Certas verdades, devido as suas implicações existenciais, filosóficas, culturais, religiosas e sociais, só podem ser ditas pela ficção e através dela nós vislumbramos o real, porque o que chamam de realidade é um espetáculo, um show de horrores, não um sonho, mas um pesadelo do qual só se pode acordar, despertar, escapar, transcender. Os donos do mundo, aqueles que pretendem ser deuses, sabem que mais cedo ou mais tarde a casa vai cair, em cima deles.
Da série Westworld.
Quando alguém descobre uma verdade o primeiro impulso é querer revelar essa verdade para o outro.
Mas o outro, via de regra, não poderá percebê-la por diversos motivos.
Um desses motivos é a vaidade. Ninguém em geral aprecia ser sobrepujado intelectualmente ou de outra forma. Entra aí a vaidade.
Então temos em jogo duas vaidades, em verdade.
Quem descobriu uma verdade quer fazer brilhar a sua descoberta e quem não a percebeu não quer admitir que não a percebeu.
Surgem questionamentos, críticas, dúvidas.
E elas são legítimas até certo ponto.
Que ponto é esse?
O outro deve se abrir à descoberta, à aventura do conhecimento, deve permitir-se e ir além do mero questionamento, deve entrar no campo da prova e do experimento.
Eis a ciência.
Mas a ciência é feita de homens e homens são feitos de ego.
E esse é outro ponto, em realidade um nó a ser desatado.
Quem descobre uma verdade não pode ignorar a verdade do ego, do próprio e do alheio.
Então quem desperta para uma verdade deve estar também desperto para a verdade do próprio ego.
Porque, em geral, não é por compaixão que queremos revelar as nossas verdades, mas por vaidade.
Por vaidade e por medo, medo de ficarmos sós com as nossas verdades. Medo da solidão do próprio conhecimento.
Pois a verdade, em qualquer ramo do conhecimento sempre bastou a si mesma, mas o ego em sua infinita carência sempre busca o reconhecimento e essa busca é a base de seu sofrimento.
A verdade é terra sem dono, existe por si, pertence à todos, mas nunca a ninguém. Pode ter sida descoberta muitas vezes antes de nós e nunca compreendida.
Os descobridores vagam solitários no campo da verdade, exilados da ignorância dominante, mas é melhor tal exílio do que a integração na terra do senso comum.
Uma verdade descoberta precisa envolver-se na auto-descoberta.
Uma verdade externa precisa estar amparada numa verdade interna.
A luz da descoberta não pode ser ofuscada pelo brilho da vaidade, seja ela própria ou alheia.
Mas isso acaba por acontecer de tal maneira que o óbvio não é percebido e o caminho da conhecimento tornou-se um caminho de artimanhas.
A verdade teve que usar da fábula para que a sua nudez não incomodasse os homens.
DR
Uma fábula sobre a fábula (Lenda Oriental)
Allahur Akbar! Allahur Akbar! (Deus é grande! Deus é grande!).
Quando Deus criou a mulher criou também a fantasia. Um dia a Verdade resolveu visitar um grande palácio. E havia de ser o próprio palácio em que morava o sultão Harun Al-Raschid.
Envolta em lindas formas num véu claro e transparente, foi ela bater à porta do rico palácio em que vivia o glorioso senhor das terras mulçumanas. Ao ver aquela formosa mulher, quase nua, o chefe dos guardas perguntou-lhe:
- Quem és?
- Sou a Verdade! - respondeu ela, com voz firme. - Quero falar ao vosso amo e senhor, o sultão Harun Al-Raschid, o Cheique do Islã! O chefe dos guardas, zeloso da segurança do palácio, apressou-se em levar a nova ao grão-vizir:
- Senhor, - disse, inclinando-se humilde, - uma mulher desconhecida, quase nua, quer falar ao nosso soberano, o sultão Harun Al-Raschid, Príncipe dos Crentes.- Como se chama?
- Chama-se a Verdade!
- A Verdade! - exclamou o grão-vizir, subitamente assaltado de grande espanto. - A Verdade quer penetrar neste palácio! Não! Nunca! Que seria de mim, que seria de todos nós, se a Verdade aqui entrasse? A perdição, a desgraça nossa! Dize-lhe que uma mulher nua, despudorada, não entra aqui!
Voltou o chefe dos guardas com o recado do grão-vizir e disse à Verdade:
- Não podes entrar, minha filha. A tua nudez iria ofender o nosso Califa. Com esses ares impúdicos não poderás ir à presença do Príncipe dos Crentes, o nosso glorioso sultão Harun Al-Raschid. Volta, pois, pelos caminhos de Allah! Vendo que não conseguiria realizar o seu intento, ficou muito triste a Verdade, e afastou-se lentamente do grande palácio do magnânimo sultão Harun Al-Raschid, cujas portas se lhe fecharam à diáfana formosura!
Mas...
Allahur Akbar! Allahur Akbar!
Quando Deus criou a mulher, criou também a Obstinação. E a Verdade continuou a alimentar o propósito de visitar um grande palácio. E havia de ser o próprio palácio em que morava o sultão Harun Al-Raschid...
