terça-feira, 26 de dezembro de 2023

Por que vivemos numa sociedade de idiotas? Escuta, Zé Ninguém! Por John Nada.

"Tomei a resolução de fazer a minha tarefa resoluta e honestamente. Deve ser duro e difícil viver no mundo. Em primeiro lugar, resolvi ser cortês e sincero como todo o mundo. “Ninguém deve esperar mais do que isso, de mim. Talvez aqui também me olhem como uma criança; não faz mal.” Todo o mundo me toma por um idiota e isso também pela mesma
razão. Outrora estive tão doente que realmente parecia um idiota. Mas posso eu ser idiota, agora, se me sinto apto a ver, por mim próprio, que todo o mundo me toma por um idiota? Quando cheguei, pensei: “Bem sei que
me tomam por um idiota; todavia tenho discernimento e eles não se dão conta disso!…” - O Idiota, de Dostoievski.

Não, não quero ofender a ninguém, até pelo fato mesmo de me incluir em tal condição como participante de tal sociedade.

E como idiota que sou recorro ao dicionário, o pai dos burros, para descobrir-me, para revelar-me, para entender a minha origem e vejo que idiota vem do grego idios, que significa pessoal, privado, particular, como em idiossincrasia, a maneira própria de uma pessoa reagir a um evento qualquer.

Assim idiota não tem nada de mais, não é ofensivo, é até comum, comum a todos, é um comunismo comportamental a idiotia. E talvez seja aí que a porca torce o rabo, e talvez esteja justamente aí o problema, afinal, quem quer ser comum, quem quer ser medíocre, mediano, morno, aquele que não fede e nem cheira? Ninguém. Ninguém quer ser ninguém. Todos querem ser algo nesta vida de meu Deus (em grego Dios, curioso não?).

Assim a palavra idiota vai do particular - idios - ao comum - medíocre. E isso é uma evolução no entendimento da palavra, o que nos mostra uma aparente contradição, algo próprio dos idiotas.

E é comum a todos nós aquele desejo de se destacar, aparecer, ter aqueles 15 minutos de fama, todos querem ser reconhecidos, o zé ninguém (de Wilhem Reich ou ainda o John Nada, de Eles Vivem) quer ser algo, e para tal é necessário que o idiota, seguindo aquilo que é valorizado pela sociedade (de idiotas), adquira certos bens, obtenha certas coisas ou manifeste determinados valores ou atitudes. Ou seja, o idiota quer ser valorizado pela sociedade de idiotas e aí está o paradoxo. O idiota quer ser um idiota especialmente valorizado pelos outros idiotas, quer ser popular, quer ser eleito, quer se reverenciado, quer chamar a atenção a todo custo, mesmo que isso custe a sua vida ou a sua liberdade.

Eis uma das marcas distintivas do idiota, querer ser especialmente reconhecido como tal pela sociedade: reconhecimento social. 

Por isso as redes sociais se tornaram o espaço de predileção para tal tipo de manifestação, que abunda como erva daninha a esparramar-se por todo o canto. Todos dias nos jornais, nas redes, nas mídias vemos flagrantes disso. Alguns escabrosos. Como o que vi hoje: um jovem que assaltava apartamentos de luxo no litoral paulista e que ao fazê-lo tirava selfies de si mesmo, ostentando os produtos de seu roubo, enquanto era filmado pelas câmeras de segurança. Verdadeiro narciso larápio, adorador de si, mais preocupado em aparecer do que em furtar, um autêntico meliante carente, inclusive de inteligência.

Não há como não nos ver em tal marginal, nesta sociedade nos espelhamos, difícil é ver-se no outro, já que a revelação beira ao grotesco e auto-revelação pode ser chocante, pois tudo o que se quer, tudo o que um idiota deseja é roubar a atenção de alguém, alguns likes, alguns cliques para poder dizer a si próprio: sou reconhecido, logo existo. 

Vultus ergo sum.  

O idiota, sobretudo, não percebe que a única forma real de valorizar-se é deixando de ser o que é, mas o preço a se pagar é alto demais, é como naquela história que vi certa vez no filme Serpico (1973), com Al Pacino, um filme que fala de um policial honesto que trabalhava disfarçado para departamento de entorpecentes em NY. A namorada de Serpico deitada na cama contou uma lenda que resumia a história do próprio Serpico:

"Certa vez um homem santo recebeu uma revelação de um anjo que o Diabo iria envenenar todas as águas do mundo de uma tal maneira que os humanos se esqueceriam de quem eram. O homem santo fez uma reserva de água para si mesmo e evitou beber das águas do mundo dali por diante. Com o esquecimento generalizado o homem santo tentou revelar aos outros humanos quem eles eram de fato, mas acabou sendo perseguido como louco, afinal, só ele afirmava aquele absurdo de que os humanos estavam alienados de si mesmos. Perseguido e a beira de ser assassinado o homem santo disse para a multidão que o acossava: - Esperem! Eu sei como me curar! - E bebeu das águas do mundo".

Eis a história do "novo normal".

Das águas do mundo quase todos acabam por beber, mas se não queres fazê-lo evita de querer fazer como o homem santo, segue por outro caminho, "o caminho do homem astuto", como diria Gurdjieff, uma das possibilidades, dizem, de deixar de ser um idiota. Algo muito difícil, mas não tanto quanto fazer parte da sociedade da idiotia. Mas, talvez, pior ainda é ficar no meio do caminho, num limbo, onde não se é nem uma coisa e nem outra.



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