro, para poder recordar.”

É como deixar para si mesmo uma contra-senha, sua peça particular do quebra-cabeças. Por isso ele associava certas estátuas do México com algumas das pessoas que o rodeavam. Entretanto, ele esclareceu que não devíamos confundir isso com reencarnações.

_ O que você pode dizer sobre a morte de Carlos?

_ O nawal morreu. Partiu para a segunda atenção com toda a sua consciência, porém seu corpo ficou na terra. Fui testemunha de como sua entidade física envelheceu rapidamente, e também de como fez brincadeiras com a idade.

Uma das últimas vezes que o vi, foi em um museu no sul da Cidade do México. Emprestaram-nos um auditório para que desse sua conferência e se reuniram umas duzentas pessoas. Porém Carlos não chegava. Conforme foi passando o tempo, o auditório foi esvaziando, até que no final sobraram oito ou dez gatos pingados. Finalmente, nos expulsaram da sala grande e tivemos que esperá-lo em um salão congelado, com um frio espantoso.

Quando já se haviam passado três horas, os que ficamos pensamos que o encontro era só uma brincadeira de Carlos. Então decidimos ir pecar, ou seja, comer churros com chocolate. E, no momento em que saíamos, apareceu o nawal! Ele fazia sempre essas coisas, para determinar quem realmente tinha que ficar. Vinha com alguém que pouca gente conheceu: o Explorador Negro, a filha de Taisha Abelar.

Assim que o vi, meu coração se oprimiu, e disse a mim mesma: “Meu nawal está morrendo.” Seu rosto estava pálido, seu corpo estava tão deteriorado que era óbvio que não aguentava mais. Fui tomada de uma nostalgia indescritível, era a certeza absoluta de que o nawal estava indo. Nós o cumprimentamos e regressamos ao pequeno compartimento que nos haviam deixado. Ele deu uma conferência muito triste. Ao sair, disse-lhe: “Nawal, já tem um carro novo.” É que eu acabava de comprar um carro. Respondeu: “Quero que amanhã me leve a Tula.”

Na manhã seguinte fui a seu hotel para organizar a ida, e ele me disse: “Organize uma conferência para esta noite.” Minha mente linear perguntou: “Como vou organizar uma reunião para esta noite se ao mesmo tempo estou com ele em Tula?” Mas eu mesma me respondi: “O espírito se encarregará, só necessito de um telefone e vinte minutos.”

Subimos ao seu quarto; comigo iam o nawal, o Explorador Negro e Kylie. De seu quarto fiz várias chamadas, entre outras, a Toni Karam, para que nos emprestasse o espaço para a conferência. Depois fomos jantar em um restaurante próximo e finalmente partimos para Tula.

Segundo Carlos, esta cidade foi criada pelos antigos no sonho. Ele nos levou para ver se captávamos na abstração de Tula o que denominava a façanha final dos guerreiros toltecas, que era se transformar em serpentes emplumadas. Disse-nos exatamente o que se passava com o guerreiro, levou-nos a uma parte da cidade e nos mostrou o lugar onde os antigos intentavam a audácia final, que era burlar a morte de forma definitiva.

À noite regressamos à Cidade do México. Fui para a Casa Tibet ver quanta gente estava reunida. Tremia de medo, porque sabia que, se Carlos nos dava uma tarefa e esta não era cumprida, era uma mancha indelével. A expressão que usávamos era que subiam e baixavam nossos bônus com o nawal. Mas quando cheguei, fiquei impressionada: havia 150 pessoas! Fiquei doida. Foram cinco ligações, e umas pessoas trouxeram as outras, e subiram meus bônus temporariamente.

Carlos chegou e pediu que o ajudassem a descer do carro e o guiassem, porque não estava enxergando bem. Todos notamos que estava muito velhinho, com seu cabelo branco e sua pele pálida. Parecia um homem de 80 anos maltratados.

Nessa conferência atacou os gurus. Durante quatro horas nos falou sobre a egomania dos que se pretendem mestres, o cuidado que devíamos ter ao lidar com eles e os perigos de nos tornarmos um deles.

Também falou do compromisso dos guerreiros e de nos fazermos acessíveis aos comandos do espírito.

Enquanto falava, aconteceu algo extraordinário: começou a ganhar energia, e, diante dos 150 espectadores, rejuvenesceu paulatinamente. A pele foi ficando morena, os olhos brilhantes e a voz forte de um jovem. Foi impactante, um deslocamento do ponto de encaixe.

Ao terminar, me acerquei dele e disse: “Nagual, você entrou com 80 e saiu com 35!” Ele me respondeu: “Você notou? E ainda me falta conseguir que o cabelo se torne preto!”

_ Como você percebe a evolução do nawalismo, cinco anos depois da morte de Carlos?

_ Ele levou em conta a continuação de sua obra. Para esse fim, deixou diversas empresas. Uma delas é a Cleargreen, que tem funcionado muito bem na divulgação da Tensegridade. Cleargreen representa o nawal e a Tensegridade, que, mesmo sendo um aspecto importante do caminho, não é o único.

A tarefa de Carlos vai muito além e depende em grande parte do que façamos conosco como guerreiros. Estamos obrigados a seguir as pegadas abstratas do nawal para pedir sua anuência. Só assim nosso trabalho dará frutos.

Na última vez que o vi, ele se referiu veladamente a esse objetivo final. Havia me chamado para despedir-se, ao vê-lo, senti a enormidade do que ele havia feito por mim e lhe disse: “Obrigada, nawal, não sei como lhe pagar o que me deu.” Respondeu: “Sim, sabe...”

Naquele momento não entendi. Custou-me muito trabalho chegar a saber como poderia pagar-lhe. Mas agora compreendo: o pagamento é ser livre, faça-se livre! A melhor forma de continuar o trabalho de Carlos, e de retribuir tudo o que ele nos deu, é compartilhar com os outros sua mensagem de que podemos ser livres.

[1] Tradução: Adriana Northrup

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