Cobriu as peregrinas formas de um couro grosseiro como os que usam os pastores e foi novamente bater à porta do suntuoso palácio em que vivia o glorioso senhor das terras mulçumanas. Ao ver aquela formosa mulher grosseiramente vestida com peles, o chefe dos guardas perguntou-lhe:
- Quem és?
- Sou a Acusação! - respondeu ela, em tom severo. - Quero falar ao vosso amo e senhor, o sultão Harun Al-Raschid, Comendador dos Crentes!
O chefe dos guardas, zeloso da segurança do palácio, correu a entender-se como o grão-vizir.
- Senhor - disse, inclinando-se humilde, - uma mulher desconhecida, o corpo envolto em grosseiras peles, deseja falar ao nosso soberano, o sultão Harun Al-Raschid.
- Como se chama?
- A Acusação!
- A Acusação? - repetiu o grão-vizir, aterrorizado. - A Acusação quer entrar nesse palácio? Não! Nunca! Que seria de mim, que seria de todos nós, se a Acusação aqui entrasse! A perdição, a desgraça nossa! Dize-lhe que não, que não pode entrar! Dize-lhe que uma mulher, sob as vestes grosseiras de um zagal, não pode falar ao Califa, nosso amo e senhor!
Voltou o chefe dos guardas com a proibição do grão-vizir e disse à Verdade.
- Não podes entrar, minha filha. Com essas vestes grosseiras, próprias de um beduíno rude e pobre, não poderás falar ao nosso amo e senhor, o sultão Harun Al-Raschid. Volta, pois, em paz, pelos caminhos de Allah!
Vendo quem não conseguiria realizar o seu intento, ficou ainda mais triste a Verdade e afastou-se vagarosamente do grande palácio do poderoso Harun Al-Raschid, cuja cúpula cintilava aos últimos clarões do sol poente.
Mas...
Allahur Akbar! Allahur Akbar! Quando Deus criou a mulher, criou também o Capricho.
E a Verdade entrou-se do vivo desejo de visitar um grande palácio. E havia de ser o próprio palácio em que morava o sultão Harun Al-Raschid.
Vestiu-se com riquíssimos trajos, cobriu-se com jóias e adornos, envolveu o rosto em um manto diáfano de seda e foi bater à porta do palácio em que vivia o glorioso senhor dos Árabes.
Ao ver aquela encantadora mulher, linda como a quarta lua do mês de Ramadã, o chefe dos guardas perguntou-lhe:
- Quem és?
- Sou a Fábula - respondeu ela, em tom meigo e mavioso. - Quero falar ao vosso amo e senhor, o generoso sultão Harun Al-Raschid, Emir dos Árabes! O chefe dos guardas, zeloso da segurança do palácio, correu, radiante, a falar com o grão-vizir:
- Senhor, - disse, inclinando-se, humilde - uma linda e encantadora mulher, vestida como uma princesa, solicita audiência de nosso amo e senhor, o sultão Harun Al-Raschid, Emir dos Crentes.
- Como se chama?
- Chama-se a Fábula!
- A Fábula! - exclamou o grão-vizir, cheio de alegria. - A Fábula quer entrar neste palácio! Allah seja louvado! Que entre! Benvinda seja a encantadora Fábula: Cem formosas escravas irão recebê-la com flores e perfumes! Quero que a Fábula tenha, neste palácio, o acolhimento digno de uma verdadeira rainha!
E abertas de par em par as portas do grande palácio de Bagdá, a formosa peregrina entrou.
E foi assim, sob o aspecto de Fábula, que a Verdade conseguiu aparecer ao poderoso califa de Bagdá, o sultão Harun Al-Raschid, Vigário de Allah e senhor do grande império mulçumano!
O 3º cerne abstrato - O Poder do Silêncio
— Vamos conversar agora sobre o terceiro cerne abstrato — disse Don Juan. — É chamado as artimanhas do abstrato, ou espreitar a si mesmo, ou limpar o elo.
Fiquei surpreso diante da variedade de nomes, mas nada comentei. Esperei que continuasse sua explicação.
— E outra vez, como com o primeiro e segundo cernes, esta poderia ser uma história em si mesma. A história conta que depois de bater à porta daquele homem sobre o qual estivemos falando e não tendo obtido sucesso com ele, o espírito usou o único meio disponível:
As artimanhas.
Afinal, o espírito havia resolvido impasses prévios através de artimanhas. Era óbvio que, se pretendia causar um impacto nesse homem, teria de seduzi-lo. Portanto, o espírito começou a instruir o homem sobre os mistérios da feitiçaria. E o aprendizado de feitiçaria tornou-se o que é: um caminho de artifícios e subterfúgios.
“De acordo com a história, o espírito seduziu o homem, fazendo-o mudar para a frente ou para trás entre níveis de consciência a fim de mostrar-lhe como economizar a energia necessária para reforçar seu elo de conexão.
Don Juan contou-me que, se aplicássemos sua história a um ambiente moderno, teríamos o caso do nagual, conduto vivo do espírito, repetindo a estrutura deste cerne abstrato e recorrendo a artifícios e subterfúgios para poder ensinar.
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